ESTACIO DA VEIGA, A CARTA ARQUEOLÓGICA
E O MUSEU DO ALGARVE
PORTUGAL ROMANO, 2012.
Começaremos este número a rúbrica «Uma peça, um museu» fazendo a honra a uma ideia que nunca nasceu: O Museu do Algarve. É a nossa forma de homenagear uma figura ímpar do conhecimento do século XIX, Estácio da Veiga, a quem, pese um notável trabalho, a Fortuna não deixou que pudesse concretizar o sonho de fazer o museu para que, com tanto afinco, anos trabalhara. Para este trabalho foi-nos fundamental o artigo que lhe dedicou Maria Luísa Estácio da Veiga Affonso dos Santos, publicada no livro «Algarve, Noventa Séculos entre a Serra e o Mar», editado pelo IPPAR que citaremos sempre, ao longo deste trabalho, mas cuja leitura recomendo para maior detalhe na informação.
Estácio da Veiga, é uma
das figuras ilustres do século XIX, que assistiu a uma tomada de consciência, mais
acentuada a partir da segunda metade da centúria, sobre a importânia dos
valores do Passado, designadamente no que respeita ao seu conhecimento e
salvaguarda, não sendo o Algarve isento a esse fenómeno.
Sebastião Philipes Martins Estácio da Veiga, nasceu em Tavira a 6 de Maio de 1828.
Após ter concluído o liceu em Faro, vem, em 1845, cursar para a Escola Politécnica, na especialidade de Engenharia de Minas, ingressando, após a conclusão dos seus estudos, na carreira pública como oficial da sub-inspecção geral das Postas e Correios do Reino, cargo de que acaba por aposentar em 1865.
Paralelamente à sua carreira pública desenvolve uma actividade intelectual, inicialmente literária pois, desde cedo, o acompanhava e, depois, científica que marcará a sua vida a partir de certa altura.
Entre 1860 e 1877 divide-se entre a investigação etnográfica nomeadamente a recolha de literatura popular algarvia, podendo-se citar as obras “O Romanceiro do Algarve” e o “Cancioneiro”, até hoje inédito, e a investigação da História Antiga e Contemporânea, sobre cuja temática publicará vários artigos, as Ciências Naturais, efectuando vários estudos sobre a flora dos Açores e do Algarve de que resultaram a "Memoria descriptiva das belezas da Serra incluindo a villa e as suas tão nomeadas thermas” de que não se conhece paradeiro, e a Arqueologia, sendo a esta última que se dedicará exclusivamente a partir de 1877.
São estas as plavras de Maria Luísa Estácio da Veiga Affonso dos Santos[1]
«É porém na Arqueologia, uma ciência nascida no séc XIX, que Estácio da Veiga
vai investir a totalidade do seu capital científico e revelar-se inovador,
criativo e pedagogo, desenvolvendo teorias sobre o ensino, organização
administrativa e prática desta disciplina.
«(…) O início da actividade arqueológica de Estácio da Veiga com carácter sistemático, insere-se por um lado (no) movimento científico promovido pela Academia das Ciências, através sobretudo da Comissão Geológica, e por outro no surto da Arqueologia Clássica verificado após a estadia de Hübner em Portugal em 1861, que sem qualquer dúvida estimulou e desencadeou uma corrente de investigação».
A actividade de Estácio da
Veiga será, doravante imparável, e város estudos de História Antiga são
publicados em 1861 e 1862, tendo em 1864 feito um trabalho sobre as inscrições romanas
e paleocristãs do Convento de Chelas. Em 1865, recomeça a recolha de materiais
e a assinalar com carácter sistemático os monumentos arqueológicos no Algarve,
especialmente no concelho de Tavira, anotando os inúmeros vestígios de
construções romanas e de necrópoles na Quinta da Torre de Ares, defendendo a
tese sobre a localização da cidade de Balsa, como mais tarde tudo o virá
comprovar, na Quinta de Torre de Ares, na obra "Povos Balsenses" publicada em 1866.
Em 1873 ingressa na "Real Associação dos Architectos Civis e Archeologos Portugueses" e, no ano seguinte estava concluída a obra "Varias Antiguidades do Algarve", trabalho esse que se pode considerar o estudo preparatório das "Antiguidades Monumentaes do Algarve".
Entre 1877-1878 reside no
Algarve, promovendo escavações e dedica-se à respectiva Carta Arqueológica,
celebrando, em 1879, um contrato com o Governo no qual se compromete a redigir
uma obra em 5 ou 6 volumes, intitulada "Antiguidades Monumentaes do Algarve", iniciando a organização do
"Museu Archeologico do Algarve", na Academia Real de Belas Artes.
De 1883 até 1891 ocupa-se
na redacção de "Antiguidades
Monumentaes do Algarve", sendo “Os tempos pré-históricos” publicados no Vol. I das “Antiguidades”, na
organização de novas colecções, que guarda numa casa de campo das Cabanas, desdobrando-se
em esforços junto do Governo, de molde a tentar obter autorização da
transferência do Museu para o Algarve, mas sem êxito.
Em 1883 a "Carta
Archeológica do Algarve", Tempos Pré-históricos é dada por concluída, mas
só é publicada em 1886 no vol I das "Antiguidades".
Os materiais acabaram por
ser transferidos para Lisboa, onde foi fundado o Museu do Algarve «numas
dependências da Academia Real de Bellas Artes, tendo sido o arqueólogo algarvio,
por ofício de 1 de Abril de 1880 assinado por Rodrigues Sampaio, Ministro do
Reino, nomeado para fazer a "Catalogação dos Monumentos do Algarve para a
comprovação da Carta Archeologica" (…).
«As colecções compostas de
materiais arqueológicos e antropológicos agruparam-se em 4 secções:
Arqueológica, Epigráfica, Antropológica e Paleontológica. As colecções de
arqueologia Pré-histórica, Época Romana, Visigótica, Árabe e Portuguesa,
estavam expostas em cantoneiras, mesas e armários envidraçados; os objectos de
reduzidas dimensões encontravam-se distribuídos por 168 caixas de madeira,
entre os quais se incluiam caixas mostradores para os anéis romanos. Os
fragmentos de pavimento e os murais de 40 mosaicos exibiam-se por ordem
geográfica assentes em caixas de madeira, bem como algumas ânforas seguras em
pés de ferro.
As colecções antropológica
e paleontológica também se apresentavam em armários envidraçados. Todo este
conjunto de materiais era valorizado e relacionado com o respectivo contexto
arquitectónico através de plantas, desenhos e fotografias dos monumentos em que
foram encontrados. Em lugar de destaque foi colocado o original da "Carta
Archeologica do Algave" com os sinais convencionais a cores e emoldurada a
folha de ouro. Mais seis cartas geográficas completavam a valorização
documental das colecções e facilitavam a compreensão do binómio território-cultura.
A Epigrafia e a Escultura
foi montada ao ar livre num dos pátios, como mostra uma fotografia feita em 4
planos. As inscrições expostas estavam divididas em cinco regiões:
Lacobrigense, Ossonobense, Balsense [Ba] Esuriense, Myrtiliense. Aí figuravam
também estátuas, baixos relevos, capitéis, um nicho, um fragmento de
entablamento, etc, e outros revestimentos escultóricos de edifícios romanos.
Dispunha ainda de dois
serviços, uma oficina de restauro onde se fizeram trabalhos de limpeza,
colagem, assentamentos de mosaicos e moldes de peças, executados sobretudo
pelos mestres italianos Ponsiano Pier e Guido Baptista Lipi, que trabalhavam
para os artistas da Academia, e uma "oficina fotográfica" com câmara
escura, conhecida através deste documento de despesa «pago a 4 carregadores
para transportarem monumentos para a oficina fotográfica do Museu Archeológico
1$740 (…)».
Em 1881, Estácio da Veiga
é intimado a devolver as instalações do Museu à Academia, porque se alegou
falta de espaço. Pese as críticas quanto à decisão e o esforço do arqueólogo pelo
regresso do Museu do Algarve à região de origem, iniciam-se novos inventários,
entre 1882 e 1885,sucessivos inventários das colecções.
Em Outubro 1882, Estácio
da Veiga funda em Faro o Instituto Arqueológico do Algarve, entidade que
solicita ao Ministério do Reino o regresso do museu a Faro. Mas logo em 1885 o Governo decreta nova elaboração de um
inventário das colecções e do respectivo equipamento e ainda no último
trimestre desse ano, por ordem do Ministério do Reino, é obrigado a entregar o
Museu à Academia.
O Museu do Algarve ficou
portanto na capital a partir de 1885 em poder efectivo da Academia de Bellas
Artes. Esta instituição acaba por o desmembrar e seleccionar algumas peças, como
os mosaicos e estátuas, para compor o novo "Museu de Bellas Artes e
Archeologia".
Estácio da Veiga acaba por
falecer em 1891, sem ter conseguido que, no Algarve, conseguisse ter as suas
colecções organizadas num Museu de Arqueologia Provincial, situação que ainda
se mantém, infelizmente, até à Actualidade.
[1] Maria Luísa Estácio da Veiga Affonso dos Santos (1997) "Estácio da Veiga, a Carta Arqueológica e o Museu
do Algarve". In Algarve, Noventa Séculos entre a Serra e o Mar.
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