quinta-feira, 18 de abril de 2019

A Paisagem Rural na Época Romana, Dia Internacional dos Monumentos e Sítios


                                     


 JEP


A Paisagem Rural na Época Romana, Filomena Barata

Sabia que uma Villa …

É uma estrutura agrária, uma unidade de exploração de cariz senhorial, que se caracteriza por centralizar a propriedade fundiária, o fundus, numa residência que, em alguns casos, atingia uma grandeza superior às domus urbanas, com enormes dimensões e muita riqueza ornamental nas paredes estucadas, com pinturas murais ou “frescos”, estatuária e pavimentos revestidos com mosaicos.
Podiam possuir ainda essas residências agrárias, designadas em Período Romano por pars urbana, tal como as habitações urbanas de maior escala e riqueza, pátios, jardins interiores e exteriores, zonas dedicadas aos cultos e mesmo termas privadas ou balneários.
No entanto, a realidade agrícola não era apenas a de maior escala, pois existiam os “casais” dos pequenos agricultores de menor escala no que respeita ao fundus ou “propriedade” e menos grandeza arquitectónica das residências.
As estruturas agrícolas de maior grandeza são as melhor conhecidas, designadamente a sua área residencial, sabendo-se, não obstante, que possuíam as infraestruturas de apoio à produção agrária, como celeiros, armazéns, adegas, lagares, estábulos, podendo ainda ter os fornos ou forjas para apoio das diversificadas actividades da uilla, denominando-se esta área de serviços parts rustica ou fructuaria.
Nessa zona incluíam-se ainda as áreas destinadas aos trabalhadores da uilla que, em época mais tardia, tinham também um lugar especial para o encarregado da exploração, o uillicus, uma vez que o verdadeiro proprietário estava muitas vezes ausente.
A posse da terra era, sem dúvida, a maior manifestação de riqueza na Época romana, e a estrutura agrária obedecia a uma organização, não só no que respeita à distribuição das terras propriamente dita, havendo lugar ao emparcelamento dos espaços rurais distribuídos pelos “colonos”, como na sua expressão mais “física”, pois os cadastros apresentam uma regularidade que corresponde à distribuição das propriedades recorrendo a instrumentos de agrimensor que permitiam recticular os terrenos.
Em Portugal, embora não seja bem conhecido o mundo agrícola em Período romano, são inúmeros os exemplos de estruturas agrárias por todos o território, quer de pequenas dimensões, ou casais, como os que foram estudados na zona da Vidigueira, quer de maior escala, de que podemos citar múltiplos casos, incidindo, contudo, este trabalho na zona Sul, pois é a que melhor conhecemos.
Também na Vidigueira, uma estrutura agrícola de grandes dimensões se sobressai. Trata-se da Villa romana de S. Cucufate, classificada como Imóvel de Imóvel de Interesse Público, pelo Decreto nº 36383 de 28-6-47, e que parece ter sido utilizada no Período Romano entre os séculos I a.C. – IV, com uma continuidade de ocupação na Época Medieval.
Esta Villa romana do século I a.C. teve alterações na primeira metade do século II e no século IV dando lugar ao edifício que hoje subsiste.
Na Idade Média esta estrutura foi utilizada como mosteiro, consagrado a S. Cucufate; abandonado no período das guerras entre Muçulmanos e Cristãos pela posse de Beja, e viria a ser restaurado em 1255 e entregue aos cónegos regrantes de Santo Agostinho.
uilla romana é enquadrada por dois corpos com robustos contrafortes que se ligam, na zona cimeira, por meio de arcadas. Em frente dispunha-se um jardim que descia através de um suave declive até ao grande tanque. Subsiste parte significativa de um templo que viria a ser cristianizado no século V.
Já localizada nas imediações de Beja, a Pax Iulia romana, a Villa romana de Pisões, classificada como Imóvel de Interesse Público, pelo Decreto nº 251/70 de 3-6, trata-se de um testemunho notável de exploração agrária, cuja ocupação se estende dos século I a. C. ao século V, muito possivelmente pertencente “às elites urbanas”, como bem o defende Carlos Fabião, na sua obra «A herança romana em Portugal».
Nesta uilla romana, apenas parcialmente escavada, destaca-se uma parte significativa da casa do proprietário, apresentando mais de quarenta divisões decoradas, centradas num peristilo.
Salientam-se os mosaicos, quer pela sua enorme variedade, apresentando composições geométricas e naturalistas, quer pelo seu elevado nível estético dos mesmos, utilizando tesselas calcárias e vítreas.
Os equipamentos rurais, se bem que menos conhecidos, denotam a importância desta uilla, onde uma barragem, localizada nas proximidades, articulada com o conjunto agrário, permite garantir o fornecimento de água aos terrenos agrícolas, mas ainda aos tanques, piscina e termas, de apreciáveis dimensões, existentes nesta propriedade.
Outros exemplos de barragens de apoio às estruturas agrárias são conhecidas no território actualmente português, quer na Beira Baixa, como no Alentejo e Algarve que foram objecto de uma publicação denominada «Aproveitamentos Hidráulicos a Sul do Tejo».
No caso da sobejamente conhecida Villa romana de Torre de Palma, em Monforte, Portalegre, imóvel classificado como Monumento Nacional pelo Decreto nº 251/70, de 03.06, cuja ocupação em Época Romana e tardo-romana se estende entre os séculos I e VII, a casa senhorial é um espaço organizado e pensado para a vivência rural; bem estruturada para a exploração agrícola, e funcionava também como local de recolhimento e de lazer do proprietário, pois toda a decoração indicia que aí se pudesse gozar um ameno e bucólico refúgio dos ambientes urbanos.
. Em torno de um grande pátio ao qual se acedia por um portão principal, organizavam-se as construções ligadas à exploração agrícola – o grande celeiro, o lagar de azeite, os armazéns de alfaias agrícolas e os estábulos.
Sucedia-lhe um pátio porticado mais pequeno e reservado, ladeado pelos alojamentos de serviçais e por uma residência que pode ter pertencido ao villicus. O lado Norte foi ocupado por uma requintada residência habitada pelos proprietários.
De torre de Palma destacamos os seus mosaicos, designadamente a célebre representação das nove musas com os respectivos atributos, na base da qual existe uma legenda: SCO [pa a]SPRA TESSELAM LEDERE NOLI VTERI F[elix] que pode traduzir-se como “não estragues o mosaico com uma vassoura áspera. Felicidades”.
Também proveniente dessa uilla é o célebre mosaico dos cavalos, que se apresentam devidamente identificados pelos seus nomes próprios, atestando a exploração equina neste território em período romano, havendo mesmo quem defenda que estes exemplares têm similitudes com o que se designa «Cavalo Lusitano». Não esqueçamos que os cavalos da Lusitânia tinham fama de ser muito velozes afirmando Plínio-o-Velho na sua História Natural que pareciam ser gerados pelo Vento Zéfiro (Nat. 8, 166)
Em época tardia é construída uma  basílica paleocristã, edificada sobre um templo romano, objecto de várias reestruturações e acrescentos entre finais do século IV e o século VII, que documenta o esforço e a consolidação do cristianismo nesta região. A sua importância cultual perdurará até à Idade Média, com o reaproveitamento de parte das paredes da antiga basílica para a edificação da capela de S. Domingos, cuja edificação se deverá ter efectuado no séculos XIII e que se terá mantido em uso até ao século XVIII.
Já no Algarve, o Cerro da Vila trata-se também de uma casa senhorial romana, cuja ocupação remonta à primeira metade do século I, centro de uma exploração agrícola que aqui é completada com o aproveitamento dos recursos marítimos, existindo um porto que permitia o escoamento dos produtos. Relativamente próximo (2Km) localiza-se uma barragem que colaborava no abastecimento de água às terras férteis que rodeavam a uilla.
No século II e, particularmente no século III, a área residencial tornou-se mais expressiva, tendo sido decorada com luxuosos mosaicos e mármores.
Aproveitando parte das infraestruturas da antiga casa agrícola, o Cerro da Vila foi ocupado em período islâmico, tendo sido aqui descoberto, em escavações promovidas por José Luís de Matos, um notável conjunto de cerâmicas datáveis dos séculos VIII, IX e X.
Por sua vez, na uilla romana de Milreu, cuja ocupação se efectuou em período romano, no século I d.C., foi construído no século IV d. C., um santuário de planta absidial dedicado a divindades aquáticas, cujo podium era ricamente decorado com mosaicos e que era separado da uilla por uma rua pavimentada com grandes lajes de pedra.
No caso de Milreu, Estói, a zona residencial hoje visitável, que se desenvolve em torno de um peristilo com colunas, foi uma reestruturação do século III, quando a casa é embelezada com mosaicos polícromos, muitos deles com alusões à fauna marítima, tornando-se num complexo edificado de grandes dimensões, instalações agrícolas, balneário.
As termas estão ainda com um elevado grau de conservação e nelas se podem encontrar os compartimentos usuais: frigidarium, tepidarium e caldarium.
Os proprietários desta uilla eram certamente muito influentes, porque na casa apareceu estatuária de imperadores e familiares, a exemplo da estátua de Agripina.
Milreu pela sua importância, manteve uma ocupação em Época Tardo-romana, Islâmica, dos séculos VI ao X, e moderna.


 Texto Filomena Barata






Villa romana de Torre de PalmaParte superior do formulário




Torre de Palma é o nome de uma herdade existente na freguesia de Vaiamonte, concelho de Monforte. Torre de Palma foi a designação por que conhecidas as ruínas de uma riquíssima uilla romana, classificada como Monumento Nacional.

A uilla de Torre de Palma teve ocupação do século II ao século IV e os seus proprietários terão pertencido a uma poderosa família romana ou romanizada, a família dos Basilii.
Contudo, teve uma ocupação mais tardia.
Dotada de todas as características de uma rica uilla romana rural, tem ainda, nas suas imediações, um templo pagão, que no século IV foi convertido em basílica cristã.

“Estas Ruínas ocupam uma vasta área e são constituídas por diferentes núcleos, com funções específicas e com cronologias distintas (séc. I a XIII) e que, na maioria das vezes, se sobrepõem.
Ali, o visitante poderá conhecer a vivência de uma unidade agrícola romana, através dos diferentes espaços de:
  • trabalho - lagar de azeite, lagar de vinho, forjas, horta...
  • armazenamento de produtos e de alfaias agrícolas - armazéns, granjas ou celeiros...
  • áreas residenciais - casa do proprietário, casa do administrador, casas dos serviçais, hospedaria
  • higiene e lazer - balneários Este e Oeste
  • locais de culto - templo romano, pequeno templo familiar, basílica paleocristã, necrópoles romanas e cristãs.

Alguns destes espaços, embora estando na proximidade da uilla e coexistindo com algumas das suas fases de ocupação, deverão ser entendidos num âmbito mais alargado do que uma unidade agrícola. Como a basílica paleocristã e, talvez o balneário Oeste, se este for entendido como espaço semipúblico ou, público, possivelmente associado a uma hospedaria que servia viajantes em negócios ou, crentes que veneravam algum mártir sepultado na basílica”.


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https://www.academia.edu/14513176/The_necropolis_of_Torre_de_Palma_Monforte_Portugal_

Dafne e Apolo. Painel VI (Mosaico das Musas). Museu Nacional de Arqueologia. Museu Nacional de Arqueologia, Inv. 999.149.1. Fotografia: DDF/DGPC

“Para o tempo não poder apagar a memória deste feito, institui jogos sagrados com uma grandiosa competição, chamados píticos, do nome da serpente que ele subjugara. Neles, todo o jovem que vencesse por mão, por pé, ou carro, ganhava a título honorífico um ramo de folhas de carvalho.
"O PRIMEIRO amor de Febo foi Dafne, filha de Peneu. Não foi o acaso ignaro a induzir-lho, mas a cólera cruel de Cupido. (...) Logo este se enamora, a outra foge à ideia de um amante; rejubila ela com esconderijos nas florestas, com os troféus dos animais que caça, rivalizando assim com a inupta Febe. (...) Febo está apaixonado. Ao ver Dafne, deseja desposá-la, e tem esperança no que deseja: os seus oráculos iludem-no. (...)"
Ninfa do Peneu, suplico pára! Não te persegue o inimigo! Pára, ninfa! Assim, foge o cordeiro ao lobo, assim a cerva ao leão, assim fogem à águia as pombas de trémulas asas, cada qual ao inimigo! O amor é a razão de te perseguir. Ai de mim! Temo que caias de cara ao chão, que as sebes arranhem as inocentes pernas, te magoes por minha culpa! Os locais por onde vais são acidentados. Corre mais devagar, suplico, abranda a tua corrida. Eu seguir-te-ei mais devagar. Mas pergunta a quem seduziste; eu não vivo nos montes, eu não sou um pastor, eu não vigio, abrutalhado, manadas e rebanhos. Não sabes, temerária, tu não sabes, não, de quem tu foges, por isso, foges. Eu sou o senhor da terra de Delfos e de Claro, de Ténedos e do palácio de Pátaros. Júpiter é meu pai. Eu sou quem revela o que será, o que foi e o que é; eu sou quem harmoniza o canto com a cítara. A minha flecha é, de facto, certeira, mas há uma flecha mais certeira, aquela flecha que feriu o meu coração vazio. A medicina é uma invenção minha, e pelo mundo fora chamam-me Auxiliador, e tenho sou dono do poder das ervas. Ai de mim! Não há erva alguma para curar o meu amor, nem minhas artes úteis aos outros são úteis ao seu senhor!”
(...) Ia a dizer mais coisas quando a filha de Peneu se afasta, assustada, em corrida, deixando-o com as palavras a meio. (...) vencida pelo cansaço, fitando as ondas do Peneu,
“Ajuda pai”, gritou,
“se vós, os rios, tendes poder divino! Extingue e transforma esta figura, demasiado atraente”
Mal termina a prece (Dafne), um pesadelo torpor invade o corpo. O macio peito da jovem é envolto por uma fina casca, os cabelos alongam-se em folhas, os braços em ramos, os pés, há pouco tão lestos, fixam-se em indolentes raízes; o rosto faz-se copa: só o seu esplendor permanece nela. Ainda assim Febo a ama. E apoiando a mão no tronco, sente o peito ainda a palpitar debaixo da casca recente. Abraça nos braços os ramos, como se membros fossem, cobre de beijos o lenho; mas o lenho aos beijos se esquiva.
Então o deus disse: “já que minha esposa não podes ser, serás ao menos a minha árvore. Os meus cabelos sempre te terão, e a minha cítara, ó loureiro, e a minha aljava. Tu estarás com os chefes do Lácio, quando a voz cantar alegre o Triunfo, e o Capitólio assistir aos longos cortejos. Tu, fidelíssima guardiã, estarás no umbral de Augusto, diante da porta, de guarda às folhas de carvalho ao meio”
Ovídio, Metamorfoses, Livro I, Livros Cotovia, 2004


Mosaico das Musas, Torre de Palma, Monforte



Museu Nacional de Arqueologia
N.º de Inventário: 999.149.1
IV d.C. - Época Romana
Descrição:

«Mosaico rectangular composto por 11 painéis figurativos. Bordadura exterior com meandros de suásticas de volta dupla, negras sobre fundo branco, com dois filetes negros exteriores. Faixa branca, de guilhoché largo com a alma quadrada, sobre fundo negro, de cor amarela e beije esverdeado, faixa branca seguida de filete negro. Nos lados maiores, um meandro de suásticas de quatro voltas (trança de dois cabos). Os 11 painéis são os seguintes: Painel XI (Teseu e Minotauro); Painel X (Triunfo de Baco); Painel IX (Mégara e Hércules); Painel VIII (Medeia Infanticida); Painel VII (Hércules e Mercúrio); Painel VI (Apolo e Dafne); Painel V (Dois Membros do Tiaso); Painel IV (Duas Ménades); Painel III (Sileno e Sátiro); Painel II (Cena Báquica); Painel I (Musas). PAINEL I (As nove Musas) - Trança policroma de três cabos (ocre vermelho, rosa e beije), sobre fundo escuro; As nove musas apresentam-se com solenidade, atitude clássica e levam carrapito no alto da cabeça, sinal de inspiração ou sabedoria, começado a usar no século II e que simbolizava a sua vitória sobre as trevas, sobre as Sirenas, a superioridade da vida de espírito sobre a grosseria sensual. Vestuário de duas peças: túnica comprida, cintada ou solta, rosa, verde, amarela ou cinzenta e o manto ou "palla", solto, traçado ou preso por fíbulas. Com a excepção de Melpomene, todas calçam sapatos (calceus) e a sua posição é de pé, de frente ou a três quartos. Nem todas possuem os seus respectivos atributos. Calíope - Aspecto grave, túnica castanha, manto dourado, caído sobre a cintura e com a ponta dobrada sobre o braço esquerdo. Na mão direita aperta talvez umas tabuínhas. Euterpe - Túnica verde com barra amarela. "Palla" sobre os ombros, caída. Mão esquerda com flauta simples, na outra, segunda flauta. Érato - Túnica cinzenta com barra castanha. Manto enrolado à cintura. O braço esquerdo por detrás da lira, apoiada sobre um pedestal. Na mão direita fechada, o pleto ou varinha de marfim para tocar o instrumento. Tália - Túnica verde e manto amarelo sobre ombro esquerdo, com uma das pontas rodeando a cintura e segura com a mão esquerda, a qual também agarra a máscara cómica. Falta-lhe os atributos rústicos, o cajado ou o "pedum" e as folhas de hera ou de videira na cabeça. Melpómene - Em atitude de declamação. Túnica amarela, apertada com cinto. "Palla" azul, solta e curta sobre o ombro esquerdo. Na mão do mesmo lado, a máscara da tragédia. Clio - Túnica com barra, manto cinzento traçado, mão esquerda oculta nas roupagens. O braço direito curvado, esboçando um movimento de atenção e exposição. Em baixo, do lado esquerdo, possível rolo. Em atitude de evocação. Urânia - Túnica castanha, o manto dobrado e traçado sobre o braço esquerdo, cuja mão segura um grande ponteiro. O antebraço direito aparece nu e curvado em direcção à orelha. Polímia - Túnica castanha, com barra verde e a "palla" (verde), traçada sobre ombro, deixando livre o antebraço direito nu, que se ergue em atitude de comunicação. Mão esquerda segura o manto. Terpsicora - Túnica larga, manto enrolado elegantemente sobre o busto, de maneira a facilitar os passos de dança que ensaia. Braço direito sobre a cintura. Não tem lira. PAINEL II (Cena Báquica) - Dentro de um círculo, inscrito numa trança de forma rectangular e policroma, a branco, amarelo, cinzento, verde e cor-de-rosa, duas figuras coroadas com folhagem verde, azul claro e castanho escuro. Um homem enverga manto sobre ombro esquerdo, matizado de várias cores, com braço direito nu. Parece acariciar no queixo uma mulher, da qual só é visível a cabeça. Nos quatro cantos, folhas com gavinhas, duas parecendo videira. PAINEL III (Sileno e Sátiro) - Dentro de círculo, um Sileno de tipo Pompeia, nu, obeso, barba e cabelos com folhagem verde (hera ou espinhos), pele de cabra ou pantera à cintura, com tirso florido na mão direita e o braço esquerdo enlaçando um Sátiro que, também coroado de verdura, empunha um "pedum". O Sileno encontra-se calçado enquanto que o Sátiro não. Existe ainda uma desproporção intencional em relação a estas duas personagens. Encontram-se dentro de cercadura quadrada, ornada de espigas, dispostas em forma de ramo. PAINEL IV (Duas Ménades ou Bacantes) - Dentro de cercadura rectangular, policroma (rosa, branco, verde, creme), no interior, duas Ménades dançando: a da esquerda mostra movimento dos pés descalços e um ritmo gracioso. A da direita, apresenta cabeça coroada de pâmpanos, na mão esquerda o tirso e na outra, erguida, um instrumento musical. Enfrenta o seu par, com seu tronco nu, bem moldado, flectido para a frente e a túnica descaída sobre as pernas, agitada pelos passos de dança. PAINEL V (Dois membros do tiaso- Io e Argos)- Cercadura quadrada, enxadrezada, a branco, amarelo e cor-de-rosa. Dentro de um círculo cinzento-azulado, duas figuras ambas com cabeça ornada de folhas, uma à direita, masculina, nua com um manto ou pele sobre o ombro e as pernas curvas, assente em algo e um dos braços estendidos com o indicador apontado, como quem faz uma recomendação; a outra, de pé, manto traçado, braços envoltos e de ar atento. PAINEL VI (Apolo e Dafne) - À esquerda Dafne, vista de três quartos à direita, olha para Apolo com terror, um véu pousado no ombro direito, enfunado sobre as costas; é de cor verde-amarelo pálido e esverdeado, branco com tesselas pretas desenhando as pregas. À direita, Apolo, visto de três quartos está sentado num rochedo colorido de castanho claro, vermelho escuro, rosa, amarelo e beije. Descansa a cabeça, inclinada para a direita, no braço esquerdo, flectido e apoiado na lira de seis cordas, pousada sobre o rochedo, em segundo plano. O instrumento está desenhado com tesselas ocre-vermelho, ocre-amarelo e negro (vidro muito destruído). O deus tem uma coroa de flores azul turquesa com corola amarela e folhas verde esmeralda. Enverga um manto que partindo do ombro, vem de ambos os lados reunir-se sobre as pernas, mas deixa nua a esquerda, a partir da coxa. O joelho direito toca o torso de Dafne e o pé direito toca o torso de Dafne e o pé direito está curiosamente torcido para a direita, por falta de espaço. O braço direito segue a linha do corpo, com a mão vista de perfil, pousada sobre a coxa. PAINEL VII (Mercúrio e Hércules) - Moldura geométrica policroma, de tipo "decoração múltipla", mas com motivos irregulares (à excepção do nó de salomão) que não formam uma verdadeira quadrícula. Ao centro de medalhão, à esquerda está Hércules, em desequilíbrio e com a mão direita faz um gesto para evitar a queda e senta-se sobre um rochedo visto de frente, onde são utilizadas as cores rosa, amarelo esverdeado, castanho claro. Uma linha de contorno branca, separa a silhueta do herói, do rochedo. O rosto quadrado, com barba, as feições estão desenhadas por uma linha de ocre-vermelho, sublinhada a branco no nariz. A pupila dos olhos é negra. Na cabeça uma coroa semelhante à de Apolo. A sua perna direita está escondida pelo vestuário, enquanto que a esquerda está esticada. A pele do leão de Nemeia cinge-lhe os rins, esconde a perna e o pé e enrola-se à volta do braço esquerdo. Em segundo plano, parcialmente oculto por Hércules, está um jovem, de pé, a cabeça coberta por um pétaso. É Mercúrio de quem só se vê o torso. Segura um "pedum" na mão esquerda e olha para o herói que tenta impedir de cair. PAINEL VIII (Medeia concebendo o infanticídio) - Esta cena trágica que envolve três pessoas, ocupa a totalidade do quadrado. No lado direito vemos Medeia de braços cruzados, com a mão esquerda segurando o punho da mão direita e esta segura o que parece ser uma adaga e não um punhal, pois a lâmina parece afalcatada. O seu rosto encontra-se virado para a esquerda. A túnica, em tons amarelos, apresenta uma barra cinza no fundo. Perna direita ligeiramente dobrada para a direita. Visível ainda um manto em tons de vermelho e rosa que caem dos seus ombros, e que parece cruzar na zona do peito. A segunda personagem é um homem que aparece em plano recuado, em relação a Medeia. O braço direito encontra-se levantado, segurando o que parece ser uma tocha em tons ocre e amarelo. A mão direita segura um chicote em movimento. Enverga túnica curta, sem mangas, apertada na cintura, com um efeito de "balão", em tons rosa, ocre e amarelo. Traz uma clâmide flutuando nas costas, da qual se vê à direita uma ponta. Entre as duas personagens, em plano intermédio, é visível uma criança (talvez um de seus filhos), de cara virada para a direita. Está nu, mas uma clâmide ocre, cruzada no pescoço, desce-lhe pelo ombro esquerdo e costas até aos joelhos. PAINEL IX (Hércules furioso) - Moldura de meandro de suástica de volta dupla, policroma (rosa, ocre, amarelo beije esverdeado, beije e branco. Ao centro, três personagens: Mégara, Hércules e duas crianças ajoelhadas. A figura de Hércules é sem dúvida imponente. Rosto voltado para a esquerda, encarando Mégara. Braço direito estendido para a direita, segura o que parece ser uma tocha inflamada, cuja chama quase que toca na cabeça das crianças. A tocha utiliza tesselas de tom ocre, rosa, amarelo, sendo a chama em tesselas de vidro, laranja, vermelho e verde. Apresenta uma clâmide presa por uma fíbula no ombro direito, que cobre o ombro esquerdo, em tons de azul e vermelho. A musculatura aqui é muito bem representada, com um excelente jogo de cores, tornando claro o mais pequeno pormenor. Hércules está calçado com sandálias de meio-cano, com atacadores vermelhos. As duas crianças nuas, encontram-se com o joelho esquerdo assente no chão. O seu braço esquerdo encontra-se dobrado tomando a direcção do rosto. À esquerda de Hércules, encontra-se Mégara, de rosto levemente inclinado para a esquerda, olhar triste, braço esquerdo dobrado sobre o ventre e braço direito dobrado, com a mão encostada à cara. Cabelo longo, preso dos lados à parte de trás, braços robustos e nus, ostentando duas pulseiras duplas. Ostenta uma longa túnica, com uma barra amarela no fundo e outra mais curta, abaixo da anca, também com uma barra amarela. PAINEL X (Triunfo de Baco) - O triunfo compreende dezasseis personagens que avançam para a direita, sem indicação da linha de solo. Grupo 1: Um carro visto a três quartos puxado por dois tigres que se encontram de lado. Foram utilizadas tesselas em vários tons de castanho e beije para os contornos e desenhos da pele dos tigres. Visível arreio e coleira. As rédeas e os freios são seguras por um jovem sátiro situado à direita de Baco (dentro do carro) e também por Pã que conduz os tigres. O jovem sátiro, coroado de folhas de hera representadas em verde, com uma chibata na mão direita, enverga, deixando à vista o ombro direito, um manto em tons de castanho e apresenta-se inclinado para a frente. Em pé sobre o carro, o jovem Baco nu, enverga um manto em tons de azul, com a musculatura desenhada em tons de beije, rosa, castanho e branco, segura na mão esquerda, levantada, um tirso enfeitado na ponta com fitas. A mão direita, estendida, segura uma cratera castanha. Atrás dele, um bacante, do qual só é visível a sua cabeça coroada de folhas de hera. No chão, junto ao carro, são visíveis duas Ménades, uma delas apresenta a cabeça muito destruída e veste uma túnica em tons de castanho (encontra-se à retaguarda). A segunda, de rosto virado para a esquerda, enverga túnica em tons castanhos e cinzentos. Na mão esquerda, segura o tirso. A Ménade seguinte encontra-se a três quartos, numa túnica cinzenta, contornada a preto ou cinza escuro e apertada sob o peito. Esta Ménade segura com as duas mãos e sobre a cabeça, o que parece ser uma cesta, desenhada a cinzento e contorno castanho. Grupo 2: Em primeiro plano, Ménade com duas túnicas em tons de castanho escuro e contorno a preto. Noção de sombra dada pelo jogo de cores entre o castanho e o cor de rosa. Visível uma pele de animal a tiracolo. Rosto em perfil, voltado para a direita. Braço direito estendido. Coroa de parras na cabeça. A Ménade seguinte apresenta-se em perfil, com cabeça destruída, em atitude de dança, com crótalo na mão direita e duas pulseiras duplas no mesmo braço. Encontra-se descalça e nas suas costas flutua um manto castanho escuro com barras verdes. Presa à perna direita é visível uma espécie de manto azul, com barra verde, esvoaçando. A última figura deste primeiro plano é um Bacante visto de frente, ligeiramente inclinado para a esquerda. Encontra-se nu apenas com uma pardália em tons de amarelo e castanho, tapando o ombro e braço esquerdo. Na mão esquerda segura o que parece ser uma flauta branca. Atrás deste Bacante, parece estar outra personagem, não muito visível e que levanta algumas dúvidas de interpretação. Em segundo plano, entre Pã e a Ménade, visível figura de um jovem Bacante, parcialmente coberto por pardália castanha com barra verde. O seu rosto encontra-se em perfil virado para o lado direito. Devido a uma grande falha de tesselas, não é possível identificar correctamente os objectos que se encontram no canto superior direito ao lado do último Bacante descrito. Num terceiro plano, uma Ménade vista de perfil, com túnica verde de mangas curtas. Visível no braço direito, que se encontra estendido, duas pulseiras no antebraço. Parece segurar algo, impossível de indentificar por lacuna do painel. À direita desta Ménade, vê-se um jovem a três quartos, coroado com folhas de hera, vestindo uma túnica de mangas cinzentas e "pallium" amarelo. Braço direito levemente levantado. Logo a seguir, para a direita, um jovem Bacante vestindo uma túnica de tesselas de vidro brancas, com ombro direito a descoberto, toca flauta dupla (?). PAINEL XI (Teseu e Minotauro) - Dentro de uma moldura quadrada, com fundo em escamas, visível duas personagens. À esquerda, de pé, a figura de Teseu. A silhueta do herói é descrita por um conjunto de tesselas rosas, brancas, castanhas claras e escuras, num jogo de projecção de sombras em "dégradé". Apresenta uma clâmide flutuante nas costas, em tons de azul claro e escuro, vermelhos e preto. Com o braço direito levantado segura uma clava nodosa, com extremidade curva. O braço esquerdo segura o corno direito do Minotauro. À direita de Teseu encontra-se o Minotauro, (corpo de Homem e cabeça de Touro), representado com corpo bastante atlético, onde é utilizado o jogo de tesselas de cores claras, neste caso em cor-de-rosa, dando a noção do volume muscular do corpo desta figura. Encontra-se com o joelho direito no chão e braço esquerdo no ar em atitude de piedade. O braço direito segura a perna esquerda de Teseu. Em segundo plano, por trás do Minotauro, visível o que parece ser uma torre de castelo em tons rosa e castanho claro.
Forma de Protecção/Classificação: Interesse Nacional; Motivo: Necessidade de acautelamento de especiais medidas sobre o património cultural móvel de particular relevância para a Nação, designadamente os bens ou conjuntos de bens sobre os quais devam recair severas restrições de circulação no território nacional e internacional, nos termos da lei nº 107/2001, de 8 de Setembro e da respectiva legislação de desenvolvimento, devido ao facto da sua exemplaridade única, raridade, valor testemunhal de cultura ou civilização, relevância patrimonial e qualidade artística no contexto de uma época e estado de conservação que torne imprescindível a sua permanência em condições ambientais e de segurança específicas e adequadas; Legislação aplicável: Lei nº 107/2001, de 8 de Setembro; Acto Legislativo: Decreto; nº 19/2006; 18/07/2006* Este mosaico foi descoberto no mês de Março de 1947, pelo Sr. Joaquim Inocêncio quando lavrava os terrenos da Herdade de Torre de Palma».


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