Ricamente decorado com motivos rocaille, nele estão representadas muitas figuras mitológicas, a exemplo de Vénus e de Baco.
Nos jardins, concentram-se muitos dos deuses protectores da Natureza e da Floresta: Faunos ou Sátiros; Flora e Fauna; Ninfas, Dioniso/Baco; Bacantes, Vertumno e Pomona, cuidando dos jardins e das árvores de fruto; Pã e de Silvano, esse deus de origem itálica que em si reúne a natureza animal e vegetal. as divindades da Natureza, e as Estações do Ano, entre tantos outros.
Nas fontes de muitos jardins pontua Neptuno, o deus dos Mares, tão do nosso apreço, e o seu séquito, onde a intervenção de Tritão e de todas as outras entidades marinhas como as Nereidas, são bastante salientadas.
Anfitrite, filha da ninfa Dóris e de Nereu, portanto uma nereida, esposa de Posídon e deusa dos mares, é também inúmeras vezes representada com o seu séquito marinho (Tritões e Nereidas) acompanhando o deus do mar.
Jardins do Palácio de Belém. Erotes e golfinhos
O primordial Oceano, o grande Rio que rodeava a Terra, na Mitologia Clássica, era filho primogénito de Urano (Céu) e de Gaia (Terra), ou seja, o mais velho dos Titãs. Era como a personificação das águas correntes e de todas as fontes de água doce que existem no planeta Terra.
Tem, entre nós, representações desde a ocupação romana do território, salientando o fabuloso exemplar de Ossonoba, datável dos séculos II-III que parece indiciar a importância marítima da cidade, porto onde se cruzariam influências diversas do norte de África e do Oriente mediterrâneo.
O Mosaico do Oceano. Museu Municipal de Faro
Em épocas mais recentes da História, pós Renascimento, o Oceano e o Rio Tejo fazem-se representar, muitas vezes, com os atributos semelhantes ao de Posídon e as Nereidas são substituídas pelas Tágides, ou ninfas do Tejo, aludindo à obra camoniana.
Número de Inventário: 51840 DIG
Palácio Nacional da Ajuda
Pintura: "O Pai Oceano sentado sobre uma balêa, he acompanhado pelas suas filhas Nereidas", sala de D. João VI, tecto, topo Sul
Arcângelo Foschini
Descritores: pintura mural, tecto
Fotógrafo: José Paulo Ruas, 2014 Copyright:© DGPC Aqui
O Patrio Tejo distribuindo as grinaldas de flores pelas Tagidas", Pintura Mural, sala de D. João VI, tecto, Nascente/Sul |
Arcângelo Foschini |
Fotógrafo: José Paulo Ruas, 2014© DGPC |
O conjunto das divindades aquáticas são das mais recorrentes no território nacional, sob todas as suas formas, normalmente associadas a fontes, fontanários, embora também surjam noutros contextos, designadamente na pintura parietal, mas ainda em objectos decorativos.
Alegoria do Feliz Regresso de D. João VI, Sala de D. João VI, parede poente
Palácio Nacional da Ajuda
Arcângelo Foschini, 1825. Fotografia José Paulo Ruas, 2014© DGPC
Se algumas viaturas hipomóveis pudesse seleccionar como o expoente da consagração da cultura clássica seria o coche de D. Maria Francisca Benedicta, em exposição no antigo Picadeiro Real/Museu dos Coches, e o Coche das Infantas, no novo Museu dos Coches, bem como os Coches da Embaixada.
Lembramos que, na mitologia grega, as deusas Horas, filhas de Zeus e Témis, representavam as estações do ano e personificavam a ordem do mundo e as horas do dia.
A palavra remete ao conceito de Tempo ou de “espaços de tempo” referentes às estações do ano. Posteriomente, com a subdivisão do tempo, a palavra foi assumindo outros sentidos.
No Palácio Nacional da Ajuda deparamos como uma das mais belas representações de Cronos (Saturno).
Encontramos também, por diversas vezes, a representação de Cronos/Saturno, em colecções de Palácios e Museus.
Assim nos diz um texto de Claudiano (c. 370 - 404)
“Ó caríssimo pai da Primavera, que sempre reinas através dos meus prados com sopro folgazão e refrescas a estação com o teu contínuo hálito, observa a reunião das ninfas, a excelsa descendência do Tonante, pelos nossos campos dignando divertir-se (...) E o Zéfiro sacode as asas de um novo néctar impregnadas e fecunda as terras com um febril rocio. Para onde quer que voe segue-o rubor primaveril. Toda a terra rebenta em ervas, e a abóbada celeste descobre-se num sereno céu aberto. Pinta as rosas em sanguíneo esplendor, veste de negro os mirtilos e pinta as violetas com uma aprazível cor escura”
Mosaico das Estação do Ano: Primavera. Villa Romana do Rabaçal
Assim nos diz também o poeta Ovídio, poeta latino dos séculos I a.C – I d.C. (43 a.C. - 17 ou 18 d.C.), fazendo uma alegoria das estações do ano à vida individual.
A presença de Baco está atestada desde a ocupação romana do território atualmente português, destacando-se o célebre «Mosaico das Musas», proveniente da villa romana de Torre de Palma, Monforte, onde se representa «o Triunfo Indiano de Baco».
Na Mitologia é conhecida essa grande viagem percorrida por Baco no Oriente, até à Índia. De regresso, vitorioso, faz-se acompanhar por um séquito, onde participam Sileno; Bacantes; Ninfas; Sátiros e mesmo o deus Pã. Baco, o homólogo do deus grego Dioniso, foi uma das divindades que mais expressão teve na Lusitânia romana.
Uma das lendas sobre o deus grego do vinho dá conta que o seu nome original seria Zagreu, filho de Zeus que, sob a forma de serpente, violou Perséfone, a senhora do submundo onde reinava Hades, embora outras narrativas o refiram como filho de Hades.
Segundo outra versão, terá sido Atena (ou Deméter noutra lenda) a salvar-lhe o coração que ainda palpitava e, engolindo-o, a princesa tebana Sémele engravidou do segundo Dioniso.
Aceita-se ainda numa outra das versões que o coração de Zagreu tenha sido reduzido a pó que foi dado a beber a Sémele, que assim ficou grávida.
O filho de Zeus e da mortal Sémele viria a ser o famoso Dioniso, deus do vinho e da vinha, que, na verdade, era uma reencarnação do falecido Zagreu, conhecido entre alguns autores como o "primeiro Dioniso“. Por isso, ele é chamado “duas vezes nascido” ou “o de duplo nascimento” (dio-nisio).
Hera, ao ter conhecimento das relações amorosas de Sémele com o seu esposo Zeus, resolveu eliminá-la.
Agradecemos a Graça Cravinho a fotografia e descrição acima.
Transformando-se na ama da princesa tebana, aconselhou-a pedir ao amante que se apresentasse em todo o seu esplendor. O deus advertiu Sémele que semelhante pedido lhe seria funesto, uma vez que uma mortal não suportaria a epifania de um deus imortal. Mas, como havia jurado pelas águas do rio Estige jamais contrariar-lhe os desejos, Zeus apresentou-se com seus raios e trovões e ela morreu fulminada, salvando-se apenas o seu filho.
O feto do futuro Dioniso, foi salvo por Zeus que o recolheu do ventre de Sémele e o colocou na sua coxa, até que se completasse a gestação normal.
Mas o longo caminho de Baco não termina por aqui.
Temendo novo estratagema de Hera, mal nasceu o filho de Zeus, Hermes recolheu-o e levou-o às escondidas para a corte de Átamas, rei beócio, casado com a irmã de Sémele, Ino, a quem o menino foi entregue. Irritada, Hera enlouqueceu o casal que matou os seus filhos.
Zeus transformou o filho num menino (ou em bode, segundo algumas narrativas) e ordenou que Hermes o levasse para o monte Nisa, onde foi confiado aos cuidados das Ninfas e dos Sátiros, que lá habitavam numa gruta profunda.
Ainda assim a saga não termina e, enciumada, a deusa Hera transforma Baco já adulto num louco a vaguear pelo mundo.
Ao passar pela Frígia, foi curado e instruído nos rituais religiosos pela deusa Cibele. Na Frígia, conheceu Cíbele, deusa da natureza e abundância, que o curou e o iniciou em seus ritos religiosos.
Assim, Baco começou a juntar discípulos por onde andava, ensinou-os a cultura da vinha e os seus mistérios por toda a Ásia.
As ménades, também conhecidas como bacantes, lenai, tíades ou coribantes (estas últimas ligadas ao culto de Cibele na Lídia) são as seguidoras de Baco, participantes das orgias e aliadas nos seus confrontos com tiranos.
Buscavam a vida nos bosques e dedicavam-se à dança, a festins de embriaguez e dilaceramento de animais selvagens.
São normalmente representadas nuas ou vestidas só com peles de veado, com grinaldas de Hera e empunhando um tirso.
Na presença do deus, ficam imbuídas do seu poder e podiam atingir o êxtase.
Fábrica de Louça de Sacavém, com marca gravada Sacavém e datado de 1925. Fotografia e comentário de Museus de Loures. Aqui.
(Camões, Os Lusíadas, Canto III)
Pã é uma das personagens presentes no séquito de Baco. Meio homem, meio animal, representa as forças da natureza.
Pã (Lupércio ou Lupercus em Roma) era o deus dos bosques, dos rebanhos e dos pastores, filho de Hermes/Mercúrio e Penélope, segundo algumas narrativas mitológicas; de Júpiter com a ninfa Timbres ou Calixto, segundo outras; ou mesmo de Ar com uma Nereida ou ainda do Céu e da Terra. Nasceu com cornos de bode e era muito irrequieto, sendo representado com orelhas, chifres e pernas de bode.
A música já aqui representa um elemento civilizacional, pois é graças a ela que Pã acaba por ser aceite pelas ninfas que dele antes se afastavam, tal a sua figura que assustava, causando pânico.
Mas já muito antes dele, Virgílio havia sagrado na sua obra poética Geógicas as estações do ano:
«É a primavera quem traz maior mercê à folhagem dos bosques e matas (...) O solo criador dá à luz os seus frutos; os campos oferecem o seu seio ao bafo tépido do Zéfiro; as moles seivas refluem de todas as plantas, e as ervas ousam, confiantemente, entregar-se a novos sóis (...).
(...) Quando renasce a Primavera, e frios regatos correm das montanhas cobertas de neve, e o Zéfiro desagrega as leivas, é chegada a ocasião dos bois começarem a gemer sob o peso do arado tanchando a fundo, e de rebrilhar ao sol a relha desgastada pelo roçar nos sulcos. (...)
Mãos à obra, portanto! Comecem os teus robustos bois, desde o primeiro dia do mês, a revolver a terra feraz, para que o poeirento Verão recoza com raios ardentes de sol as glebas que se lhe oferecem.
(...) o pai dos deuses, o próprio Jove, determinou que fosse árduo o cultivo das terras, pela primeira vez as mandou fabricar obedecendo a uma arte, e aguilhoou com preocupações o coração dos mortais, não consentindo que os seus domínios entorpecessem numa pesada modorra. Antes do reinado de Júpiter não havia agricultores em luta com os campos; não era permitido dividir a terra, e assinalar extremas; os homens buscavam o proveito para o bem comum, e o próprio solo produzia mais liberalmente, sem nada se lhe solicitar.
As Geórgicas de Virgílio, Livro I. Ed. Ruy Mayer, Sá
da Costa 1948
Segundo a versão do Mito do poeta Ovídio (43 a.C 43 — 17 ou 18 d.C), um certo dia de primavera, Zéfiro, o vento oeste, avistou a ninfa Cloris, apaixonou-se por ela e transformou-a em Flora. Como prova de seu amor, Zéfiro nomeou a sua amada como rainha das flores das árvores frutíferas e concedeu-lhe o poder de germinar as sementes das flores de cultivo e ornamentais, entre elas o cravo.
Ceres/Deméter Palácio Nacional de Queluz
O Inverno. Fotografia Horácio Ramos
Também Vénus, a deusa da beleza e do amor, é a homóloga romana da divindade grega Afrodite, aceitando-se que nasceu da espuma das águas, é uma constante na iconografia nacional.
De Afrodite nos narra o poeta Hesíodo que foi nascida da espuma do orgão imortal do Céu, cortado pela foice de Cronos:
Camões, Os Lusíadas, Canto I, O Consílio dos Deuses
Mas ela é uma presença em território nacional, desde Época Romana, havendo vários exemplares de estátuas ou fragmentos, bem como epígrafes em sua honra, como é o exemplo da que José d’Encarnação estudou e publicou, cujo dedicante é um magister. Prestar culto a Vénus era prestar homenagem à família imperial».
Em Miróbriga existe também um edifício de planta absidial muito possivelmente dedicado a Vénus. Uma inscrição em honra de Vénus corrobora o culto que a divindade aí teve.
No Coche das Infantas, em exposição no Museu Nacional dos Coches, Vénus surge-nos acompanhada dos seus filhos Erotes ou Cupidos, cuja representação é bastante comum em território nacional, ao ponto de, por vezes, serem designados por putti.
Eros cavalgando o golfinho é, aliás, uma associação bastante recorrente aos ambientes marinhos ou mesmo de infraestruturas aquáticas.
O golfinho assume-se como o salvador de náufragos, relembrando o lendário salvamento de Dioniso. É por isso símbolo dionisíaco protector da vida e das actividades dos povos da beira-mar.
Segundo a mitologia grega, a deusa do amor Afrodite metamorfoseou-se em golfinho, tornando-se a “mulher do mar”. Mas também vemos os golfinhos associados ao mito de Dioniso, quando a divindade percebeu que os piratas que o atacavam tinham a intenção de vendê-lo como escravo. Transformou, então, os seus remos em serpentes, encheu o navio de hera e fez soar flautas invisíveis. Depois paralisou o navio com grinaldas de vinha. Os piratas, enlouquecidos (de uma loucura estranhamente parecida com a embriaguês sagrada), atiraram-se ao mar e transformaram-se em golfinhos.
Os golfinhos são muitas vezes representados junto com Posídon (Neptuno), o rei dos mares.
Fotografia José Pessoa DDF/DGPC
Museu Nacional do Azulejo
N.º de
Inventário: 43259 Palácio Nacional da Ajuda. Aqui
A peça é uma replica
executada por B. del A Paris Chez N. Bonnart da obra “Cupido e
Psyché” de António Canova, cujo original de encontra no Louvre.
O novo Paço, habitável desde 1761, veio a ser a residência da Corte durante cerca de três décadas. Em 1794, no reinado de D. Maria I, um incêndio destruiu por completo esta habitação real e grande parte do seu recheio. Coube a Manuel Caetano de Sousa, Arquiteto das Obras Públicas, a tarefa de projectar um novo palácio de pedra e cal, cujo traçado remete ainda para uma linguagem barroca. Este projecto, iniciado em 1796 sob a regência do príncipe real D. João, foi suspenso decorridos cinco anos de construção, quando, em 1802, Francisco Xavier Fabri e José da Costa e Silva, arquitetos formados em Itália, foram encarregados de o adaptar, jà numa corrente neoclássica.
Esta tarefa, continuada mais tarde por António Francisco Rosa nunca veio a ser concretizada integralmente, em parte devido à fuga da Corte para o Brasil, em 1807, na sequência das invasões napoleónicas, e a falta periódica de recursos financeiros.
Nela trabalhavam os melhores artistas do reino: Domingos Sequeira, Arcângelo Foschini, Cirilo Wolkmar Machado, Joaquim Machado de Castro e João José de Aguiar, dedicados essencialmente aos elementos decorativos pictóricos e escultóricos.
Quando, em 1821, a Corte regressou do Brasil, o Palácio ainda estava inacabado, e era apenas utilizado para cerimónias protocolares. Em 1826, após a morte de D. João VI (1767-1826), estando as alas nascente e sul já habitáveis, a infanta regente D. Isabel Maria (1801-1876) e duas das suas irmãs escolheram-no para sua residência.
A intervenção efectuada no século XIX levou ao expoente a relação com as divindades, quando o próprio rei, D. João VI, é representado a regressar a Portugal vindo do Brasil, no carro do deus dos Mares com todo o seu séquito de Tritões, nereidas e Tágides, as ninfas do Tejo.
A entrada da família real no Tejo é uma pintura notável da autoria de Cirilo Volkmar Machado (1748-1823), onde Tritões anunciam a dupla realeza: a humana e a divina.
O príncipe regente vem sentado no carro de Neptuno que lhe cede o lugar e é acompanhado pelo séquito do rei dos Mares, ou sejam rodeado de Nereidas, tritões e tágides, ou seja, as ninfas do Tejo.
Sobre a Afrodite grega, a Vénus romana, há inúmeras histórias em torno da sua origem, bem como da sua vida amorosa e descendentes.
Mas, sem dúvida, há algumas das representações mitológicas nacionais elementos novos. As Tágides, ou ninfas do Tejo, são exclusivas da mitologia nacional, sendo inspiração para muitos dos motivos decorativos abordados neste trabalho. É às Tágides que Camões pede inspiração para compor a sua obra Os Lusíadas.
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De muitas outras divindades vos poderíamos falar, não
podendo esquecer o pai dos deuses e tantas outras mais, mas esta foi a nossa
primeira abordagem ao tema que temos vindo a tratar nos últimos anos e a que
daremos continuidade.
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