RECONSTITUIÇÃO ELABORADA POR VERENA WILLART E STEFFEN HAENDLER,
UNIVERSIDADE DE FRAKFURT
O elemento ÁGUA foi, em 2011, o tema aglutinador do Dia dos Monumentos e Sítios, efeméride assinalada a 18 de Abril e que, no ano transacto, se dedicou a esse grande recurso.
Para os Romanos a Gestão da Água é funtamental, sempre presente nas suas preocupações e na edificação das cidades, ao ponto de Plínio o Velho lhe dedicar no Index do Livro XXXI da sua História Natural uma expressão curiosa :aquarvm mirabilia, referindo-se às características mediciais, seja profilática ou terapêutica, da água e sua importância a nível físico e mental.
Sobre o tema das representaçãoes marinhas se dedica a tese de Cátia Mourão Rodrigues, Mirabilia Aquarum, defendida em 2001, dedicando os primeiros capítulos da mesma tese à importância da água em Roma, quer como “pilar civilizacional”, quer na vida cotidiana.
Gostaria, pois, de aqui deixar um testemunho sobre os sistemas hidraúlicos de captação, distribuição, depósito e escoamento da água em ambiente urbano, em Miróbriga.
As ruínas de Miróbriga, estão referenciadas desde o século XVI pelo humanista André de Resende que, retomando as referências de Plínio, se referiu a uma povoação outrora chamada Merobrica, no seu De Antiquitatibus Lusitaniae, lib. 4, publicado em 1597, como aqui já foi dito noutro trabalho editado.
A existência de vestígios de muralhas cercadas de torres, de um aqueduto, de uma ponte e de uma fonte correndo de uma pedra quadrada fizeram-no concluir da existência de uma “antiga cidade”.
A existência de vestígios de muralhas cercadas de torres, de um aqueduto, de uma ponte e de uma fonte correndo de uma pedra quadrada fizeram-no concluir da existência de uma “antiga cidade”.
Se bem que não sejam visíveis, nos nossos dias, quaisquer vestígios de um aqueduto que servisse de transporte para alimentar de água a cidade, a exemplo do que acontece noutras cidades da Lusitânia, é um facto que ainda no século XIX, em 1969, o Padre Macedo e Silva traduz e comenta as informações de André de Resende do seguinte modo:
“A existência de muralhas cercadas de torres, umas inteiras, outras meio destruidas, de um aqueduto, de uma ponte (que ainda existe) lançada no vale imediato, e de uma fonte correndo de uma pedra quadrada, me dão a ver que n’este logar istiu uma antiga cidade”.
De facto, em trabalhos efectuados na década de 90 do século passado, na zona limítrofe da ponte localizada junto aos imponentes balneários de Miróbriga de que falaremos de seguida, encontrou-se uma pedra de grandes dimensões perfurada no meio, que deveria servir para escoar a água. No entanto, porque nos pareceu estar já deslocada do seu local de origem, esta pedra foi colocada junto à entrada do actual Centro Interpretativo de Miróbriga. Não obstante, poderíamos quase assegurar que se trata, efectivamente, da boca de um poço, com os encaixes da sua tampa devidamente marcados.
Conhecidos são também outros exemplares de poços na periferia de Miróbriga, alguns dos quais ainda hoje em uso, mas que indiciam construção antiga, similares aos que são visíveis em Tróia. São de planta circular, construídos em alvenaria irregular.
Logo que se inicia a visita a Miróbriga, é possível ver junto das imponentes escadas que davam acesso à calçada o muito bem conservado sistema de escoamento de águas urbanas, através de condutas construídas em alvenaria, revestidas com opus signinum, aquele aparelho de construção feito com base em telhas trituradas e cal que, em período romano, permitia impermeabilizar ou tornar estanques as edificações, ou mesmo servir como pavimento.
Também junto às calçadas romanas, e de forma a que as águas não pudessem infiltrar-se para o interior das casas, construía-se uma meia cana revestida com esse material, escoando-se assim a água pela rua fora. Em alguns casos, era utilizado material pétreo com a mesma função.
A construção das calçadas de Miróbriga previa que as construções límitrofes não fossem inundadas com as águas pluviais. Na imagem é visível pormenor de elemento construtivo, uma meia cana em opus signinum, que inviabilizava que as edificações adjacentes fossem inundadas.
Dada a elevada pluviosidade desta zona, por baixo do que deveriam ser os pavimentos de Miróbriga, de que hoje apenas se conhecem os revestidos a opus signum, motivo pelo que se presume que muitos fossem feitos de madeira, havia também um complexo sistema de desvio das águas, construído com grandes telhões curvos ou imbrices, que assim as conduziam para o exterior das casas, obviando a infiltrações no interior das edificações.
Ao longo das calçadas uma meia cana em opus signinum ajudava também a que as habitações não fossem inundadas, pois a água escorria rua fora.
Também as paredes dos balneários, nas zonas mais baixas, recorriam a esta técnica para escoar a água e mesmo no interior dos seus compartimentos.
Nas casas mais ricas de Miróbriga, desenvolvidas em torno de um atrium , um dos quais indiciando ter um impluvium, existia canalização de água interna à própria domus, como bem podem confirmar os tubos de chumbo existentes nas suas paredes ou perto de alguns reservatórios.
Podemos considerar que os balneários de Miróbriga são uma verdadeira aula de construção civil romana e neles a presença da água é obviamente marcante, pois é fundamental à sua manutenção.
A existência de grandes reservatórios periféricos garante a manutenção de água para as piscinas de água quente e fria. Também construídos em alvenaria, eram revestidos a opus signinum, apresentando meias canas no fundo.
Junto aos balneários oeste existe um tanque, localizado num ponto alto, que fornecia as designadas «Termas Oeste» e que se encontra infelizmente muito destruído.
Na zona limítrofe da ponte, existe um, de enormes dimensões, motivo pelo que julgamos poder tratar-se de uma Natatio, mas que, muito provalelmente, também funcionaria como reservatório de água.
Contudo, e apesar da grandeza desses reservatórios, não tem Miróbriga nenhum exemplar como o conhecido em Tróia, com um sistema elevatório das águas salobras decantadas pelas areias, onde, ao que parece, uma roda hidráulica de aro compartimentado, similar às cuja introdução se cometia ao Mundo Islâmico, ajudaria a fazer transportar esse líquido para o interior de um tanque superior revestido a opus signinum.
De salientar, até pelo bom estado de conservação que apresenta, o sistema de escoamento de águas dos balneários de Miróbriga, executados com alvenaria em falsa cúpula, onde ainda hoje é possível ver a água drenar, escoando-se depois para a cloaca existente junto à ponte romana.
Ainda de referir que as condutas tinham elaborados sistemas de limpeza, encontrando-se também em bom estado de conservação muitos dos equipamentos que a viabilizavam, com a função das actuais sarjetas.
Mas também podemos ver os belíssimos exemplares de as piscinas de água quente, aquecidas com vapor que se produzia a partir de uma fornalha e que, através das tijoleiras refractárias, viabilizavam o ambiente tépido ou mesmo o calor apropriado ao caldarium.
O mesmo acontecia nas “Termas Este” onde o sistema de drenagem das piscinas ou alvei, era extremamente cuidado, desaguando sempre em pontos onde a água era devidamente conduzida às condutas gerais do complexo dos balneários.
Encontram-se nas “Termas Estes” inúmeros canos cerâmicos que exerciam a função de escoamento.
Cano cerâmico de escoamento.
“Termas Este”.
Nas latrinas circulava a água aproveitada do despejo da grande piscina do frigidarium que se ligava ao escoamento geral dos balneários que depois desaguavam na cloaca, localizada junto da linha de água da ponte.
Se bem que apenas existam alguns restos dos seus assentos, podemos confirmar o paralelismo desta construção com outras existentes no Império.
Também na periferia dos balneários, numa zona mais alta, localizava-se um poço de decantação que permitia filtrar as águas pluviais, bem como uma piscina onde se guardava água para reserva de apoio ao complexo.
Uma cloaca junto à ponte de Miróbriga que se sobreporia a um leito de águas alimentado pelas chuvas a que se juntavam as águas provenientes dos balneários, escoava a água desse complexo.
Relembro também que a própria ponte apresentava um interessante sistema de escoamento da água a partir do seu tabuleiro para as paredes lateraias, o que evitava que houvesse inundações do mesmo.
Pode ver mais em pormenor o seu sistema construtivo, aqui neste mesmo site.
Na zona limítrofe do Fórum, as condutas de águas pluviais são também uma forte presença, escoando as águas pluviais e defendendo as construções de serem inundadas.
Até à presente data, também não é conhecida qualquer represa ou barragem para contenção e reserva de água, nem tão pouco uma cisterna ou mãe-de-água, já para não falar da inexistência de qualquer ninfeu.
Também não se conhece a existência de quaisquer estruturas de apoio aos “Militia Vigilum” que combateriam os fogos usando baldes e bombas de água, como se sabe que Roma teria desde o século I d.C .
Podemos, pois, considerar que as cidades romanas são ainda hoje uma grande lição sobre o uso desse recurso, a Água, e tentar com elas aprender que se pode usar e reciclar um bem fundamental de forma sustentável e equilibrada, sendo Miróbriga, a muitos níveis, uma desses grandes motivos de aprendizagem .
FORTES, Mário Luís Soares, 2008, A XESTIÓN DA AUGA NA PAISAXE ROMANA DO OCCIDENTE PENINSULAR. Tese de Doutoramento. Director: Profesor Doutor Fernando Acuña Castroviejo. UNIVERSIDADE DE SANTIAGO DE COMPOSTELA. Facultade de Xeografía e Historia. Departamento de Historia I
MASCARENHAS, José Manuel; CARDOSO, João Luis, «Aproveitamentos Hidráulicos a Sul do Tejo». Ministério do Ambiente. Direcção Geral dos Recursos Naturais. CEHIDRO.
MOURÃO, Catia, 2001, Mirabilia Aquarum, Universidade Nova de Lisboa.
Portugal Romano, Exploração dos Recursos Naturais, MNA, 1997
VITRÚVIO, De Architetura, Livro VIII e X (Hidrologia e Máquinas Hidráulicas).
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