Filomena Barata, O Forte e a Ilha do Pessegueiro
Património
por Maria Filomena Barata
(Liga de Amigos de Miróbriga)
por Maria Filomena Barata
(Liga de Amigos de Miróbriga)
(a partir de artigo publicado na Setúbal na Rede)
O Forte e a Ilha do Pessegueiro
No momento em que escrevo esta crónica, ligeiramente atrasada, pois o corpo tem vezes que nos tolhe a todos e uma forte gripe fez com que tivesse os olhos vidrados e febris, relembro com alguma saudade o dia que Fui de novo ver a minha oliveira preferida. Plantada em Miróbriga, tem crescido mal, nas imediações de outras que se têm elevado rapidamente, tornando-se mães de frutos que já se vão apanhar. Esta não, mirrada, vai dando uns rebentos verdes, para dizer que a morte ainda não a tolheu. Mas fui vê-la e acabei por decidir que, afinal, continuaria a crescer, que não ia arrancá-la do chão. Porque, já o dissera aqui, tão difícil é decidir-se da eutanásia de alguém ou de alguma coisa de que gostamos. Mas, estou certa, saberá segredar-me um dia o destino que quer ter e eu saberei ouvir o mistério que me vai sussurrar.
E, por isso mesmo, decidi-me fazer novamente a triangulação dos meus afectos: Miróbriga, Sines e o Pessegueiro e lembrei-me dos velhos caminhos romanos, potenciando o que mar fornecia, transformado o pescado em garum e salmoura, quer em Sines, quer nas fábricas de salga do Pessegueiro, que funcionaram entre os séculos II e IV, o que resta do forte filipino e as pedreiras mandadas fazer por Alexandre Massai, sem terem, contudo, obtido resultados proveitosos que fazem daquela ilha fendida um lugar mágico e especial.
Vi ainda, ao longe, o Cercal, cheirando a serra ao metal que tornava ferruginosas as ribeiras; vi o Sado de Alcácer e as lagoas que, mais a Sul, viabilizaram uma agricultura mais fértil.
Mas já a noite havia chegado, e os tons se tinham esbatido no silêncio que lhe deu lugar. Como um dos dias mais fantásticos que vivi e que por lá passei, onde se desvendaram afectos como na “Ilha dos Amores”….
E, a propósito disso, e de um circuito que há dois anos fiz, a propósito da leitura de uma tese de Mestrado em Museologia e Património Cultural defendida por Rui Manuel José Fragoso na Faculdade de Letras de Coimbra, cujos primeiros capítulos se reportavam, fundamentalmente, a uma experiência já consolidada de visitas guiadas, a partir do Porto de pesca de Porto Covo, resolvi retomar nesta crónica a ideia que aí era defendida: a existência de um “Parque Arqueológico do Pessegueiro”, cuja figura, como “instrumento de protecção, valorização e salvaguarda do património e bens culturais, (…) possibilitasse a observação e fruição de quem o visita”.
No que respeita à criação de infraestruturas consideradas necessárias à existência desse Parque, fazia essa dissertação, do nosso ponto de vista com toda a razão de ser, particular ênfase no Forte do Pessegueiro, mandado construir por Filipe III, em 1603.
A esta fortificação que não resistiu às devastações dos piratas, de que falaremos de seguida, socorrendo-nos do brilhante trabalho da autoria de António Quaresma, nem aos ataques castelhanos durante a Guerra da Restauração, sucedeu, no final do século XVII, novo forte, erguido no reinado de D. Pedro II, uma vez que a costa continuava a ter necessidade de ser defendida de piratas e corsários. É conhecida a existência de guarnição até pelo menos 1844. Era usado em conjunto com o fortim erigido dentro da ilha, arruinado pelo terramoto de 1755.
Através do estudo de António Quaresma acima referido de que resultou uma edição sobre o Forte do Pessegueiro, fez-se alguma luz sobre a necessidade de fortificar a costa portuguesa, pois o corso e a pirataria, conhecidos já desde o Período Romano, atacando barcos mercantes e populações ribeirinhas, foram prática corrente até ao século XVII.
No século XVI, o confronto entre potências europeias cristãs e o islâmico império otomano acentuaram, segundo esse historiador, a componente corsária.
A partir de África, designadamente da república corsária de Argel, na alçada do Império Otomano, ameaçando os navios e as populações saiam constantemente frotas que atacavam as costas europeias atlânticas, designadamente a portuguesa, o corso prove populações ribeirinhas viviam “com o credo na boca”, quando se suspeitava que “andava mouro na costa”.
Muitas vezes, nessa atividade que exigia bom conhecimento da costa e dos costumes, participavam renegados portugueses, participando na pilhagem de bens e no rapto de pessoas que escravizadas eram posteriormente vendidas ou resgatadas. Como também refere António Quaresma houve instituições que se especializaram no resgate de cativos, a exemplo da Ordem da Santíssima Trindade, atividade que se tornou bastante lucrativa.
Segundo o historiador que temos vindo a referir, “em finais do século XVI, a situação agravou-se, com o aparecimento de uma geração de capitães corsários, muitos deles renegados provenientes de países europeus, em que avultaram lendários nomes, como Murad Rais. No período filipino, a guerra com a Inglaterra veio, temporariamente, complicar ainda mais as coisas. Terminada esta guerra, em 1604, persistiu o corso “mouro”, ou “turco”, como era designado o corso norte-africano, que constituiu o grande problema de segurança das povoações do litoral português, entre os séculos XVI e XVIII”.
Ao longo do século XVII, vemos, portanto, os corsários, especialmente argelinos, a fazer regularmente incursões na costa alentejana. “Em resposta, tinha sido fortificada, como se pôde, a costa do Pessegueiro, de que ainda existem as ruínas do fortim da ilha e edificado o forte de Milfontes (1599-1602), pelo engenheiro italiano (de Florença) Alexandre Massai, aquando de obras para construção de um porto oceânico, tudo conjugado com um sistema de vigias e rondas a cavalo, cuja despesa corria às custas dos moradores”.
Com a Guerra da Restauração (1640-1668), as principais preocupações voltaram-se para a fronteira terrestre, de onde podia chegar uma invasão castelhana.
No fim da guerra da Restauração que chamou a terra as principais atenções, é, de novo, assumida a necessidade de se proteger o litoral dos assaltos dos corsários mouros, sendo sentida a necessidade de ser reconstruído o forte existente no Pessegueiro, do tempo de Massai.
Em 1678, após reestruturação militar promovida pelo Regente D. Pedro, e visita do Marquês da Fronteira, Marechal de Campo General da Estremadura, às fortalezas que haviam sido colocadas, nesse ano, sob a sua competência foram ordenados melhoramentos nas praças de Sines e Milfontes.
“Iniciou-se, desta forma, ainda em tempo da regência, uma importante campanha de obras na costa alentejana, sob a direcção do engenheiro oliventino João Rodrigues Mouro, que dirigia o trabalho nas fortificações da praça de Setúbal: Na costa de Sines foram construídos dois fortes: forte de Nossa Senhora das Salas [hoje chamado do Revelim], em 1680, e forte da Senhora do Queimado, mais conhecido por forte da Ilha do Pessegueiro, ou simplesmente do Pessegueiro [terminado em 1685], este último edificado sobre as ruínas da antiga fortificação da época filipina. Ambos da autoria do engenheiro Mouro”.
Pese alguns trabalhos pontuais de recuperação e de consolidação de taludes, o Forte do Pessegueiro é, do meu ponto de vista, um dos imóveis que tristemente se encontra praticamente votado ao abandono e que mereceria um grande investimento, quer pela sua privilegiada localização, quer porque permitiria torná-lo um lugar de excelência como observatório da Natureza e da antropização daquele território desde tempos imemoriais, como se pode confirmar ali bem perto nas cistas da Idade do Bronze da Herdade do Pessegueiro, escavadas por Carlos Tavares da Silva.
Independentemente da sua vocação mais ou menos turística, reitero a ideia de que este imóvel pudesse, de facto, funcionar como o pólo central de um “parque”, acrescentando à tese de Rui Fragoso uma forte componente ambiental e da Natureza que ali nos privilegia.
Contudo, apresento aqui a proposta de ocupação de espaços por ele defendida, pois pode ser um bom ponto de partida para outras abordagens:
Piso 0: recepção/Loja/Biblioteca/Centro de Documentação/Laboratório/vestiários/sanitários/auditório.
Piso 1: Sala de exposição permanente/Bar/restaurante e área de repouso e sala de exposições temporárias.
Ainda no piso 2: terraços.
Que a ilha vendida do Pessegueiro continue a contar-nos segredos imemoriais e o Forte que lhe fica fronteiro, observando-a, nos surpreenda um dia, não de atalaia aos “mouros da costa”, mas de todos os que por percurso terrestre ou marítimo o queiram visitar e ali conhecer o mar, a costa e os seus habitantes faunísticos e florísticos, bem como os Homens que aí se foram fixando!
Maria Filomena Barata – 04-02-2011 14:43
>[Setúbal na Rede] –http://mirobrigaeoalentejo.blogspot.com/Caso possa sair de Lisboa neste fim de semana ou nas suas férias, recomendo que vá ao Alentejo Litoral e espreite o que em Tróia, Santiago do Cacém, Sines e a Ilha do Pessegueiro, Vila Nova de Milfontes há para ver.Aproveite e faça também um regresso ao tempo dos Romanos.E se tiver a sorte de ser guiado pelo arqueólogo Rui Fragoso (C.M. Santiago do Cacém) à Ilha do Pessegueiro, ainda melhor; ajudá-lo-á também a contactar o Senhor Matias, que o conduzirá a partir do cais de Porto Côvo e tão bem conhece os segredos do mar e daquele lugar: a fauna, a flora; o construído – cetárias romanas, dos séculos II a IV; o que resta do forte filipino e as pedreiras mandadas fazer por Alexandre Massai, sem se terem obtido, contudo, resultados proveitosos para a construção do referido forte … tudo isso pode ver naquele mágico sítio.Telemóvel Sr. Matias: 965535683Imagens 5 a 12: Rui FragosoPequenas imagens: a partir de Google.
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