Propostas de reconstituição do Hipódromo: Andrea Alves e Nuno Cruz
Maqueta: Maqueta de Miróbriga e seu Hipódromo. Alunos da Faculdade de Arquitectura, Coimbra (Professor Paulo Providência)
Fotografias aéreas: as duas primeiras do tempo de D. Fernando de Almeida
A última: Filomena Barata, 1995
Tentativa de reconstituição: Andrea Alves e Nuno Cruz
Os lugares de espetáculo, tais como os teatros, os anfiteatros e os circos foram, nas
províncias, uma das formas utilizadas para facilitar o processo de Romanização, pois
incentivavam as deslocações periódicas dos rurais à cidade, (ALARCÃO, 1992: 60).
O ecumenismo, tema fundamental da propaganda, imposto pela extensão territorial
e pela variedade étnica do Império, encontrava nos anfiteatros (e nos lugares de
espetáculo em geral) os locais ideais para a expansão da "mística imperialista"
porque neles se transcendiam todas as diversidades culturais (GROS, 1994: 22).
A construção de um hipódromo ou circo em Miróbriga, no século II d. C. deve ter
obedecido aos mesmos princípios, contribuindo para consumar a ideologia imperial.
Usamos aqui os dois conceitos baseando-nos na definição apresentada por GROS, 1996: 346. «No caso do hipódromo grego o que conta é a pista (...); se bem que o espectador não seja excluído, mas o espaço não é organizado em função da sua presença. Em Roma, pelo contrário as instalações essenciais foram desde cedo concebidas para o espectador: as bancadas que envolvem a pista definem o próprio edifício e as infraestruturas, cada vez mais desenvolvidas, do circus tinham como finalidade melhorar a qualidade do espectáculo». No caso de Miróbriga o facto de nada indiciar a existência de bancadas laterias monumentais pode fazer-nos admitir que se trate de um lugar de espectáculo que mais se aproxima da ideia do hipódromo grego.
Em Roma, os jogos circenses inseriam-se nos ludi, festivais públicos de caráter
religioso, celebrados como oferendas aos deuses em nome de um indivíduo ou de
uma comunidade. Inicialmente eram compostos exclusivamente por espetáculos
circenses (ludi circenses), aos quais se acrescentaram espetáculos teatrais e
gladiatórios (ludi scaenici e munera gladiatoria). (ELVIRA, 1991: 8-9).
Os ludi oficiais eram pagos com dinheiros públicos e, na época imperial,
correspondiam a 135 dias do ano (CRUZ, 2017: 51). No entanto, também eram
financiados por evérgetas, como veremos de seguida.
Representações teatrais (ludi scaenici), as corridas de cavalos (ludi circenses) e as
lutas de gladiadores (munera gladiatoria) são, portanto, muito mais do que meros
entretenimentos públicos, antes constituem oportunidades ideais para testar o
equilíbrio entre as várias classes e componentes da vida social romana e para
reafirmar o poder das elites que são, afinal, os verdadeiros mecenas/evergetas.
As práticas do desporto foram, no entanto, sendo alteradas, evoluindo também de
acordo com modificações que iam sendo desenvolvidos nos lugares de espectáculo e
vice-versa. A corrida padronizada era precedida de uma procissão ou pompa, onde
as equipas eram apresentadas ao público. As opiniões dividem-se no que toca ao
circuito percorrido pelo cortejo (CRUZ, 2017: 51)
Por vezes eram patrocinados por elementos das elites locais, em busca de prestígio
ou com aspirações políticas ou religiosas.
Em Miróbriga, não foram, contudo, identificados quaisquer evergetas que possam
ter (co)financiado a sua edificação, desconhecendo-se também o papel que as elites
locais possam ter desempenhado na construção de qualquer outra obra
monumental. Apenas uma inscrição com invocatória a Esculápio atesta um legado
testamentário feito por um medicus pacensis, Gaio Átio Januário, que deixou
dinheiro ao conselho municipal para que organizasse os quinquatrus 2
(ENCARNAÇÃO, 1984: 218).
O hipódromo de Miróbriga dista aproximadamente 1Km em linha reta da zona
central do aglomerado urbano, como acontece em muitos locais de espetáculo com
estas características, que são afastados por motivos práticos, dada a grande afluência
de público e localiza-se numa zona relativamente mais plana.
O acesso ao hipódromo ou circo de Miróbriga deveria fazer-se através de uma fachada
que se localizava frontalmente em relação a uma estrada de saída do aglomerado
urbano. Justifica-se, desse modo, o facto da entrada se fazer de costas viradas para o
centro da cidade.
Tentativa de reconstituição do Hipódromo: Andrea Alves e Nuno Cruz
Maqueta de Miróbriga e seu Hipódromo
Alunos da Faculdade de Arquitectura, Coimbra
(Professor Paulo Providência)
Maqueta de Miróbriga e seu Hipódromo
Alunos da Faculdade de Arquitectura, Coimbra
(Professor Paulo Providência)
Reconhecido por Cruz e Silva em 1949 quando da construção de uma estrada que afectou parcelarmente a zona da entrada, este estudioso promoveu trabalhos arqueológicos no local e efectuou a primeira planta conjectural do hipódromo que vos apresentamos de seguida.
Posteriormente o imóvel foi escavado por D. Fernando de Almeida, tendo sido ainda efectuadas sondagens pela equipa luso-americana, que contribuiram para definir mais exactamente as suas características, e feito novo levantamento das suas estruturas, o mais actualizado até este momento.
Podendo considerar-se um recinto de média proporção, se comparado com o de Mérida e o de Todelo, a arena de Miróbriga é, contudo, de maior dimensão do que a do circo de Tarragona. O hipódromo de Miróbriga mede aproximadamente 359m de comprido por 77,5m de largo.
Este lugar de espectáculo está orientado NE/SW, orientação que é considerada a conveniente para não ofuscar os agitadores ou aurigae a qualquer hora do dia. A sua implantação foi condicionada pela topografia do local, que aqui é incomparavelmente mais plano do que o sítio onde cresceu o aglomerado urbano.
Do hipódromo conhecem-se as fundações da spina, construída em opus caementicium, e os limites da arena. Pesem os restauros e reconstituições parcelares, é clara a evidência de metae - meta prima e meta secunda. Ainda é visível o revestimento que era utilizado em grande parte da spina, tratando-se de opus signinum, a exemplo do que sucede no circo de Mérida e no recentemente posto a descoberto de Olisipo.
Os muros que delimitam a arena são simples, construídos em opus caementicium, variando a sua grossura entre 60 a 90cm. A construção do hipódromo deve datar do século II d. C. e o auge da sua utilização terá correspondido ao século III d. C., seguida do seu declínio a partir de finais dessa centúria.
No lado sul do circo situam-se algumas construções que D. Fernando de Almeida identificou como tratando-se dos carceres, comparando-o ao circo de Mérida.
De bancadas perenes ou pétreas e do derrube das mesmas não existem quaisquer referências ou vestígios arqueológicos. Pode admitir-se, portanto, que as mesmas fossem construídas de madeira, suportadas por postes feitos do mesmo material. Nunca poderiam, portanto, ter tido a monumentalidade das reconhecidas em circos da Hispânia.
Por seu lado, a pista deveria ser térrea, pois é visível ao longo da spina uma camada de terra muito escura e compactada.
Da cidade de Balsa é conhecida uma inscrição de finais do II, princípios do III d.C.com referência a um circo.
Placa - L (ucius) · CASSI VS · CELER / PODIVM CIRCI / PEDES · C (entum) / SVA IMPENSA / 5 D(ono) · D(edit) · Museu do Carmo, Lisboa.
Anexo à carta de Cruz e Silva, a Leite de Vasconcellos, 1935, documento 21176.
Museu Nacional de Arqueologia, Lisboa.
Posteriormente o imóvel foi escavado por D. Fernando de Almeida, tendo sido ainda efectuadas sondagens pela equipa luso-americana, que contribuiram para definir mais exactamente as suas características, e feito novo levantamento das suas estruturas, o mais actualizado até este momento.
Podendo considerar-se um recinto de média proporção, se comparado com o de Mérida e o de Todelo, a arena de Miróbriga é, contudo, de maior dimensão do que a do circo de Tarragona. O hipódromo de Miróbriga mede aproximadamente 359m de comprido por 77,5m de largo.
Este lugar de espectáculo está orientado NE/SW, orientação que é considerada a conveniente para não ofuscar os agitadores ou aurigae a qualquer hora do dia. A sua implantação foi condicionada pela topografia do local, que aqui é incomparavelmente mais plano do que o sítio onde cresceu o aglomerado urbano.
Do hipódromo conhecem-se as fundações da spina, construída em opus caementicium, e os limites da arena. Pesem os restauros e reconstituições parcelares, é clara a evidência de metae - meta prima e meta secunda. Ainda é visível o revestimento que era utilizado em grande parte da spina, tratando-se de opus signinum, a exemplo do que sucede no circo de Mérida e no recentemente posto a descoberto de Olisipo.
Os muros que delimitam a arena são simples, construídos em opus caementicium, variando a sua grossura entre 60 a 90cm. A construção do hipódromo deve datar do século II d. C. e o auge da sua utilização terá correspondido ao século III d. C., seguida do seu declínio a partir de finais dessa centúria.
No lado sul do circo situam-se algumas construções que D. Fernando de Almeida identificou como tratando-se dos carceres, comparando-o ao circo de Mérida.
De bancadas perenes ou pétreas e do derrube das mesmas não existem quaisquer referências ou vestígios arqueológicos. Pode admitir-se, portanto, que as mesmas fossem construídas de madeira, suportadas por postes feitos do mesmo material. Nunca poderiam, portanto, ter tido a monumentalidade das reconhecidas em circos da Hispânia.
Por seu lado, a pista deveria ser térrea, pois é visível ao longo da spina uma camada de terra muito escura e compactada.
Da cidade de Balsa é conhecida uma inscrição de finais do II, princípios do III d.C.com referência a um circo.
Placa - L (ucius) · CASSI VS · CELER / PODIVM CIRCI / PEDES · C (entum) / SVA IMPENSA / 5 D(ono) · D(edit) · Museu do Carmo, Lisboa.
"Editis circensibus": el circo romano como espacio del evergetismo y de la auto-representación cívica de las elites hispanas [La glòria del circ. Curses de carros i competicions circenses, Tarragona, 2017, pp. 37-41]
Javier Andreu Pintado
Disponível Aqui
Javier Andreu Pintado
Disponível Aqui
UN DÍA EN EL CIRCO MÁXIMO. ORGANIZACIÓN Y PROFESIONES
AQUI
Bibliografia:
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