O HOMEM ROMANO
Por Filomena Barata
Revisão: Professor Doutor Manuel Rodrigues a quem muito agradeço
Nota Introdutória
Este texto de apoio para estudantes vem na continuidade
de um anteriormente elaborado, dedicado à Mulher e Criança em Roma, motivo que nos
incentivou a dedicar umas pequenas notas que incidissem sobre o “Homem Romano”,
utilizando o nome da marcante obra coordenada por Andrea Giardina.
Não é fácil em algumas páginas resumir a complexidade da
vida romana que centra no Homem, mais propriamente no paterfamilias, a
sua vida política, social e religiosa.
Menos fácil ainda é conseguir ousar tratar todas as
diferenças que o Tempo, numa sociedade tão duradoura como a Romana, as Leis e
os territórios tão vastos foram delineando, pois nada seria mais erróneo do que
pensar que se tenham mantido estanques os estatutos jurídico-sociais dos
Romanos.
Ainda assim tentaremos abordar de forma sumária o estatuto
jurídico do Cidadão, do Liberto e do Escravo, bem como algumas profissões.
Do ponto de vista jurídico, as famílias romanas eram,
genericamente, iguais: a autoridade residia no paterfamilias,
cabendo-lhe reconhecer ou não os filhos, pois era possível a sua rejeição, bem
como decidir a adopção.
O fenómeno da rejeição tem a ver, genericamente, com
deficiências de ordem física, embora sejam conhecidos outros motivos,
designadamente socioeconómicos ou, ainda, suspeitas de traição.
O reconhecimento dos filhos fazia-se através do ritual do Paterfamilias
levantar o filho do chão e tomá-los ao
colo.
O primeiro ritual de uma criança após o nascimento (dies lustricus) era ao 8.º
dia após o nascimento, para as raparigas, e ao 9.º dia para os rapazes.
Essa cerimónia religiosa ocorria junto ao altar doméstico.
A mulher estava tradicionalmente submetida ao poder do
pai e, posteriormente, do esposo, pese embora ter conseguido obter,
gradualmente, uma maior independência.
«Durante el imperio se
dieron importantes pasos para reconocer derechos a la mujer. La tutela sobre la
mujer dejó de ser perpetua y, en determinadas condiciones, quedaba liberada de
ella: así la mujer nacida libre que tuviera tres hijos, o la liberta que
hubiera tenido cuatro, adquirían plena capacidad sobre el uso de sus bienes y
podían recibir herencias o legados (ius liberorum)»[1].
A família era a estrutura básica social, económica e
ideológica: honrar os Lares e outras divindades era uma obrigação doméstica,
sendo o pai o responsável pelo culto.
Genericamente, podemos dizer que o homem, em Roma, se distinguia pela sua
condição social, a que correspondia um dado comportamento, que se espelhava em
tudo, até no próprio vestuário. Assim, a toga, que era vestida sobre a túnica,
só podia ser usada pelos Cidadãos, variando de forma, volume e cor, de acordo
com o estatuto social. Distinguiam-se os seguintes tipos de toga:
·
«Toga pura» ou «virilis» (toga viril) –
toga lisa, feita de lã branca, usada pelos homens quando atingiam a idade
adulta.
·
«Toga praetexta» – toga branca decorada com uma
banda larga de cor púrpura. Era usada pelos jovens que ainda não envergavam a «toga
virilis» e, até uma certa altura, pelas jovens que ainda não tinham casado
(com efeito, na Época Republicana, já só as adúlteras ou prostitutas as
utilizavam); era também usada pelos principais magistrados e sacerdotes.
·
«Toga candida» – toga de um branco imaculado, usada
pelos candidatos a cargos públicos (os «candidati», no singular «candidatus», de onde deriva a palavra
candidato). A brancura desta toga simbolizava a candura das atitudes, pois
pressupunha-se que aqueles que a envergassem deveriam levar uma vida
irrepreensível.
·
«Toga picta» ou «purpurea» – usada pelos
vencedores e, mais tarde, pelo imperador.
·
«Toga sordida» ou «pulla» – era a toga dos
mais pobres ou dos réus quando se apresentavam no tribunal, funcionando, nestes
casos, para inspirar um sentimento de piedade.
·
«Toga trabea» – toda púrpura, ou ornamentada com
riscas horizontais de cor púrpura, era a toga usada pelos áugures e sacerdotes,
durante os rituais; também os deuses eram representados com esta toga.
Como se disse, o uso da toga era
privilégio dos Cidadãos. Os Escravos e os Plebeus apenas usavam a túnica.
O cidadão
Togado
proveniente de Collippo. Museu da Comunidade Concelhia da Batalha.
Mas,
afinal, quem era o ciuis (cidadão)?
A cidadania romana era atribuída, na sua fase inicial, apenas a quem
vivesse em Roma, tendo-se, contudo, alargado, gradualmente, com as conquistas.
As cidades que mais depressa a adquiriram foram as mais próximas de Regia
Roma. Ao invés, aquelas que se situavam a uma distância maior, ou cuja
submissão foi forçada, apenas possuíam a cidadania sine suffragio, ou
cidadania parcial, pois não tinham o direito de votar.
Inicialmente, o voto era
oral. Por volta do século II a. C., os romanos tiveram a ideia de criar
uma urna onde os votos fossem depositados, per tabellam, com
o objetivo de assegurar o voto secreto e a liberdade de o cidadão votar
sem interferência dos mais poderosos. As tabellae dadas ao
cidadão eram pequenas tábuas enceradas, nas quais se escrevia, com um stilus
(estilo/estilete), o nome do candidato.
Para comemorar a chamada “lei tabelária”, que introduziu o voto secreto, foram emitidas moedas
com imagens de cenas de votação, onde figura um cidadão depositando a sua tabella
diante do magistrado, como é o caso do exemplar aqui apresentado.
Denário de P. NERVA, com representação de Roma (113 a.C.
- 112 a.C.)
Museu Nacional de Arqueologia nº Inv. 2015.14.99.
Fotografia de Paulo Alves
Soalheira de Barbanejo.
Anverso: Busto de Roma, usando capacete, com uma pluma de
cada lado, segurando um escudo com a mão esquerda; com a mão direita, segura
uma lança, que está pousada no ombro esquerdo. Em cima, um crescente lunar.
Atrás, ROMA. Bordo delineado por pontos.
Reverso: Ao centro, uma cena representando um ato
eleitoral: um votante, à esquerda, com "pons", recebe o
boletim de voto de um funcionário, em baixo; outro votante, à direita, com
"pons", coloca o boletim na "cista".
Em cima: P. NERVA (NE em nexo); no topo da moeda, uma
linha onde se destaca uma placa com a letra P. Bordo delineado por pontos.
Origem / Historial:
Conjuntamente com os colares entrançados de ouro e de
prata, de Soalheira do Barbanejo, foram descobertas novecentas moedas de prata
romanas. Essas moedas foram vendidas a peso e dispersaram-se. O conjunto de 111
moedas de prata existentes no MNA foi provavelmente, adquiridas por José Leite
de Vasconcelos, na época em que adquiriu parte dos colares, então descobertos,
e que hoje fazem parte do denominado Tesouro de Soalheira do Barbanejo,
integrado no acervo do Museu.
Comentário da peça a partir de:
O voto não era, na
Época Romana, universal, mas censitário e hierárquico, sendo o corpo eleitoral constituído por todos os
cidadãos masculinos. Só numa segunda fase se instituiu que a cidadania não dava
automaticamente direito ao voto. Distinguiam-se os residentes antigos, os
libertos (antigos escravos) e os latinos (cidadãos anexados a Roma por
conquista territorial que, durante muito tempo, não tiveram direito a voto, o
que originou muitos conflitos). Gradualmente, essa situação foi-se alterando, e
Roma acabou por lhes reconhecer o direito a votar.
Os Cidadãos eram
organizados através das centúrias, divididas de acordo com a propriedade dos
seus membros. Cada centúria tinha direito a um voto conjunto, depois de
conhecer a opinião pessoal dos seus membros, e as eleições eram em ordem
decrescente de riqueza.
Em 251 a. C., houve uma reforma
que modificou a estrutura das centúrias, para que se pudesse dividir melhor o
poder de voto. Passaram de 193 para 373, tendo sido também ampliado o número
de centúrias da infantaria para 350, uma vez que elas representavam as 35
tribos que compunham Roma.
Uma outra reforma, em
107 a. C., modificou profundamente o exército romano e, pela primeira vez,
permitiu que pessoas sem propriedades se alistassem, ao criar um equipamento
padrão fornecido pela própria legião. Essa mudança levou as eleições romanas ao
mais próximo do que se poderia chamar «voto popular», embora a ordem da votação
fosse mantida, mas tal situação durou pouco, porque, no ano 27 a. C., Augusto
transferiu todo esse poder para o Senado, depois de se tornar o primeiro imperador
romano.
A campanha eleitoral chamava-se ambitus. Nessa altura, o candidato
substituía a sua toga habitual pela toga candida, símbolo, como
acima se disse, de uma conduta irrepreensível. Começava depois da leitura da
lista oficial dos candidatos, petitio, e da respectiva exposição
formal. O candidato tinha de estar isento de culpas graves, condenações ou
acusações por crimes de concussão ou corrupção. Só o civis optimo iure,
o "cidadão completo", dispunha do direito de voto (ius suffragii)
e do direito de ser eleito magistrado (ius honorum).[2]
Apenas quando terminou a Guerra dos Aliados, no ano 49 a. C., foi concedido
o direito de cidadania a todo e qualquer homem livre de Itália, assim como o de
“civitas romana”, a algumas das cidades conquistadas do Império. Em 212
d. C., o imperador Caracala emitiu um édito no qual se declarava que todo o
homem livre que vivesse na extensão do Império Romano era cidadão de Roma.
Os cidadãos tinham direitos como os de ser proprietários de bens e deles
poder dispor, participar nos cultos públicos, oferecer sacrifícios, promover acções
judiciais, apelar ao julgamento do povo, caso não estivessem de acordo com uma
sentença emitida pelo tribunal, contrair uniões legais, serem eleitos
magistrados e votarem nos comícios ou assembleias das centúrias e das tribos.
O uso da toga era, como já vimos, seu direito exclusivo, tal como o uso dos
três nomes (tria nomina) - o nome próprio, dado nove dias após o
nascimento, o nome da gens a que pertencia e o apelido), ou seja:
Praenomen, prenome ou nome próprio.
Existia apenas um pequeno número de nomes (praenomina) e era usado
dentro da mesma família, em particular no primogénito, que, usualmente, tinha o
nome do pai.
Nomen, gentilício, indicativo da
família, gens, a que pertence.
Cognomen, cognome, nome próprio de
cada indivíduo.
Os filhos adotivos recebiam os tria
nomina da família de adopção, mas guardavam a memória da sua gens de
origem, acrescentando uma designação na forma adjectiva.
Também eram direitos exclusivos dos cidadãos a transmissão da cidadania aos
filhos nascidos do casamento com uma mulher romana e o de efectuar contratos
com outros cidadãos, sob as regras a aplicar nestes casos.
A Cidadania Romana
A cidadania romana garantia à pessoa direitos especiais e imunidades,
outorgados e reconhecidos em todo o império. Por exemplo, era ilegal torturar
ou açoitar um cidadão romano, com o fim de extrair dele uma confissão, formas
de punição consideradas muito servis e apenas usadas com os escravos. O
cidadão, como acima dizíamos, tinha acesso às magistraturas e ao Exército e,
sob o privilégio da cidadania romana, tinha o direito de apelar da decisão dum
governador provincial para o imperador de Roma. No caso dum crime capital, o
cidadão romano tinha o direito de ser levado a Roma para ser julgado perante o
próprio imperador.
A cidadania romana era obtida de diversas formas. Por vezes, os imperadores
concediam este favor especial a cidades ou distritos inteiros, ou nominalmente,
por serviços prestados. Mas também era possível adquirir a cidadania directamente
por uma soma de dinheiro ou por concessão dada pelo proprietário de um escravo,
que, assim, se tornava liberto, podendo os seus descendentes aceder à
cidadania.
Ou seja, para se ser cidadão, era necessário ser filho de um homem livre,
de um cidadão ou de um liberto, ter exercido o serviço militar dos dezassete
aos sessenta anos e ter pago um imposto. De salientar que
o exercício de uma
magistratura outorgava a cidadania a quem a desempenhava, bem como aos seus
ascendentes e descendentes.
Quinquenalmente, era realizado um censo, altura em que os novos cidadãos
eram objecto de uma rigorosa avaliação em termos morais e económicos e os
antigos aproveitavam para libertar escravos. A toga era, como acima mencionado,
o símbolo que representava o cidadão, independentemente de onde se encontrava.[3]
Estátua de togado
com bulla encontrada na Escusa, Marvão.
Museu da Ammaia. Tem sido atribuída a
Britânico.
Fotografia
Portugal Romano
[1] In Estrutura
Social y Económica durante el Alto Imperio Romano, publicado por Juan Antonio
Cerpa Niño em
SILVA, António Carlos Prestes Gonçalves Rocha,
2010, Breviário de uma campanha eleitoral: O Commentariolum Petitionis de
Quinto Cícero. MESTRADO EM ESTUDOS CLÁSSICOS (Edição e Tradução de Textos
Clássicos).
[3] Recomendamos a
leitura de O Cidadão Romano na República,
de Maria Luiza Corassin, in “Estrutura Social y Económica durante el Alto
Imperio Romano”, publicado
por Juan Antonio
Cerpa Niño:
O «Libertus» (liberto)
O escravo liberto continuava ligado ao seu patrono, patronus, através da prestação de serviços ou de rendas
pecuniárias, ficando obrigado a um respeito quase filial: obsequium. Ao momento da sua libertação chamava-se manumissio, a renúncia do senhor ao poder que
tinha sobre o escravo. Na sociedade romana, a manumissio era
uma forma de o senhor, dominus, recompensar
o seu seruus pelos serviços prestados.
Não obstante, ao liberto não era outorgada a condição de ciuis de pleno direito; apenas a terceira geração
da sua descendência podia exercer os direitos políticos em toda a plenitude,
igualando-se aos homens livres. Não era, porém, incomum estes libertos
tornarem-se pessoas de grande influência social, devido à riqueza que por vezes
acumulavam, dado que se dedicavam frequentemente a atividades altamente
rentáveis: «… estes antigos escravos eram mais ricos, e por vezes bastante mais
do que a maioria da população livre, que se sentia espezinhada pela
prosperidade de indivíduos que não tinham nascido na liberdade – suportava-se
mal uma opulência que se acharia legítima e admirável num senhor.»[1]
Por vezes, assumiam dentro da família funções importantes, a exemplo de dispensator
do seu senhor, uma espécie de intendente das finanças, ou mesmo de puer delicatus da domina,
como bem satiriza Petrónio no seu famoso romance Satyricon.[2]
Podemos, sintetizando, dizer que os Libertos são uma parcela da sociedade
romana constituída por indivíduos que haviam sido escravos e que haviam
adquirido a liberdade, plena ou parcial. Libertas/servitus era, assim,
a distinção básica no desenvolvimento histórico de Roma e ambos os estatutos
eram concebidos como naturais. Logo, a manumissio, que
permite a transição de uma categoria para a sua oposta, é algo de complexo
nessa Sociedade.
Sugestões de leitura:
Géza Alfödy, 1991, A História Social de Roma, in O
Homem Romano, Editorial Presença.
ANDREAU, J. et All. O Homem Romano. s/l: Editora Presença, s/d.
pp. 119-124. «A escravidão romana entre os séculos III a. C e I d. C e a
sua reflexão pelos pensadores dos séc. XVIII e XIX»
COSTA, Carlos Eduardo de Campo, 2018, “Otávio Augusto e a
construção de suas redes político-religiosas pelo poder na Roma Antiga: um
estudo sobre a clemência augustana”, in Corrupção, crimes e crises na
Antiguidade.
JOLY, Fábio Duarte, «A dupla face da liberdade: o liberto na sociedade romana». Aqui:
http://www.revistatopoi.org/numeros_anteriores/topoi27/TOPOI_27_R01.pdf
JOLY, Fábio Duarte, «A dupla face da liberdade: o liberto na sociedade romana». Aqui:
http://www.revistatopoi.org/numeros_anteriores/topoi27/TOPOI_27_R01.pdf
IDEM, Libertate opus est: escravidão, manumissão e
cidadania à época de Nero (54-68 d.C.) [Libertate
opus est: slavery, manumission and citizenship in the age of Nero]. Curitiba: Editora Progressiva,
2010: https://www.academia.edu/4831469/Libertate_opus_est_escravid%C3%A3o_manumiss%C3%A3o_e_cidadania_%C3%A0_%C3%A9poca_de_Nero_54-68_d.C._Libertate_opus_est_slavery_manumission_and_citizenship_in_the_age_of_Nero_._Curitiba_Editora_Progressiva_2010
Servus/servi (os escravos)
O escravo era um ser humano (homem, mulher, criança) que se considerava
como propriedade, ou res mobilis, coisa ou bem de alguém, sujeito
à dominica potestas, ou seja, ao poder soberano do seu amo, para
quem trabalhava e a quem devia completa obediência. Normalmente, caía-se na
condição de escravo ao ser aprisionado na guerra ou sequestrado por piratas. Mancipium era
a designação dos servos que os militares vendiam, os cativos de guerra,
“tomados à mão” de entre os inimigos.
Até ao século
III a. C., os Romanos podiam tornar-se escravos por dívidas, situação que se
altera devido ao forte aumento de escravos prisioneiros de guerra, no século II
a. C. Os filhos dos escravos
nasciam automaticamente nessa condição.
Na fotografia: escravos romanos acorrentados. Ashmolean MuseumImagem
a partir de Wikipédia: CC BY-SA 2.0ver termos Jun – Flic
a partir de Wikipédia: CC BY-SA 2.0ver termos Jun – Flic
Os romanos, tal como os outros povos que viviam à roda do Mediterrâneo,
olhavam para a escravatura como algo normal e indispensável à vida da
sociedade. Com efeito, o trabalho escravo era um elemento fundamental à
economia romana, pois constituía o grosso da mão-de-obra. Estima-se que, no
século I a. C., cerca de 30% da população era escrava.
Os escravos faziam a maior parte do trabalho manual pesado, mas também
participavam em ofícios e ocupações especializadas. Asseguravam o serviço
doméstico e as tarefas da vida agrícola, mas trabalhavam, também, na mineração
e em muitas outras atividades, como a de gladiadores e lutadores, atores,
músicos, médicos, pedagogos, podendo, inclusive, ser membros de colégios
sacerdotais.
Saliente-se que, nos séc. III – I a. C., se verifica, através dos escritos
coevos de Catão, Varrão e Columela, uma divisão na utilização da mão-de-obra
livre e escrava nas propriedades agrícolas romanas.[3]
O escravo doméstico tinha certos benefícios. Se lhe era negado o direito ao
matrimónio legal (conubium), porque os serui não tinham
estado civil, o escravo na casa do seu senhor (o dominus) possuía
direito ao contubernium, ou seja, poderia fazer um contrato
nupcial, com o consentimento dos seus senhores.
Não possuindo juridicamente direito a propriedade, ele poderia, contudo,
receber do senhor o peculium, com o qual poderia eventualmente vir
a comprar a liberdade. Com efeito, nem todos os escravos permaneciam nessa
condição durante toda a vida. A liberdade podia ser-lhes concedida pelo seu
senhor, fosse a troco de peculium aforrado, fosse como
recompensa por um bom serviço ou como sinal de respeito e amizade.
A liberdade era, muitas vezes, atribuída após a morte do dominus,
por disposição testamentária, embora com algumas restrições: não se podia
libertar, por testamento, mais de 100 escravos e não podiam ser libertados
escravos com menos de 30 anos.
Como já antes se referiu, a alforria de um escravo denominava-se manumissio (ação
de libertar da mão) e podia ser realizada de várias maneiras. A mais antiga
consistia numa cerimónia em que o senhor, o escravo e uma testemunha
compareciam perante um juiz ou um magistrado – vindicta. A
testemunha alegava que aquele escravo não pertencia àquele senhor e este não
desmentia. Tocando na cabeça do escravo com a sua vara, o juiz declarava-o
livre. Mas a manusmissio podia assumir uma forma mais singela,
bastando o senhor declarar perante os amigos, em sua casa, que concedia a
liberdade ao escravo, ou, então, simplesmente convidá-lo para jantar à mesa
consigo.
Um escravo que obtivesse a liberdade tornava-se um libertus.
Para se poder vir a tornar um liberto, o escravo deveria pertencer a um cidadão
romano, uma vez que, em certos casos, os escravos podiam possuir os seus
próprios escravos, denominados de Vicarii.
Assume-se, assim, em Roma, que a liberdade é pertença do cidadão, Ciuis,
apresentando-se o escravo como o seu oposto: desprovido de direitos políticos e
de propriedade, era-lhe vedado participar nos cultos públicos, oferecer
sacrifícios, colocar ações judiciais ou apelar ao julgamento do povo, caso não
estivesse de acordo com uma sentença emitida pelo tribunal; não podia contrair
uniões legais, nem tinha acesso às magistraturas e ao Exército; estava impedido
de votar nos comícios ou assembleias das centúrias e das tribos; era-lhe vedado
o uso da toga, que distinguia os Cidadãos. Apenas estes últimos usavam os tria
nomina, os três nomes (o nome próprio, o nome da gens a
que pertencia e o apelido).
Sobre a escravatura feminina, sabe-se das múltiplas atividades
desenvolvidas pelas seruae, designadamente como reprodutoras, não
se podendo esquecer a forte componente doméstica do seu trabalho. Mas foram
também identificados muitos casos de escravas medicae, obstetrices,
nutrices, bem como de paedagogae, educatrices,
lectrices et librariae, dedicando-se, portanto, a actividades relacionadas
quer com a saúde, quer com a educação. Uma escrava a quem fosse dada a alforria
tornava-se uma liberta. As libertas ganhavam a sua vida recorrendo
às competências adquiridas quando eram escravas, podendo exercer os ofícios de
cabeleireiras, costureiras, enfermeiras, ou tornar-se empregadas de lojas,
artesãs ou mesmo agiotas. Algumas casavam com o seu antigo senhor.
Na Hispânia, a incidência das actividades dos escravos tem similitudes com
o resto do Império e encontramos escravos nas actividades agrárias, em actividades
artesanais e nas explorações mineiras, mas também na própria
Administração.
Mosaico com representação de Escravos servindo um banquete. Proveniente de
Cartago. Século III.
[1] Paul Veyne,1991, Humanitas:
“Romanos e não Romanos”, in O Homem Romano, Editorial Presença.
O Soldado (miles)
Parafraseando Carlos Fabião, diria que «Marte era o deus da guerra na
complexa religiosidade romana, onde assumia também outras funções. Usualmente
aparece representado com os atributos militares e, pode dizer-se, foi sob a
égide desta divindade que se construiu o domínio romano na Península Ibérica».[1]
É, no fundo, sob a égide de Marte que os Romanos chegam até longas
paragens. Mas, afinal, que força é essa, a de um exército que ficou na História,
que levou longe os estandartes de Roma e que a tornou um dos maiores impérios
do mundo? Como se compunha, afinal, este exército?
A divisão básica do exército romano é a Legião, a unidade em que reside o grande sucesso das campanhas
militares. Era composta, basicamente, por soldados, chamados Legionários e
Auxiliares.
Cada legião era designada por um número e um epíteto (por exemplo, Legio VII Gemina Pia Fidelis). Inicialmente, as forças
auxiliares eram atribuídas às legiões, mas, gradualmente, acabaram por se
tornar em unidades independentes. O Procônsul de cada província comandava as
legiões aí estacionadas e o chefe de cada legião era um representante do
imperador, por ele nomeado e destituído: o legatus legionis,
que pertencia à ordem senatorial e que a comandava por um período de cinco
anos.
No Império Romano, os legionários estavam organizados em pequenos grupos de
10. Os soldados eram voluntários vindos de todas as partes do Império,
comprometendo-se a 25 anos de serviço exaustivo. Inicialmente, apenas eram
integrados proprietários de terras e bens. Mas, no século I a. C., qualquer
pessoa se poderia alistar, tornando-se os cidadãos legionários e os
não-cidadãos soldados auxiliares. As legiões podiam variar em número de
efetivos; a maioria tinha 4.800 homens, mas podiam chegar a 6.000 efetivos.
As coortes eram subdivisões das
legiões, que, em número de dez, podiam ter aproximadamente 600 homens. Mas o
elemento mais significativo da estrutura militar romana, tal como a legião, é a
centúria, sendo o seu responsável o
centurião. Como o nome indica, o centurião tinha a seu cargo 100 homens (algumas
fontes referem 80, em vez dos 100) que compunham a centúria, ou seja, cada coorte
tinha 6 centúrias. As cohortes urbanae, criadas
por Augusto, em número de três, eram uma espécie de força policial urbana, que
tinha como finalidade zelar pela segurança das cidades, sendo apenas em casos
muito excepcionais levadas para o campo de batalha; ao que se sabe, o seu
número foi elevado para quatro na dinastia flaviana.
A partir de Augusto, o exército romano torna-se uma profissão, chamando-se milites mei o laço que unia o soldado ao
imperador e que estabelecia as suas obrigações e privilégios. O legionário era,
normalmente, um cidadão com a idade inferior a 27 anos, alistado para servir 25
anos, sendo os seus últimos anos, como veterano, mais leves. Nessa altura, eram-lhe
atribuídas terras (depois das reformas agrárias do século I d. C.) e outorgados
outros privilégios.
Durante a época imperial, os requisitos para converter-se
em legionário eram os seguintes: ser magro, mas musculoso; ter boa visão e
audição. Era necessário saber ler e escrever e, acima de tudo, ser cidadão
romano. Ao soldado (miles), era
atribuído um soldo (stipendium), além de vários tipos
de benefícios intermédios, financeiros ou jurídicos. As armas mais comuns que
utilizava e transportava consigo eram:
gladius –
espada curta, de dois gumes, de mais ou menos 60cm, mais larga na extremidade (era
a espada utilizada pelas legiões romanas). Era muito mais uma arma de
perfuração do que de corte, ou seja, devia ser manipulada como um punhal, ou
uma adaga, no combate corpo-a-corpo.
pugio – pequena adaga usada como arma auxiliar, ou de reserva. Era também
uma arma comummente usada para assassinatos e suicídios, sendo reconhecido o
seu uso na morte de Júlio César.
cingulum – cinto donde pendiam várias tiras de couro com discos metálicos que as
mantinham esticadas.
lorica segmentata – armadura
scutum – escudo retangular, curvado, de madeira, forrado a couro e com
reforços metálicos nas bordas e no centro, visando proteger a mão.
galea – capacete de ferro.
pilum – dardo que tinha quase três metros de comprimento, com uma flecha de metal
que se torcia com o impacto, e que não era recuperada. Era composto, assim, de
uma parte de ferro, mais fina e pontiaguda, e outra de madeira, maior e mais
pesada.
Consigo, o legionário levava, ainda, uma bolsa de carga, sarcina, com alimentos que deveriam permitir-lhe sobreviver quase quinze dias, utensílios de cozinha e de construção, como estacas, sudes murales, e as sandálias, caligae. Como era altamente disciplinado e preparado fisicamente, fazia marchas longas com esse equipamento, que poderia pesar entre 20 e 50 quilos.
Mas existiam também soldados especializados em atividades secundárias, tais
como a engenharia, a carpintaria e a medicina. Embora fossem poupados a algumas
das tarefas mais duras, podiam ser, também, colocados em campo de batalha.
Os recrutas não tinham preparação prévia quando se alistavam e eram
enviados para um acampamento onde havia soldados experimentados – esperava-os
uma vida dura, mesmo quando não combatiam, levantando-se antes do alvorecer e
desfilando mal se fardavam. Era nesse momento que era passada revista às tropas
e eram dadas as instruções do dia. Os soldados rasos eram os milites gregarii.
A unidade mais pequena da legião era conhecida por contubernium, agrupando oito soldados que viviam na
mesma tenda.
No aquartelamento, dedicavam-se ao exercício militar, faziam manobras,
simulando o campo de batalha, para se manterem em forma, e superavam obstáculos
carregados com as suas armas, ensaiando o seu uso. Marchavam em linhas
paralelas, formavam círculos e cerravam ou afastavam as fileiras. Todos os
meses realizavam marchas de cerca de 30km, carregando uma mochila com cerca de
30 kg, o peso que teria a sua roupa, os víveres e os utensílios que podiam usar
na construção, pois a isso se dedicavam, apoiando os engenheiros. Eram os próprios
soldados que colaboravam na construção das pontes, calçadas e aquedutos.
O pão era um alimento fundamental no Exército, de tal
forma que muitos eram conhecidos pelas suas associações militares: Panis
militaris – pão de soldado. Era comumente feito em duas variedades:
Castrensis: Pão de acampamento
Mundus: Pão de marcha
Panis nauticus: Muito parecido com pão de soldado. Conhecido como biscoitos navio.
(XXII-Plínio. N.H. 138).
Em terra, o Exército era composto por três ramos: a
Infantaria, o mais numeroso, que era dividida em três categorias distintas de
soldados, com posição fixa de batalha, combatendo em três filas:
• Hastati (os homens dos dardos) – os soldados mais
novos e menos experientes. Cada um estava armado com duas lanças de arremesso –
a hasta (dardo pesado) ou o pilum.
• Principes –
soldados mais velhos e experientes, usavam armas semelhantes aos hastati,
e apoiavam os hastati, caso a linha inimiga
aguentasse firme.
• Triarii – veteranos de guerra, que criavam uma
parede defensiva por onde se escapuliam os príncipes, caso o seu ataque também
falhasse.
A Cavalaria era considerada o ramo mais nobre. Na Artilharia pontuavam as
catapultas, os aríetes e as torres de guerra.
As formações romanas tinham formatos rectangulares, constituídos pelos
legionários. Cada coluna possuía um determinado número de linhas, que se
diferenciavam por estarem mais próximas do inimigo, na vanguarda, ou mais
afastadas, na rectaguarda. Os legionários que se localizam na primeira linha
começavam o ataque ao inimigo com uma poderosa e destrutiva investida a curta
distância, com o dardo, pilum, já acima
referido; as fileiras imediatamente anteriores utilizavam lanças mais leves. No
final da formação, localizava-se um corneteiro e, no meio, um porta-estandarte.
Na lateral direita de cada formação ficava o centurião.
Os Decuriões encarregavam-se de organizar as fileiras. Após as primeiras
cargas, os legionários travavam um combate corpo-a-corpo, utilizando a espada
mais curta e muito afiada, o gladius. A formação
era compacta e dava espaço à realização de outras táticas, a exemplo da
formação Tartaruga (Testudo).
A águia era um símbolo da Roma Antiga, sendo usada pelo exército
romano como insígnia das legiões romanas. No tempo de Gaio Júlio César era
feita de prata e ouro. A partir da reforma de Augusto, passou a ser feita só de
ouro. A águia era custódia da primeira coorte e só saía do acampamento romano
em ocasiões raras, quando toda a legião se movimentava. Para garantir a sua
segurança, havia um legionário, denominado aquilifer.
O Camponês
Podemos dizer que a Antiga Roma era fundamentalmente agrícola. Os grandes proprietários
de terra que serviam o exército como oficiais – e não como simples soldados,
como era o caso dos camponeses – tinham escravos que faziam todo o trabalho,
bem como encarregados a quem deixavam o controlo das suas propriedades, não os
prejudicando, por isso, ir para a guerra.
A maioria da população vivia da exploração de pequenas parcelas de terra.
Havia, contudo, os ricos proprietários de latifúndios, que contribuíram para
fazer aumentar os proletários que se deslocalizavam para os centros urbanos,
especialmente para a cidade de Roma.
Como afirma Jerzy Kolendo, «A propriedade não é uma condição necessária
para se ser camponês: a par dos camponeses livres, que cultivam a sua própria
terra, existem grupos muito consistentes de indivíduos que trabalham terras
pertencentes a outros, a quem estão ligados por relações mais ou menos
estáveis, ou a quem emprestam eventualmente a sua força de trabalho.»[2]
Este historiador especifica assim a terminologia romana
para “camponês”:
«O termo fundamental era rusticus (derivado
de rus, “campo”m e oposta a urbs, «cidade».
Porém, lembra Jerzy Kolendo, este termo também podia ser
utilizado como conotação de “simples”, “modesto”, e até mesmo no sentido de
“grosseiro”, “incivilizado”.
«Outros dois termos principais – agricola e colonus
– associam-se a diferentes aspectos da vida rural. Ambos estão ligados ao verbo
colo, «cultivar»: «deste verbo» diz Santo Agostinho «tomam o nome quer os
agricultores quer os colonos» (A Cidade de Deus, 10.1)» rural)». [3]
Agricola (“agricultor”), tanto pode designar o
camponês que trabalha a sua parcela de terra como o rico proprietário.
Colonus (colono), além
de ser sinónimo de agricola, pode aplica-se
ao pequeno agricultor, ao habitante de uma colónia que recebe terras para
cultivar, e ao camponês arrendatário. Ou seja, os três termos diferenciavam-se
apenas no contexto em que eram utilizados, pois todos significavam “lavrador”,
“cultivador”. Esse grupo de camponeses, homens livres, não pertencentes à ordem
senatorial ou à ordem equestre, formava a plebs rustica (plebe).
Em Roma, de início, os lavradores formavam a vanguarda do patriciado e só os
proprietários de terras podiam comandar a defesa.
Viviam tradicionalmente da auto-suficiência, ou sejam à margem dos
circuitos mercantis.
Nos primeiros tempos de Roma, cultivavam-se principalmente cereais,
leguminosas e hortaliças, mas, a partir da Época de expansão republicana e
imperial, a agricultura passou a incluir o trigo em grande escala, visando o
fabrico do pão, bem como a vinha e a oliveira, tendo-se desenvolvido as
prensas de azeite, o regadio, a enxertia e a poda.
As técnicas agrícolas baseavam-se no uso do arado romano, puxado
habitualmente por bois.
Na época de Augusto (44 a. C. - 14 d. C.) assiste-se ao
enaltecimento da agricultura, durante a chamada Pax Augusta, que se
foi dilatando a todo o Império.
Mas a condição de camponês sofreu múltiplos revezes e
progressos, a que não são alheias as lutas agrárias dos plebeus, que originaram
a distribuição de terras, o abandono dos campos face ao êxodo dos camponeses
para as cidades em crescimento e, claro está, a própria guerra.
As múltiplas reformas promovidas durante a República a
exemplo das dos Gracos, pretendendo equilibrar a propriedade das terras, são
disso exemplos.
Era costume dar porções de terra a legionários quando
terminavam os seus serviços militares. No século I a. C. assiste-se a novas
reformas, mas que visavam entregar terras aos veteranos.
Augusto acrescentou a essa prática a de fazer gratificações
monetárias.
Vergílio, enaltecendo a agricultura e, como bem nos
recorda Maria Helena da Rocha Pereira, “instigado pelos conselhos do Imperador,
que deseja extrair da agricultura e do interesse pela terra o manancial de
virtudes que outrora ela despeitara nos romanos, construirá as suas Geórgicas,
sem dúvida o poema de mais acabado engenho da Literatura Latina.”
O poeta pretende ainda enobrecer o trabalho árduo nos
campos e os resultados que pode trazer e fazer o apelo ao camponês idealizado
dos tempos da Monarquia e da República, quando a sociedade romana era uma
sociedade estruturalmente camponesa.
Plínio-o-Velho (23 d. C. – 79 d. C.) é testemunha da
inércia de que parece sentir-se na agricultura dos primeiros tempos do Império.
«A dialética pioneira de Catão, Varrão e Columela, parece que conseguiu ser
ouvida; os instrumentos aratórios foram aperfeiçoados, ao mesmo tempo que
se estabeleceu a prática da irrigação tão antiga no Egito e Mesopotâmia. O
uso de adubos também se generalizou.
Pergunta-se então: por que teria havido essa verdadeira
revolução agrícola? Uma explicação poderia ser encontrada na diminuição da
mão-de-obra escrava, pois que as guerras de conquistas vão terminar: o Império
entra de manutenção do status quo, cai na
defensiva no limes. A melhoria técnica foi a única
resposta possível à diminuição do braço escravo. Outra consequência
foi o aparecimento de um outro tipo de exploração agrícola — o colonato».[4]
Contudo, estudos recentes demonstraram que «debe ser
reducida a sus justos límites la afirmación de Plinio de que los latifundios perdieron a Italia. Pues salvo
regiones situadas al norte del Po, Etruria y el sur de la península, el régimen
de latifundio (tal como se entiende hoy en español) no era el dominante.
Predominaban las pequeñas y medianas propiedades. Otro problema distinto lo
constituían los grandes propietarios: miembros de orden senatorial y del
ecuestre que poseían varias fincas de extensión media en Italia y en las
provincias dando así un importante sector de absentistas. Los modelos de fincas
rústicas, villa, contemplados por los tratadistas de agricultura
pueden servir para entender la organización de este tipo de explotaciones»[5].
Relativamente aos colonos, coloni, também referenciados
em Columella (I, 7, 6) como camponeses que trabalham um lote de terra
que não era sua propriedade, mas arrendado, ou explorado em
parceria, valerá a pena ler o notável trabalho, datado de 2000, “Algunas
cuestiones sobre la familia campesina en el Alto Imperio: el ejemplo del
Sureste peninsular” de María-Juana
López-Medina, Gérion, nº 18.
A realidade agrícola era, portanto, bastante complexa em
Roma, pois proprietários, rendeiros ou assalariados espelhavam realidades muito
diferentes.
Salientamos ainda as palavras da autora acima mencionada
no que se refere à complexidade e dificuldade dos estudos desenvolvidos na
Península Ibérica:
«Hemos visto cómo los
estudios arqueológicos para época romana en la Península se han interesado
principalmente por las grandes ciudades, las ciudades modelo romanas desde el
punto de vista urbanístico. Esta misma idea de monumentalidad también ha
incidido en un primer momento en el análisis de las construcciones rurales. Así
pues, la preocupación de la arqueología en este sentido ha sido el hallazgo de
grandes estructuras que se pueden identificar como villae, generalmente se
trata de construcciones que superan 1 Ha. Igualmente, dentro de éstas, la
excavación se ha centrado en su pars urbana o
residencial, puesto que es la parte más espectacular; en ésta suelen aparecer
restos ornamentales con dependencias más lujosas decoradas con estucos pintados
o mosaicos. Actualmente esta visión tiende a ser superada, y cada vez están
cobrando más importancia los análisis de las partes dedicadas a las funciones económicas
de la villa, es decir, a la pars rustica y a la pars fructuaria.
Sobre o mundo agrícola encontramos muitas referências
latinas, quer seja em Varrão (116-27 a. C.), quer
em Columella (Lucius Junio Moderatus Columella, nascido em Cádis (4 d.C -
70 d. C.), autor da obra De re rustica.
Marco Pórcio Catão, (234 a.C. - 149 a.C.), escreveu um tratado, uma espécie
de manual chamado De Agri Cultura sobre a forma como se devia dirigir
uma propriedade rural, no qual se podem encontrar também orientações
para os cuidados médicos a ser adoptados com os escravos e com o gado.
Também o grande naturalista Plínio-o-Velho,
(Como, 23—Estábia, 79), autor da História Natural é uma
fonte fundamental para conhecer a agricultura de Época Romana.
Sugestões de
leitura:
Sobre este tema, para além dos trabalhos mencionados ao longo do texto,
sugerimos ainda a leitura de:
MARTIRE, Alex, 2008, Plebs Urbana
na Roma Antiga. Vida e Trabalho.
PAULA, Eurípedes Simões de. “A técnica e a evolução da agricultura em
Roma”. In: SIMPÓSIO NACIONAL DA ASSOCIAÇÃO DOS PROFESSORES UNIVERSITÁRIOS DE
HISTÓRIA, 9., 1977, Florianópolis. Anais do IX Simpósio Nacional da
Associação dos Professores Universitários de História. O homem e a técnica. São
Paulo: [ANPUH], 1979. v. 1, p. 275-276
ROCHA PEREIRA, Maria Helena da, 2015, Estudos sobre a Roma Antiga. A
Europa e o Legado Clássico, Fundação Calouste Gulbenkian. Imprensa da
Universidade de Coimbra.
SILVA, Gilvan Ventura da Silva, Norma Musco Mendes, Repensando o Império Romano. Mauad Editora
Ltda, 2006 Aqui
SILVA, Luís Fraga, Preceitos dos agrónomos latinos sobre as villas rurais http://imprompto.blogspot.com/search/label/Agronomia
VERGÍLIO, Geórgicas, 2019,
(Trad. Gabriel A. F. Silva). Livros Cotovia
VIRGÍLIO, Bucólicas, (Tr. Agostinho
da Silva). Temas e Debates, 1997.
Os Gladiadores
Os
gladiadores eram lutadores que participavam de torneios de luta na Roma Antiga.
De origem escrava, estes homens eram treinados para estes combates, que serviam
de entretenimento para os habitantes de Roma e das províncias.
Vidro romano com
representação de gladiadores. Museu Gallo Romano de Lyon
Gladiador – «A Morte e o Triunfo», Exposição do Museu e Parque Kalkriese. «Caneleiras
de gladiador procedentes de Pompeios, decoradas com relevos de Júpiter
(esquerda) e Neptuno» (direita). Fotografia de Carole Raddato.
Os gladiadores eram escolhidos entre os prisioneiros de guerra,
criminosos e escravos, podendo tornar-se quase como heróis populares com a fama
obtida. Os mais bem sucedidos ganhavam, além da popularidade, muito
dinheiro e, com o tempo, podiam largar a carreira de forma honrosa. Os seus
combates na arena atraíam milhares de fãs e era através da sua fama e número de
vitórias obtidas que poderiam alcançar ou comprar a liberdade.
Estes privilegiados obtinham uma pensão do império e um gládio (espada de
madeira simbólica). Aliás, é o gládio, espada curta de dois gumes
utilizada por esses lutadores, que está na origem do seu nome.
Esses escravos eram geralmente mais bem tratados do que os restantes
escravos de Roma, porque recebiam uma boa alimentação – vale a pena salientar
que a sua dieta era basicamente vegetariana, pois a carne era muito cara na
época –, cuidados com a sua saúde, além de outros cuidados para garantir a sua
integridade física. Tudo isso porque os gladiadores viabilizavam muitos
rendimentos aos seus senhores, uma espécie de empresários especializados em
alugar esses lutadores para os espectáculos. Designava-se lanista o
proprietário e empresário de gladiadores.
Nas arenas (claro que a mais famosa era o Coliseu de Roma), os gladiadores
podiam lutar entre si até que um deles morresse ou ficasse ferido de modo a não
poder continuar o combate. Neste caso, o gladiador podia implorar misericórdia.
A decisão cabia ao imperador, ou outra autoridade que presidisse aos jogos. Aceitava-se
que expressaria a vontade da multidão em gritaria e que determinaria com o
polegar virado para cima ou para baixo o destino do vencido, embora actualmente
se ponha em causa esta interpretação, pois o investimento feito num gladiador
era extremamente elevado.
Usavam vários tipos de armamento, como as espadas, escudos, redes,
tridentes, lanças, etc. Participavam, também, em lutas, montados em cavalos ou
usando bigas, carros romanos puxados por dois cavalos. Muitas vezes estes
gladiadores eram colocados na arena para lutar com feras, como leões, onças e
outros animais selvagens.
Fresco com representação de luta de gladiadores, Pompeios.
Na sua maioria eram homens, mas havia, também, combates entre mulheres, que
lutavam até à morte. De acordo com o biógrafo Suetónio, o imperador Domiciano
(reinou 81-96 d.C) fez as mulheres lutarem na arena à noite iluminadas com
tochas
Aliás, esses duelos eram eventos especiais na programação dos jogos. Alguns
pesquisadores acreditam que, para “animar a equipa”, as gladiadoras não usavam
capacetes e lutavam com, pelo menos, um seio à mostra.
Gladiadora. Pompeios. fotografia de Alfonso Manas
Embora proibidos em 325, por Constantino, os combates de gladiadores continuaram
a ocorrer por mais de um século, de forma clandestina.
Luta de gladiadores. Séculos II-III d.C. Necrópole de Kibyra. Museu de
Burdur. Fotografia a partir de: Following Hadrian. Aqui https://www.facebook.com/photo.php?fbid=538943486231933&set=a.260113100781641.61354.178897115569907&type=1&theater
Havia vários tipos de gladiadores, em Roma, seis pelo
menos:
O trácio. Os trácios eram os únicos a lutar com a sica, uma espada curva. Como usavam
um escudo pequeno, eles tinham, também, chapas de metal para proteger as
pernas. O capacete com plumas era outra marca registada.
O
secutor. Treinado para defrontar
o retiarius, era um “tanque de guerra” bem protegido. Tinha um
grande escudo retangular e capacete mais liso (para não se prender na rede do retiarius)
e com pequenos buracos para os olhos (para evitar as pontas do tridente). A
sua arma era uma espada.
O
dimachaerus. Há poucos registos sobre este tipo de gladiador – os historiadores não
sabem ao certo quem ele enfrentava nas arenas. Mas, pelo facto de usar só duas
espadas, alguns especialistas acreditam que o dimachaerus era um dos
gladiadores mais bem treinados.
O retiarius. Era o tipo mais
ágil e veloz, mas também o mais indefeso, pois tinha pouca proteção – nem
sequer usava capacete. Defrontava gladiadores “pesados”, como o secutor,
usando só uma rede e um tridente. Para finalizar a luta, contava, ainda, com
uma adaga.
O murmillo. Tinha o apelido de “homem-peixe” por usar um capacete com o desenho de um
peixe na lateral. As armas e proteções eram similares às do secutor,
podendo variar o escudo. As lutas entre trácios, murmillones e retiarii
eram consideradas os verdadeiros clássicos das arenas.
O
hoplomachus. Homenageava os
guerreiros das falanges gregas, por isso usava uma lança, que podia ser utilizada
juntamente com uma adaga ou com uma espada. Tinha boas proteções para o corpo,
como o secutor, mas tinha de se proteger apenas com um pequeno
escudo circular.
Para
além destes, havia gladiadores que lutavam a cavalo. Eram eles:
Os andabatae. Combatiam com um
capacete com o visor tapado – um combate às cegas, sem escudo, e usando apenas
uma espada. Eles não eram do mesmo nível dos outros gladiadores e serviam mais
como um “alívio cómico” durante os jogos.
Os equites. Gladiadores montados, bem mais sérios do que os andabati,
combatiam entre si com uma lança e um escudo circular médio. Em alguns duelos,
trocavam a lança por uma espada. Os equites podiam lutar em pares ou em
grupos, atuando como uma cavalaria.
A juntar aos gladiadores, havia ainda os bestiarii, que defrontavam os animais na arena, e os venatores, que lhes davam caça. Nem uns nem outros eram considerados propriamente gladiadores.
Representação de luta de Gladiadores. Mosaico romano proveniente de Gerona.
Museo Arqueológico de Barcelona
Mosaico com representação de cena de luta de gladiadores. o secutor Astyanax
e o retiarius Kalendio. Na cena superior, mostra-se o vencedor Astyanax
em atitude de dar o golpe mortal com a espada, a Kalendio. O lanista incentiva-os
a combater.
O lanista, que comprava
os gladiadores e os ensinava a combater, era proprietário de vários
gladiadores e fornecia-os aos espectáculos; era, também, o mestre de armas e
professor da companhia. Usava um bastão, como marca de sua autoridade sobre os
gladiadores e animava-os a combater.
Sobre os Gladiadores
BLÁZQUÉZ, José María, Representaciones
de gladiadores en el Museo Arqueológico Nacional, Zephyrus (Ediciones
Universidad de Salamanca) 9, 1958, 79-94
Aqui.
https://super.abril.com.br/mundo-estranho/quais-eram-os-principais-tipos-de-gladiador/
«Gladiadores Romanos». Aqui
«Gladiadores Romanos». Aqui
SUGESTÕES DE LEITURA GERAIS
CARCOPINO,
Jérôme, A Vida Quotidiana em Roma. Edição Livros do
Brasil, Lisboa
COULANGES,
Fustel de, 1988, A Cidade Antiga, Clássica Editora.
DUBY,
Georges (direcção), 1989, A Civilzação Latina, Dos tempos Antigos ao Mundo
Moderno, Publicações Dom Quixote.
ÉTIENNE,
Robert, A Vida Quotidiana em Roma, Edição Livros do Brasil, Lisboa.
GRIMAL, Pierre, 2017, A
Civilização Romana, Medina
ROCHA PEREIRA, Maria
Helena, Estudos de História da Cultura Clássica (Lisboa, Fundação
Calouste Gulbenkian, vol. I, Cultura Grega, 12.ª ed., 2012; vol. II, Cultura
Romana, 3.ª ed., 2002).
FUNARI, Pedro Paulo,
2001, Grécia E Roma. Editora Contexto.
VEYNE, Paul, 1990, A
Sociedade Romana. Edições 70
GRENIER, Albert, 1969, Le Génie Romain dans
la Religion, la Pensée e l’Art. Éditions Albin Michel
«Taça de vidro pintado. Museu de Vindolanda. Importado da Renânia. É uma
taça de vidro caro, que oferece uma cena de combate de gladiadores. Inclui um retiarius
e um secutor». Legenda e imagem a partir de Aqui:
[1] Carlos Fabião, 2006, A Herança Romana
em Portugal, CTT Correios de Portugal.
[4] Cit. PAULA,
Eurípedes Simões de. "A técnica e a evolução da agricultura em Roma".
In: SIMPÓSIO NACIONAL DA ASSOCIAÇÃO DOS PROFESSORES UNIVERSITÁRIOS DE
HISTÓRIA, 9., 1977, Florianópolis. Anais do IX Simpósio Nacional da
Associação dos Professores Universitários de História. O homem e a técnica. São
Paulo: [ANPUH], 1979. v. 1, p. 275-276. Aqui: http://anpuh.org/anais/wp-content/uploads/mp/pdf/ANPUH.S09.12.pdf
[5] Cit. in Estrutura Social y Económica durante el Alto
Imperio Romano, Publicado
por Juan Antonio
Cerpa Niño . Aqui: