Dedico, assim, este trabalho a todos os arqueólogos que trabalharam em Tróia e que lhe dedicaram atenção.
À nova equipa que se encontra neste momento a efectuar trabalhos arqueológicos em Tróia, coordenada pela Doutora Inês Vaz Pinto, vai o meu desejo de muitos e profícuos resultados.
«Quando Tróia se afundou três dias choveu areia só um homem se salvou no ventre de uma baleia».
No vol. III do Archeologo Português já haviam sido publicados por Pedro A. de Azevedo os Autos de Visitação à Ermida de Nossa Senhora de Tróia da Ordem de Santiago, e Leite de Vasconcelos escreve uma nota "Escavações Reais em Tróia", um curioso documento sobre a concepção romântica da actividade arqueológica em finais do século XIX, e também muito interessante pela sua dramática actualidade no que diz respeito à investigação deste sítio até anos próximos dos nossos dias:
Lê-se n'O Seculo, de 16 de Novembro de 1897, que tendo Sua Majestade El-Rei o Senhor D. Carlos manifestado ao sr. Morgado Francisco Cabral, dono das ruinas de Troia, desejo de obter alguns dos muitos objectos que estão alli sotterrados, o Sr. Cabral mandara immediatamente seis trabalhadores que começaram a fazer escavações no sítio do chafariz da Hortinha, sob a inspecção de El-Rei. No referido jornal, de 17 do mesmo mês, lê-se ainda:
“Continua hoje o Senhor D. Carlos nas suas explorações na Troia. Por enquanto nada de notavel se tem encontrado, a não serem umas quatro moedas antigas, grandes, que elle guardou.”
Diz o autor “Depois d'isto nada mais li sobre o assumpto. Creio que as escavações não continuaram, porque El-Rei se retirou para a sua capital.
Visto o interesse de Sua Magestade mostra peça archeologia, tomava eu a liberdade de tornar a lembrar a grande conveniencia que haveria em mandar proceder em Troia a explorações methodicas e extensas. Quem sabe quantos thesouros scientificos não estarão escondidos sob a areia? E talvez pelo estudo d'elles se pudesse por uma vez decidir onde foi Cetobriga! Em todo o caso, a nossa história antiga tão imperfeitamente conhecida, receberia sem dúvida luz brilhante que a esclarecesse um pouco.”
A "Sociedade Anónima para as Investigações de Cetóbriga"
No período que medeia as últimas intervenções da Sociedade Arqueológica Lusitana e as explorações a que acabámos de referir, encontramos um interessante documento lavrado pelo Tabelião de Setúbal. Trata-se de uma escritura de arrendamento de uma propriedade denominada “da Tróia” que fez o Sr. Francisco Maria Cabral de Aquino Mascaranhas à “Sociedade Anónima Francesa das pesquisas archeologicas de Cetobriga”, pelo tempo de dois anos e meio e pela renda anual de um conto de reis. Do mesmo ano é uma promessa de venda da propriedade “A Tróia” a essa “ Sociedade Anónima para as investigações de Cetóbriga” fundada por M.Blin em 1875, com a importância de 600000 francos. Foi, a primeira sociedade com fundos privados, aplicados na investigação arqueológica, em Portugal.
Como já referimos, na primeira metade do século XX, Inácio Marques da Costa realizou vários trabalhos em Tróia, nomeadamente na “Rua da Princesa”, tendo registado, se bem que, julgamos, de uma forma algo “poética” as plantas, alçados e mesmo os motivos decorativos.
Marquês da Costa descreveu um baptistério, de que actualmente não resta qualquer vestígio, da seguinte forma:
“Tais são as ruínas dum edifício ou casa em forma cilindrica, com toda a face interior da parede estucada e pintada a fresco de vermelho e que toda era coberta com uma abóbada, que devia formar uma elegante cúpula, da qual ainda restam vestígios.
No solo circular desta casa abrem-se quatro piscinas a ocuparem os lugares correspondentes aos quadrantes em que se dividia o dito solo. Alguém tomou erradamente êste edifício como templo dedicado a Vesta e uns nichos, que se vêem abertos na face interior da parede cilíndrica, como destinados a receber estátuas dos deuses.
Nas ruínas de Pompeia têm aparecido edificações, em tudo semelhantes a esta, e a elas se tem atribuído a função de Baptistério”.
Deste investigador, para além das tentaivas de reconstituição da zona habitacional conhecidapela "Rua da Princesa", há ainda descrições da Basílica Paleocristã “compartimento rectangular que em duas paredes contíguas mostra restos de estuque, onde foram pintados a fresco várias figuras coloridas, como grande parte do monograma de Cristo (Crismon) ao centro da parede e circunscrito por uma coroa”.
Deste Crismon hoje desaparecido, não resta senão o desenho publicado por Marques da Costa, acontecendo o mesmo com grande parte das estruturas da Rua da Princesa que descreveu e publicou.
Data ainda de finais da primeira metade do século XX o início dos trabalhos desenvolvidos pela Junta Nacional de Educação.
A partir de 1948 realizaram-se várias campanhas, sob a direcção do Professor Manuel Heleno, destacando aqui a escavação que efectuou no conjunto funerário ou necrópole, na margem esquerda da Caldeira.
Posteriormente, D. Fernando de Almeida promoveu escavações em Tróia com a colaboração de assitentes e alunos da Universidade de Lisboa. A Basílica Paleocristã foi, novamente em 1968 e 1969, objecto de estudo e de trabalhos arqueológicos, tendo sido publicados os resultados da mesma .
Ainda sob a orientação de D. Fernando de Almeida e com a participação de Judite e António Cavaleiro Paixão, desenrolaram-se escavações que puseram a descoberto uma área de enterramentos de características únicas em Portugal, das sepulturas de mansae .
Uma outra área sepulcral, centrada por um Mausoléu (ou Columbarium) foi ainda escavada por D. Fernando de Almeida e seus colaboradores.
Mas essa “Arqueologia da Arqueologia” a outros caberá fazer, terminando por aqui este meu testemunho relativamente às Ruínas de Tróia.
Do numeroso espólio recolhido em Tróia é de salientar a grande quantidade de cerâmica comum, a abundância de ânforas, que atesta a importância industrial e comercial deste Sítio Arqueológico, os artefactos piscatórios, como agulhas de cozer e pesos de rede, bem como a existência de terra sigillata, vidros, moedas, etc.
Zona residencial "Rua da Princesa", Fotografia Professor Manuel Heleno.
Esculturas, inscrições, capitéis e fustes de coluna, para além do célebre relevo mitraico, constituem ainda parte dos materiais arqueológicos recolhidos em Tróia que, apesar da sua enorme dispersão , estão maioritariamente depositados no Museu Nacional de Arqueologia.
No entanto, desde longa data que se considera desejável associar às ruínas de Tróia um espaço para depósito e mostra do espólio proveniente do Sítio, e ainda criar condições de visita e fruição pública para o local através da criação de um “Núcleo Interpretativo”e de um “Centro de Estudos” sobre Tróia, situação que, estamos crentes, a breve prazo veremos acontecer.
Regressados à Tróia do relevo mitraico, divindade de militares vinda do Império Oriental, que o Cristianismo acabou por banir, que, embora sendo o único exemplar em território nacional, andou por destinos perdidos durante décadas.
E poderemos regressar também a essa Tróia do templo paleocristão.
Regressados assim à Tróia de poços, cisternas e reservatórios de água, para servir unidades fabris, bem como aos balneários com os seus tanques tépidos e quentes com os seus mosaicos que, alindando o espaço, permitiriam esquecer cheiros fétidos a peixe e dias suados de labor.
Novos poços e tanques denunciando que o labor não acabava na zona que agora mais “central”, que não é senão a ínfima parte de uma cidade ainda por conhecer, bastando andar pela praia para uma pálida imagem se poder ter.
E podemos ainda ver a sepultura em forma de cupa que se implantou junto às termas e pensei na sepultura da Galla cuja Ara também se encontra no Museu Nacional de Arqueologia, bem como a Tróia do relevo mitraico, esse deus da Luz, importado por Romanos do Mundo oriental, a cujos mistérios se acedia através da matança do touro ritual.
Tróia da «Caldeira», onde, em dias especiais, ainda se pode ver plâncton fazendo brilhar a água naquele lugar.
Informações gerais sobre o Sítio Arqueológico:
. Não se tinha ganho muito com isso, mas sinda assim podiam ver-se alicerces de casas, vários pátios, muros altos, restos de um jardim inteiro, com uma casa-de-banho parcialmente conservada, um chão de mosaico e paredes com lajes de mármore. mesmo dentro de água, havia fragmentos e pedaços de jarros antigos e até grandes muros de pedras».
(1) Julgamos tratar-se de uma curiosa interpretação de H.C.A., se bem que a maioria das pedras que se encontram espalhadas por 2 km de extensão de costa são de origem romana, fruto da destruição das construções. (2) Uma vez que a viagem de H. C. A. teve lugar em 1866, deverá estar a referir-se às escavações efectuadas pela Real Sociedade Archeológica Lusitana que teve, inicialmente, o patrocínio de D. Fernando e do Duque de Palmela. No entanto, já anteriormente se tinham feito “explorações” no tempo da infanta D. Maria.
Gaspar Barreiros‚ o primeiro autor que faz referência a Tróia, ” a qual Troia cuidaram alguns ser Salacia“, sustenta serem as ruínas de Tróia os vestígios da cidade de Cetóbriga, de cujo nome derivam igualmente o nome da península e o da cidade que se ergue na outra margem – Setúbal. Setúbal, segundo o mesmo autor, “…reteve o nome corrupto de Cetobrica, o qual nome de Cetobrica se corrompeu em Cetobra e depois em Tria onde ela foi”. Refere-se este autor aos tanques de salga de peixe de Tróia como:”salgadeiras em que se curava o peixe.” André de Resende, escritor e “arqueólogo” quinhentista, aí realizou as primeiras pesquisas de que há notícia. Como umas das figuras mais proeminentes do Humanismo Português, não será de admirar a curiosidade e fascínio que todos os testemunhos do passado clássico tenham exercido sobre este escritor. Na sua obra “De Antiquitatibus Lusitaniae”, Liv.IV – “De Cetobriga” retoma a argumentação de Gaspar Barreiros, afirmando: “Corrumpi coepit nonem in Cetobram, quam postea multo corruptius vulgos ineruditum triam fecit”. No início do século XVII, Fr.Bernardo de Brito retoma a mesma identificação escrevendo:”nos tempos antigos florescera na povoação de Cetobriga a que os moradores da terra chamam Troia”. Duarte Nunes de Leão, por sua vez, refere-se-lhe da seguinte forma:”Cetobriga que vieram corromper o nome de Setúbal para onde passou, foi também situada em uns areais onde chamam agora Troia”. Muitos autores insistem nesta identificação, de João Batista Lavanha a Frei António de Santa Maria, Carlos Ribeiro, entre outros. João Batista Lavanha na sua “Viagem da Catholica Real Magestade del Rey D.Filipe II a Portugal”, de 1622, diz que:” Setuval. He hua das maiores, & mais assinaladas villas de Portugal, por causa do seu porto formado do Rio Cadão, que alli entra no Oceano, & de huma lingua de terra que o mar ha estreitado. Nesta lingua de terra que fica de fronte da villa, ouve na antiguidade hua povoação chamada Cetobriga …. onde ainda oje se vem os vestigios de tanques em que se salgarão os atuns, & outros pescados, & aparecem as ruinas de outros edificios de aquella cidade, & dellas se tirão estatuas, columnas, & muitas inscripções, que entre outras antiguidades dignas de eterna memoria se conservão na casa do duque de Aveiro”. A estas ruynas chama o vulgo Troya com que quer dar a entender que são da povoação que alli ouve”. Em 1895, José Leite de Vasconcelos faz uma reflexão sobre este assunto e considera a identificação despropositada sob o ponto de vista linguístico:” Troia nada mais ser do que uma designação litteraria dada anteriormente ao seculo XVI às ruínas; para afirmar isto, fundo-me em que não são estas ruinas as unicas assim denominadas: no termo de Chaves ha outras ruinas a que se dá o mesmo nome de Troia”. A partir de 1957, volta a reacender-se o problema da localização de Cetobriga, uma vez que as escavações que o Museu de Arqueologia e Etnografia do Distrito de Setúbal revelaram a existência de um importante centro urbano da época romana. Tinha sido finalmente localizada a Cetobriga dos Romanos! Em 1960, José Marques da Costa em “Novos Elementos para a localização de Cetobriga diz a propósito deste assunto: “Caíu, há muito tempo, no campo das hipóteses indefensáveis, não sem que, antes, durante séculos, tivesse sido aceite e divulgada como verdade averiguada e incontroversa. Hoje, vergada sob o peso da provecia idade de quase quatrocentos anos – motivo de aparente autoridade! – não passa de sobrevivência dos estudos arqueológicos do Quinhentismo, incipientes, simplistas e falhos de fundamento”.
O espólio exumado nessas explorações foi totalmente disperso. À então Vila de Setúbal foi oferecida uma coluna e um capitel coríntio, reutilizado, mais tarde, como pelourinho, ainda hoje existente na Praça Marquês de Pombal, nessa cidade.
O primeiro Duque de Palmela, que visita as ruínas de Tróia, a convite desses estudiosos, em 1849, é também convidado a ser protector da Sociedade, qualidade que reclina para El-rei D.Fernando II, que virá a ser efectivamente o protector da Sociedade. O Duque de Palmela profere em Setúbal um discurso em que afirma: “Foi hoje a primeira vez que tive o gosto de visitar as ruínas da antiga Cetobriga e, pelos vestígios das construções que ali observei, fiquei sumamente esperançado de que grandes vantagens arqueológicas, científicas e artísticas se podem obter por meio duma bem dirigida escavação, e da qual poderão resultar muita honra e vantagem para esta País e com particularidade para a Vila de Setúbal, sede desta respeitável associação. Quando porém mesmo esses achados de preciosidades se não realizem de todo, ao menos sempre um grande proveito se tirar das escavações intentadas: descobrir-se-ão essas ruínas, marcar-se-á a sua extensão, e finalmente fixar-se-ão mais as ideias para se resolver um ponto de história e de geografia, que até agora não tem sido esclarecido pelos nossos escritores, história na verdade muito misteriosa, relativamente à fundação desta populosa cidade, cuja existência deve ser de mui remota antiguidade”.
(1) Ver o trabalho mais recente, entretanto publicado por Patrícia Santiago Pinto Brum «Contributos para a programação museológica do acervo arqueológico romano de Tróia. Museu ou centro de interpretação?» Setembro 2013.
http://run.unl.pt/bitstream/10362/13853/1/Contributos%20para%20a%20programacao%20museologica%20do%20acervo%20arqueologico%20romano%20de%20Troia.pdf