segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

A vós ...



Por tudo o que convosco aprendi.
Sei que nunca nos despedimos do que soubemos amar!


A vós e a todos os outros que aqui não estão as folhas deste meu "caderno de campo".
Ao Alentejo que será sempre o lugar que me acolheu e que viu nascer a minha filha!







Quem me dera poder visitar hoje os meus lugares sagrados: o Pêgo do Altar; Santana do Campo, onde a Igreja se sobrepõe ao templo pagão, a Igreja da Represa, perto da barragem romana que lhe deu o nome; a Anta cristianizada de S. Brissos e a igreja do Carmo,na Azaruja, onde um dia uma senhora chamada Estefânia orou pela criança que ia cuidar: a minha. Sim aí quero voltar.

Mas voltarei, sim, espero ainda voltar um dia, ao Alentejo dos montes e dos lugares de crença, quase que em romaria e, aí, demorar-me-ei onde tiver que me reter...

Esse Alentejo onde ainda se comem os restos do Borrego, junto à água, em dias de Pascolela, fazendo-se libações até ao sol pôr.
Assam-se silarcas e cantam-se modas aquecidas com vinho acre.

E onde há sítios que ainda me fazem repousar, porque, no seu silêncio, me consigo ainda ouvir os sussurros do Infinito.

Quem me dera a Graça do Divor, mas contigo pela mão, pois dela não me fui capaz de me separar.

Até lá, continuo a guardar esses lugares num sítio mágico do meu ser, esperando que os possa visitar numa nova viagem, como no conto em que acreditei.
Belo e com um bom final ...

quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

Visita às Ruínas de Miróbriga


Sábado, 11 de Dezembro · 11:00 - 17:00

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Local Santiago do Cacém

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Criado por Filomena Barata em:
http://www.facebook.com/event.php?eid=175181599165772#wall_posts



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Na sequência da visita já realizada às Ruínas de Tróia de que aqui já demos nota, vamos já no próximo Sábado até Miróbriga, Santiago do Cacém.

A iniciativa conta com a colaboração da Liga de Amigos de Miróbriga.
Tentaremos ainda obter a colaboração do «Portugal Romano», dos «Alentejanos no Facebook» e «Setúbal na Rede» para a sua divulgação.

O local de encontro será nas próprias Ruínas, pelas 11h, ou na Praça de Espanha, para quem parte de Lisboa, pelas 8h 30m, no parque junto ao Restaurante Gôndola, na Praça de Espanha.
Relativamente à localização de Miróbriga, está identificada no Roteiro de Miróbriga publicado neste blogue.

Sejam bem vindos!

terça-feira, 30 de novembro de 2010

O mundo é do tamanho que nós conseguimos fazer!!! Um testemunho.



















Na sequência da minha deslocação a Angola, de onde sou natural e também cidadã, tive a sorte de conhecer o Sr. Director do Instituto Nacional da Criança, com quem tive a oportunidade de conversar demoradamente, tendo-lhe sugerido, caso merecesse a anuência do Município do Redondo, um acordo de colaboração, ou uma eventual geminação entre as duas cidades, centrada na Infância. Sugeri ainda que o projecto pudesse ter como a ideia central o desenvolvimento integrado, a formação, a ocupação dos tempos livres das crianças, podendo Angola potenciar a Natureza e o Património Natural como veículo de um crescimento saudável e o Redondo, Portugal, potenciar o seu Património Cultural, como veículo de formação também para a cidadania, tanto mais que tive oportunidade de muito reflectir sobre esta matéria quando ocupei o cargo de responsável da Direcção Regional do IPPAR no Alentejo.

Assim, o projecto de colaboração poderia ter, do meu ponto de vista, como ideias mestras para desenvolvimento as que sintetizarei:

Conceito: A Infância e o Crescimento na Cidadania e na Igualdade

Objectivos Gerais: Criar uma parceria/eventual geminação entre duas cidades: Redondo, Portugal e Novo-Redondo (actual Sumbe), Angola.

http://www.cm-redondo.pt/pt/CM-Redondo.htm

http://www.portalsaofrancisco.com.br/alfa/angola/kwanza-sul.php


Objectivos específicos: Viabilizar uma concertação de esforços no sentido de permitir um crescimento mais equilibrado, de acordo com os Direitos da Criança, universalmente aceites, designadamente os seguintes: • os direitos relativos ao desenvolvimento (ex. o direito à educação) • os direitos de participação (ex. o direito de exprimir a sua própria opinião) Público alvo: As crianças, tendo em mente as definições internacionais. Conteúdos a desenvolver: 1 - Na área educativa e pedagógica, através de conteúdos específicos a tratar na escolaridade obrigatória, designamente no «Estudo do Meio»; Português 2 - Na área Formativa através do desenvolvimento de actividades extra-curriculares. Temas a desenvolver: O Património Cultural e o Património Natural como veículos de crescimento integrado.

Hoje tive a alegria de, após já ter obtido a anuência do Município do Redondo quanto aos princípios gerais e a disponibilidade de avaliar de que forma se poderia vir a concretizar, receber a confirmação do Instituto da Criança de Angola, pelo que posso afirmar publicamente que foi um dos dias mais felizes da minha vida!!!

Parabéns ao Município do Redondo por se ter predisposto a avaliar esta proposta, parabéns ao Instituto da Criança no Kuanza Sul, por ter aceite pensar de que forma se pode vir a desenvolver este projecto conjunto a bem das crianças do mundo e deste Atântico que nos une.

Ao Alentejo que viu nascer a minha filha e ao Kuanza Sul, no país onde vi a Luz e que é também o meu país até já, até sempre.

A todos os meninos "baratinhas" espalhados pelo Mundo e ainda aos que outros nomes têm !!!!





sábado, 13 de novembro de 2010

Regressei a Tróia, Grândola




"... as ruinas de Troia de Setubal constituem um enexgotavel manancial archeologico. Não dá dum passeio pela praia, não se mexe na areia, que não appareça alguma cousa. Oxalá que algum Ministro se amercie d'ellas! tanto mais que é uma vergonha que esteja a findar o seculo XIX, o seculo chamado das luzes, e Portugal deixe perder para sempre estes eloquentes vestigios de grandeza do seu passado. sem lhes prestar o culto que os povos civilizados prestam a tudo o que pode servir para aclarar os problemas históricos. José Leite de Vasconcellos, Archeologo Português. «Quando Tróia se afundou três dias choveu areia só um homem se salvou no ventre de uma baleia». Hoje regressei a outra Tróia, a romana, das salgas de peixe e das histórias contadas do Humanista André de Resende e de Fr.Bernardo de Brito, da Escola Historiográfica de Alcobaça, que retoma identificação de Tróia com a Caetobriga romana escrevendo: "nos tempos antigos florescera na povoação de Cetobriga a que os moradores da terra chamam Troia".(7) Muitos autores insistem nesta identificação, como Duarte Nunes Leão, João Batista Lavanha e a Frei António de Santa Maria, Carlos Ribeiro, entre outros. João Batista Lavanha na sua "Viagem da Catholica Real Magestade del Rey D.Filipe II a Portugal", de 1622, diz que:" Setuval. He huma das maiores, e mais assinaladas villas de Portugal, por causa do seu porto formado do Rio Cadão (9), que alli entra no Oceano, e de huma lingua de terra que o mar ha estreitado. Nesta lingua de terra que fica de fronte da villa, ouve na antiguidade huma povoação chamada Cetobriga .... onde ainda oje se vem os vestigios de tanques em que se salgarão os atuns, e outros pescados, e aparecem as ruinas de outros edificios de aquella cidade, e dellas se tirão estatuas, columnas, e muitas inscripções, que entre outras antiguidades dignas de eterna memoria se conservão na casa do duque de Aveiro". A estas ruynas chama o vulgo Troya com que quer dar a entender que são da povoação que alli ouve". Regressarei a uma «Rua da Princesa», assim denominada porque D. Maria, rumando ao Pinheiro, aqui passou e resolveu desembarcar para conhecer os restos de Latinos, tendo identificado uma zona residencial; voltarei à Real Sociedade Archeologica Lusitana, cujo patrocinador, o Duque de Palmela, permitiu que as escavações aí se incrementassem e aos desenhos das mãos do oitocentista Marques da Costa, que tão pormenorizados até parecem efabulação. Voltarei às «Minhas Memórias de Tróia», retomando um velho tema adiado, mas agora, certamente, enriquecido porque será mais partilhado. Aos desenhos de grandes caricaturistas portugueses que colaboraram com José Leite de Vasconcelos, certamente porque era mais uma forma de prover o sustento, desenhos esses que o Museu de Arqueologia ainda conserva, bem como às primeiras fotografias que a Arqueologia Portuguesa viu, nas mãos de M. Apolinário. Regressarei à Tróia do relevo mitraico, divindade de militares vinda do Império Oriental, que o Cristianismo acabou por banir. Pensarei, de novo, sim, no relevo mitraico que, embora sendo o único exemplar em território nacional, andou por destinos perdidos durante décadas e regressarei outrossim ao templo paleocristão.




E às sepulturas tardias de mansae, exemplares também raros e de que apenas existe um paralelo em toda a Península, onde deitados os comensais partilhavam ritualmente com os seus mortos alimentos e vinho com mel.


Regressei à Tróia de poços, cisternas e reservatórios de água, para servir unidades fabris, bem como aos balneários com os seus tanques tépidos e quentes com os seus mosaicos que, alindando o espaço, permitiriam esquecer cheiros fétidos a peixe e dias suados de labor. Voltei às unidades fabris que parecem não acabar ...quilómetros de praia cheios de cetárias, de que ainda se não conhece bem a organização, mas que, todos os anos, a erosão do rio, sem que haja meios o vontade política para o estancar, faz roubar à História .



Novos poços e tanques denunciando que o labor não acabava na zona que agora mais "central", que não é senão a ínfima parte de uma cidade ainda por conhecer, bastando andar pela praia para uma pálida imagem se poder ter. Rumei ao Columbarium, esse lugar de sossego dos mortos que ocupa o espaço já desactivado de fábricas abandonadas, onde convive no século III a icineração e a inumação, e às sepulturas que se vão juntando em seu redor, transformadas as unidades fabris em lugares de solidão, pela crise anunciada de um Império a ruir.
E pensei no Baptistério, hoje já desaparecido, que Marques da Costa, no século XIX, tão bem desenhou.



Regressei ainda à sepultura em forma de cupa que se implantou junto às termas e pensei na sepultura da Galla, cujo desenho, dos mais belos que já vi, também se encontra no Museu Nacional de Arqueologia, bem como a Tróia do relevo mitraico, esse deus da Luz, importado por Romanos do Mundo oriental, a cujos mistérios se acedia através da matança do touro ritual.

A Tróia da «Caldeira», onde, em dias especiais, ainda se pode ver plâncton fazendo brilhar a água daquele lugar.


Mas, para já, vão apenas informações gerais sobre este fantástico Sítio Arqueológico: Ruínas de Tróia, classificadas como Monumento nacional pelo Dec-Lei de 16 de Junho de 1910 Z.E.P. e área non aedificandi (DG,II Série, nº155 de 02/07/69), cujos limites precisos foram definidos na Portaria nº40/92 de 22 de Janeiro Localização : Extremo da Península de Tróia, Setúbal (Concelho de Grândola) Caracterização: Trata-se de um dos mais interessantes conjuntos fabris de conserva de peixe do Império Romano conhecidos em território peninsular, construído nos inícios do século I d.C. e que deve ter laborado até aos séculos IV/V d.C. Para além dos tanques de salgas, estão identificadas uma área habitacional, conhecida por «Rua da Princesa», umas termas ou balnea, três necrópoles e um Templo Paleocristão que preserva ainda o revestimento com pinturas a fresco. Voltarei a Tróia, sim, mas hoje vou-me deixar levar pelo sono que o sol do dia me permitiu ter ... com a alegria de saber que tanta coisa, finamente, se está a reiniciar.

À Inês Vaz Pinto e sua equipa,designadamente à Patrícia Magalhães que ontem nos acompanhou na visita, à IMOAREIA os meus parabéns! E adormecerei esta noite com a descrição de Tróia de Hans Christian Andersen: «No cais havia grandes barcos de pesca; quem quisesse, podia dar uma volta e visitar a Pompeia de Setúbal - Tróia, a aldeia de pescadores, enterrada mas parcialmente escavada (...). Voltámos para trás, não em direcção a casa mas rumo ao canal para vermos os restos de Tróia, a cidade enterrada na atreia. Foi fundada pelos Fenícios; desde então, os Romanos viveram aqui e recolheram o sal da mesma maneira que ainda hoje é usada, tal como o testemunham as grandes ruínas. Em tempos idos, a entrada domar devia ser para leste; a entrada actual foi quebrada por uma grande inundação, que acabou por a bloquear com areia. Os seus habitantes foram todos obrigados a fugir; acredita-se que inicialmente procuraram as montanhas e fundaram a povoação que agora é Palmela, mas mais tarde dirigiram-se para baixo, para a costa, onde fundaram Setúbal, ainda existente. (...) Onde quer que puséssemos o pé em terra, havia grandes pilhas de pedras amontoadas, restos de lastro de navios que traziam as suas cargas de sal para a baía. Desta forma, havia ali pedras grandes e pequenas vindas de todas as artes do mundo - da Dinamarca e da Suécia, da Rússia e também da China. Podia escrever-se uma longa história sobre elas(1). (...) Tinham começado a fazer uma grande escavação, que parara devido a falta de meios (2). Não se tinha ganho muito com isso, mas sinda assim podiam ver-se alicerces de casas, vários pátios, muros altos, restos de um jardim inteiro, com uma casa-de-banho parcialmente conservada, um chão de mosaico e paredes com lajes de mármore. mesmo dentro de água, havia fragmentos e pedaços de jarros antigos e até grandes muros de pedras». (1) Julgo tratar-se de uma curiosa interpretação de H.C.A., se bem que a maioria das pedras que se encontram espalhadas por 2 km de extensão de costa são de origem romana, fruto da destruição das construções. (2) Uma vez que a viagem de H. C. A. teve lugar em 1866, deverá estar a referir-se às escavações efectuadas pela Real Sociedade Archeológica Lusitana que teve, inicialmente, o patrocínio de D. Fernando e do Duque de Palmela. No entanto, já anteriormente se tinham feito "explorações" no tempo da infanta D. Maria.
1ª fotografia: Relevo Mitraico de Tróia
Fotografia das sepulturas de mansae gentilmente cedida por Esmeralda Gomes




Fica assim este trabalho para todos os arqueólogos que trabalharam em Tróia e que lhe dedicaram atenção.
À nova equipa que se encontra neste momento a efectuar trabalhos arqueológicos em Tróia, coordenada pela Doutora Inês Vaz Pinto, vai o meu desejo de muitos e profícuos resultados.



Desenho Ara: Dario de Sousa, MNA. Lx.




















TRÓIA, A CAETOBRIGA DOS ROMANOS?

Durante muito tempo, Tróia foi identificada com a Caetobriga de Ptolomeu e do Itinerário de Antonino (século III d.C.), sendo a ela conotada tanto por André de Resende como por muitos dos arqueólogos que aí trabalharam até ao século passado. No entanto, os recentes resultados de escavações promovidas em Setúbal vieram corroborar a opinião que Caetobriga fosse, efectivamente, a cidade que seu origem à actual Setúbal e não Tróia.

Gaspar Barreiros‚ o primeiro autor que faz referência a Tróia, " a qual Troia cuidaram alguns ser Salacia", sustenta serem as ruínas de Tróia os vestígios da cidade de Cetóbriga, de cujo nome derivam igualmente o nome da península e o da cidade que se ergue na outra margem - Setúbal. Setúbal, segundo o mesmo autor, "...reteve o nome corrupto de Cetobrica, o qual nome de Cetobrica se corrompeu em Cetobra e depois em Tria onde ela foi".
Refere-se este autor aos tanques de salga de peixe de Tróia como:"salgadeiras em que se curava o peixe."
André de Resende, escritor e "arqueólogo" quinhentista, aí realizou as primeiras pesquisas de que há notícia. Como umas das figuras mais proeminentes do Humanismo Português, não será de admirar a curiosidade e fascínio que todos os testemunhos do passado clássico tenham exercido sobre este escritor. Na sua obra "De Antiquitatibus Lusitaniae", Liv.IV - "De Cetobriga" retoma a argumentação de Gaspar Barreiros, afirmando: "Corrumpi coepit nonem in Cetobram, quam postea multo corruptius vulgos ineruditum triam fecit".

No início do século XVII, Fr.Bernardo de Brito retoma a mesma identificação escrevendo:"nos tempos antigos florescera na povoação de Cetobriga a que os moradores da terra chamam Troia".

Duarte Nunes de Leão, por sua vez, refere-se-lhe da seguinte forma:"Cetobriga que vieram corromper o nome de Setúbal para onde passou, foi também situada em uns areais onde chamam agora Troia".

Muitos autores insistem nesta identificação, de João Batista Lavanha a Frei António de Santa Maria, Carlos Ribeiro, entre outros. João Batista Lavanha na sua "Viagem da Catholica Real Magestade del Rey D.Filipe II a Portugal", de 1622, diz que:" Setuval. He hua das maiores, & mais assinaladas villas de Portugal, por causa do seu porto formado do Rio Cadão, que alli entra no Oceano, & de huma lingua de terra que o mar ha estreitado. Nesta lingua de terra que fica de fronte da villa, ouve na antiguidade hua povoação chamada Cetobriga .... onde ainda oje se vem os vestigios de tanques em que se salgarão os atuns, & outros pescados, & aparecem as ruinas de outros edificios de aquella cidade, & dellas se tirão estatuas, columnas, & muitas inscripções, que entre outras antiguidades dignas de eterna memoria se conservão na casa do duque de Aveiro".
A estas ruynas chama o vulgo Troya com que quer dar a entender que são da povoação que alli ouve".

Em 1895, José Leite de Vasconcelos faz uma reflexão sobre este assunto e considera a identificação despropositada sob o ponto de vista linguístico:" Troia nada mais ser do que uma designação litteraria dada anteriormente ao seculo XVI às ruínas; para afirmar isto, fundo-me em que não são estas ruinas as unicas assim denominadas: no termo de Chaves ha outras ruinas a que se dá o mesmo nome de Troia".

A partir de 1957, volta a reacender-se o problema da localização de Cetobriga, uma vez que as escavações que o Museu de Arqueologia e Etnografia do Distrito de Setúbal revelaram a existência de um importante centro urbano da época romana. Tinha sido finalmente localizada a Cetobriga dos Romanos!

Em 1960, José Marques da Costa em "Novos Elementos para a localização de Cetobriga diz a propósito deste assunto: "Caíu, há muito tempo, no campo das hipóteses indefensáveis, não sem que, antes, durante séculos, tivesse sido aceite e divulgada como verdade averiguada e incontroversa. Hoje, vergada sob o peso da provecia idade de quase quatrocentos anos - motivo de aparente autoridade! - não passa de sobrevivência dos estudos arqueológicos do Quinhentismo, incipientes, simplistas e falhos de fundamento".

O designação da Tróia romana permanece, apesar de todas as pesquisas feitas, entre as quais muito se distingue Marques da Costa (arqueólogo que nada tem a ver com o homónimo acima mencionado), no início do nosso século, uma questão em aberto. Reconhecem os arqueólogos a possibilidade de o topónimo que hoje conhecemos ter conotação com a Tróia homérica, dado o seu desaparecimento misterioso e a sucessiva invasão que as areias fizaram às ruínas.



TRÓIA,SUA HISTÓRIA
AS PRIMEIRAS INTERVENÇÕES ARQUEOLÓGICAS



Crismon da Basílica Paleocristã de Tróia, segundo desenhos de Marques da Costa

















(Frescos da Basílica paleocristã de Tróia)

Retomando as referências a Tróia, de Setúbal, encontramos vários documentos datados já do século XVI.

De 1502 data um, através do qual a Ordem de Santiago dá o terreno de Troia, pertencente ao seu vasto domínio, em regime de sesmaria. Encontramos ainda um auto de visitação da mesma ordem à Ermida de Nª Sra.de Tróia.

Em 1700, Fr. Agostinho de Santa Maria refere-se, no Santuário Mariano, muito provavalmente ao "Templo Paleocristão" (que amanhaã irei de novo visitar) do seguinte modo:"sepultado na areia e debaixo dela um templo gentílico , com colunas e capitéis de que ainda tem um notavel fabrico"."

Ainda no século XVIII se encontram documentos sobre o emprazamento de Tróia, que, tal como o estipulado no de 1502, salientam: "fica de fora a pedra, que todos poderão tirar para fazerem casas e moinhos e os possuidores de sesmaria não poderão tolher a qualquer pessoa que a queira ir buscar". Esta regulamentação justifica-se pelo facto de não existir pedra em toda a Península e toda ela ser trazida pelos Romanos de diversificados locais, designadamente a Serra da Arrábida.

Este tipo de referências repete-se por todo o século XVIII, em registos notariais, o que manifesta a destruição progressiva, mas consentida, de que este sítio foi alvo desde o começo do século XVI.

As mais antigas escavações arqueológicas em Tróia datam do tempo da Infanta D.Maria, futura Rainha D.Maria I, e incidiram na zona residencial das ruínas, pelo que ‚ denominada essa zona, desde essa altura, como "Rua da Princesa". O espólio exumado nessas explorações foi totalmente disperso. À então Vila de Setúbal foi oferecida uma coluna e um capitel coríntio, reutilizado, mais tarde, como pelourinho, ainda hoje existente na Praça Marquês de Pombal, nessa cidade.

Em período posterior, em 1850, a Sociedade Arqueológica Lusitana iniciou aí trabalhos de que há relato e cujos Diários das escavações de Tróia, foram publicados na Revista Popular:

"Foi por entre todas essas festas e galas, sempre acompanhadas de um vivo enthusiasmo, nascido das mais seductoras esperanças, alimentadas e fortalecidas … sombra grandiosa da alta protecção de um monarca e de um duque notavel e poderoso, que a Sociedade Archeologica deu começo às escavações.
As primeiras foram effectuadas desde o 1º de Maio até 2 de Junho de 1850 e logo com optimos resultados, cujas not¡cias muito satisfizeram a El-rei e não menos ao Duque.
................
Em resultado das pequenas excavações feitas colheram-se muitas e diversas antigualhas romanas, mas não tendo podido ser collocadas no Museu de Setubal como determinavam os Estatutos, força foi que ficassem em poder de alguns socios em quanto, por falta de meios, não houvesse casa apropriada".



(A Rua da Princesa, segundo desenhos de Marques da Costa)

A Sociedade Arqueológica Lusitana tinha surgido em 1849, impulsionada pelo Padre Manuel de Gama Xarro e por João Carlos de Almeida Carvalho, a que se foram, a pouco e pouco, juntando outros estudiosos.

O primeiro Duque de Palmela, que visita as ruínas de Tróia, a convite desses estudiosos, em 1849, é também convidado a ser protector da Sociedade, qualidade que reclina para El-rei D.Fernando II, que virá a ser efectivamente o protector da Sociedade.

O Duque de Palmela profere em Setúbal um discurso em que afirma:

"Foi hoje a primeira vez que tive o gosto de visitar as ruínas da antiga Cetobriga e, pelos vestígios das construções que ali observei, fiquei sumamente esperançado de que grandes vantagens arqueológicas, científicas e artístiocas se podem obter por meio duma bem dirigida escavação, e da qual poderão resultar muita honra e vantagem para esta País e com particularidade para a Vila de Setúbal, sede desta respeitável associação.
Quando porém mesmo esses achados de preciosidades se não realizem de todo, ao menos sempre um grande proveito se tirar das escavações intentadas: descobrir-se-ão essas ruínas, marcar-se-á a sua extensão, e finalmente fixar-se-ão mais as ideias para se resolver um ponto de história e de geografia, que até agora não tem sido esclarecido pelos nossos escritores, história na verdade muito misteriosa, relativamente à fundação desta populosa cidade, cuja existência deve ser de mui remota antiguidade".

Em 1850, são publicados na Imprensa Nacional os Estatutos da Sociedade Archeologica Lusitana, Associação essa que se pode considerar a precursora da Real Associação dos Arquitectos e Arqueólogos Portugueses.

Mas a ela, voltarei outro dia, bem como a Marques da Costa, mas longo vai este apontamento ....


Carta arqueológica dos
arredores de Setúbal (Costa, 1907)
António Inácio Marques da Costa (1857-1933).
Veja-se: “Esboço da carta dos arredores de Setúbal indicativo das estações prehisótoricas e romanas”





Desenhos a preto e branco: Marques da Costa

quinta-feira, 11 de novembro de 2010

As habitações de Miróbriga e os ritos domésticos

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As habitações de Miróbriga
e os ritos domésticos
romanos


À Mariana, para que os Lares a protejam

(Adaptado do artigo publicado com o mesmo nome)

Ao darmos notícia das habitações escavadas em Mióbriga, nos anos 90, bem como dos rituais domésticos associados às mesmas, gostaríamos de retomar a reanálise do aglomerado urbano a que, durante anos, foi conferida uma função de "Santuário Rural".
D. Fernando de Almeida fundamentava a sua opinião na concentração de templos nesse oppidumromanízado e no desconhecimento de zonas habitacionais que comprovassem a existência de uma grande população fixa. O conceito de santuário rural remetia à ideia de um local fundamentalmente destinado a peregrinações, sendo mesmo algumas das suas infra-estruturas justificadas apenas como local de distracção dos peregrinos, a exemplo do circo.
A sacralidade sustentava, portanto, a importância do local, conferindo-lhe de per si uma excelência no contexto nacional.
A equipa luso-americana, que escavou em Miróbriga na década de 80, se bem que admitindo a ideia de se tratar de uma cidade com as características comuns às provinciais, coloca, contudo, a tónica, na sacralização do local, que, já em período pré-romano, distingiria o aglomerado, atribuindo mesmo a uma das construções de forma inicialmente quadrangular a função de um templo da II Idade do Ferro, datado do século IV a.C.
Numa última fase, datável de cerca de 100 a.C, o templo teria sído reedificado, sendo dotado de pronaos, cella e temenos, correspondendo a esta fase o "depósito votivo" a que seguidamente faremos referência.
As plantas do edifício, de diferentes épocas, e o espólio arqueológico aí encontrado, nomeadamente o aparecimento de duas malgas invertidas de cerâmica, uma delas contendo ossos de pássaro, teriam feito chegar a tal conclusão.
No entanto, e tendo em atenção as escavações mais recentes, gostaríamos de salientar que a malga com ossos que serviu como um dos "suportes arqueológicos", pelas características de oferenda votiva, que permitiu atribuir a designação de "templo" à última fase da construção da II Idade do Ferro, poderá não corresponder linearmente à existência de uma construção de "função sagrada".
Deverá tratar-se apenas de uma edificação que foi sacralizada num determinado momento, como se pode concluir através do aparecimento de espólio de caracter votivo ou fundacional noutras áreas do aglomerado urbano.
Para especificar esta ideia, gostaríamos de referir que em escavações promovidas, nos anos 90, na "zona habitacional", apareceu, ao nível da fundação de duas construções romanas, enterrada no afloramento xistoso de base, uma tigela ou patella invertida contendo no seu interior ossos de pássaro que pensamos poder tratar-se também de um ritual fundacional. Numa outra área, uma segunda tigela, também invertida, mas sem depósito votivo no seu interior e vários fragmentos enterrados de pratos/frigideiras e de uma terrina poderão indiciar uma intencionalidade ritual.

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Para este tipo de tigela ou patella de calote esférica encontrada em Miróbriga existem inúmeros paralelos, a exemplo dos espécimes provenientes de necrópoles romanas do Alto Alentejo, conhecidas sob a designação de taças ou malgas.
Aparecidos também em Miróbriga são dois exemplares de características muito semelhantes e que se encontram em depósito no Museu Municipal de Santiago do Cacém.
Leite de Vasconcelos dá-nos notícia de "uma tigela de barro grosseiro, cuja forma é o protótipo das nossas Malgas", encontrada nas proximidades de Miróbriga, que aparenta semelhanças com a taça exumada nas escavações de 1995.


1. O aglomerado urbano e as habitações identificadas em antigas escavações

Pelas características peculiares do urbanismo de Miróbriga, não é possível visualizar qualquer resquício de uma malha urbana definida por eixos viários principais — cardo e decumanus, como é comum nas fundações latinas de plano ortogonal. No entanto, os arruamentos conhecidos, de características homogéneas em todo o aglomerado, pois são construídos com grandes lajes assentes directamente no solo, medindo 10-11 pés de largura, permitem-nos delinear o espaço ocupado por algumas das insulae, ou quarteirões, da cidade onde se instalam aedificia privata e definir os percursos de acesso a alguns dos seus núcleos polarizadores, como é o caso das opera publica conhecidas em Miróbriga - fórum e balnea.

Recentes trabalhos de prospecção e escavação, sob coordenação de Féliz Teichner vieram confirmar a ideia já por mim defendida de que Miróbriga deveria ser ocupada quase em toda a sua extensão numa área de aproximadamente 10 hectares.
Ao longo dessas calçadas e entre elas desenvolviam-se assim os bairros onde se implantavam as áreas comerciais e habitacionais.
A maioria desses quarteirões, parcialmente postos a descoberto por D. Fernando de Almeida, está pouco clarificada, como acontece em torno do fórum e na zona por onde se faz a entrada actual nas ruínas.
Se bem que mal conhecidas, algumas das construções que se desenvolvem, quer a Oeste,
quer a Este do centro cívico permitem-nos admitir, contudo, que aí existiria uma zona comercial e habitacional.
No declive a Sul do fórum e numa das calçadas que o circunda pelo lado noroeste parece ser óbvia a associação das actividades comerciais à arquitectura doméstica, porque é clara a existência de mais do que um piso, admitindo-se que o primeiro andar pudesse funcionar como habitação.
Dos restantes edifícios também denominados como tabernae — como é o caso dos que se desenvolvem do lado norte da calçada que desce em direcção às termas — poucas ilações se conseguem tirar, porque apenas são visíveis os vestígios de muros de compartimentos unicelulares, sem aparente ligação. No entanto, as características da sua planta — na sua maioria, um só compartimento ocupa o piso térreo — e das soleiras da porta — onde não são visíveis encaixes para as portas, mas apenas uma ranhura ao longo de coda a soleira — permite admitir que as tabemae seriam fechadas por tapumes de madeira movíveis que se fixam às soleiras das portas, como é o caso dos Termopolia de Herculano.
Uma outra edificação de que há apenas existe uma pequena referência publicada e que foi apenas parcialmente escavada pela equipa luso-americana a nordeste do fórum desenvolvia-se em torno de um atrium. Esse átrio e a existência de colunas que delimitam uma zona porticada fazem-nos aceitar a possibilidade de se tratar também de uma habitação.
Um outro núcleo de construções, localizadas junto às termas, foram publicadas por Maria de Lurdes Costa Arthur, na década de 40, como tratando-se de habitações, estando actualmente, na sua maioria, de novo soterradas. No entanto, ao longo do troço de calçada que se dirige às termas, são visíveis de um lado tabernae e, do outro, restos de soleiras de portas e vestígios de muros alinhados que indiciam a existência de várias edificações.
Esta investigadora admitia a fundação céltica do aglomerado que teria sido ocupado até ao século IV, quando foi possivelmente destruída por um incêndio. Também de um lado e do outro da calçada que se encontra logo à entrada actual das ruínas, são visíveis várias insulae, que parecem ter tido uma ocupação sucessiva entre os séculos I d.C. e o século IV d.C.
Das escavações coordenadas por José Olívio Caeiro, nos anos 80, nessa área e na área limítrofe à capela de S. Brás, apenas existe uma pequena notícia, tendo sido somente algumas das pinturas a fresco objecto de publicação pela equipa de Missouri, situação essa que dificulta a contextualização dos vestígios.
Contudo, é claro que aí uma ampla calçada é estruturante de uma extensa área habitacional que se desenvolve, quer para Norte, quer para Sul da mesma, sendo visíveis as respectivas condutas dos esgotos em opus incertum pavimentadas com lateres.
Do lado sul constata-se que as múltiplas casas se adaptam à pendente e que os desníveis são vencidos através de grandes escadas que permitiam o acesso pedonal à via. Muito possivelmente, numa zona mais baixa do casario, se desenvolveria uma outra via que poderia fazer a ligação, mais a sul, às termas.
Apesar do conhecimento incipiente das zonas habitacionais existentes nessa área, pode-se verificar que as insulae dessa zona são de métricas diferentes, em função das ruas e acessos públicos, variando entre 25 a 30 m1. As escadarias que se desenvolvem a Sul desta delimitam claramente insulae, em torno das quais se pode ainda ver o respectivo sistema de esgotos.

A sua organização adapta-se perfeitamente à topografia deste sítio, implantando-se o casario em plataformas artificiais, que desde o ponto mais alto, onde se sobreporá no século XVI a Capela de S. Brás, a Norte da via, até à zona mais baixa, a Sul da mesma, formam como terraços.
A Este desta construção, ao longo da via, quer do lado norte, quer do sul da mesma, são visíveis vários muros dispersos, devendo tratar-se de habitações. No entanto, como todos eles foram postos a descoberto em anteriores trabalhos arqueológicos, através de valas abertas paralelamente aos mesmos, nada se pode concluir, porque nenhuma planta foi integralmente clarificada.
Na maioria das construções identificadas como tabernae, os pavimentos são de opus signinum, como acontece nas edificações junto à calçada que se dirige às termas, e nas zonas comerciais circundantes do fórum.
A mesma situação verifica-se em algumas das construções da "zona habitacional". No entanto, em muitas delas não é visível qualquer vestígio do mesmo, admitindo-se que, em alguns casos, fosse de madeira.

2. As áreas escavadas nos anos 90: a domus localizada na zona limítrofe da capela de S. Brás e as construções a noroeste do núcleo urbano

Na zona limítrofe da Capela de S. Brás, do lado norte da via por onde actualmente se faz a entrada nas ruínas de Miróbriga, iniciou-se em 1996 uma escavação numa área que já havia sido parcialmente assinalada pela equipa luso-americana, e que veio a revelar a existência de uma domus.

Desenho: Armando Guerreiro

Essa extensa construção desenvolve-se para Norte, em torno de um átrio.
Este átrio tinha uma zona coberta possivelmente porticada, como o comprovam a concentração de telhas no local e os entalhes regulares definidos no afloramento xistoso, que deveriam servir para apoiar o telhado. O pavimento da zona circundante do átrio era revestido a opus signinum, ou formigão, ainda visível em alguns pontos. Na zona central, a céu aberto, subdividida num segundo momento da ocupação da casa, poderia ter existido uma pequena zona ajardinada.
Por seu lado, os pavimentos das salas que se desenvolvem em seu redor deveriam ser feitos com traves de madeira, pois não existe qualquer vestígio de revestimento e o afloramento xistoso é bastante irregular, o que aliás é comum a algumas das residências localizadas nesta área.
A evidência de vários orifícios circulares escavados no xisto, no interior de alguns compartimentos da residência que escavámos, assemelhando-se a "buracos de poste", mas distribuídos sem qualquer aparente regularidade, contribuem para colocar esta hipótese, se bem se possa admitir uma outra funcionalidade para os mesmos.
Numa destas concavidades estava perfeitamente conservada, no compartimento localizado
à entrada da casa, ao nível da rocha de base, que havia sido escavada propositadamente para o efeito, uma tigela ou patella invertida, contendo no seu interior ossos de galinha, que pensamos poder tratar-se, efectivamente, de um ritual fundacional. A tigela invertida tinha em seu redor fragmentos de cerâmica que aí foram colocados intencionalmente para calçar e proteger a peça e, por cima, tinha terra.
Em alguns dos compartimentos centrais desta construção são visíveis estuques, mas não
foram identificados quaisquer indícios de pinturas a fresco, até porque a casa se encontra praticamente ao nível das fundações.
A única excepção trata-se de alguns muros mais altos construídos cm opus incertum, no limite oeste da mesma.
A atender-se aos poucos vestígios de derrube das construções (ao contrário do que acontece com os materiais de construção cerâmicos dos telhados — imbrices e tegulae), pode deduzir-se que as pedras devem ter sido roubadas e reutilizadas, situação essa bastante comum em Miróbriga, fundamentalmente nos locais em que o acesso era mais fácil, como os que se situam nos pontos mais altos, junto à actual entrada. Nas construções recentemente escavadas pudemos confirmar esta hipótese, havendo mesmo casos onde apenas restaram os negativos dos muros.
Ainda atendendo aos escassos muros que se conservam com uma maior altura, nada nos
permite concluir que pudessem os restantes ter sido edificados em adobe ou taipa.
Esta domus poderia ter tido dois pisos, porque se adossou, do lado oeste, uma escada, que deveria dar também serventia às construções que se desenvolvem num plano mais elevado, a Noroeste da habitação. Dessas edificações foram já postos a descoberto alguns muros, cujas fundações são ligeiramente enterradas no afloramento xistoso, que foi escavado para permitir uma maior estabilidade ao edifício. Também aqui muitos deles se encontram somente ao nível da fundação.
Entre a calçada, que se desenvolve a Sul, e a soleira da porta de entrada da "construção de átrio" escavada, existe um pavimento em opus signinum, desaparecido em grande parte, que permitia um acesso mais confortável e higiénico à mesma. É junto a esta zona que desaguavam as águas drenadas por uma conduta de imbrices.
Se bem que tenha sido encontrado um numisma republicano, a maioria dos materiais
arqueológicos provenientes desta construção apontam para uma ocupação que vai do século I à segunda metade do século V d.C.
A escavação na íntegra desta casa e das adjacentes é fundamental, pois só ela permitirá a compreensão de uma insula de Míróbriga.

E, no entanto, de salientar que a planta desta habitação já parcialmente escavada é paralela à da capela de S. Brás, edificada, a Noroeste, ao lado e sobre estruturas romanas, devendo pertencer ao mesmo programa urbanístico.
Os restos de uma casa romana, escavada por José Olívio Caeiro, nos anos 80, e que são ainda visíveis junto à capela, pertenceriam, portanto, a um conjunto residencial mais vasto que se estendia do lado norte da calçada, adaptando-se ao declive natural do terreno.
Numa área a Oeste da actual entrada de Miróbriga, iniciaram-se, em 1997, trabalhos arqueológicos, tendo sido inicialmente feitas algumas sondagens para averiguar da possibilidade de aí ser construído o que veio a ser o "Centro Interpretativo ". A superfície foi encontrada uma moeda de Marco Aurélio e, já pertencente a um nível arqueológico bem selado, de fundação de algumas construções, foi encontrado um outro, cunhado em Mérída no reinado de Augusto.
Se bem que grande parte da área escavada se tenha vindo a manifestar estéril do ponto de vista arqueológico, é um facto que nessa zona foram implantadas duas construções que nos parecem estar articuladas com a "área residencial", pois obedecem praticamente à mesma orientação das casas localizadas na área limítrofe da capela de S. Brás.
Entre estas zonas deveria haver uma outra calçada que, embora não seja visível nas proximidades da área escavada, é um facto que dela restam ainda algumas lajes, junto ao caminho de terra batida, por onde se acede pelo lado poente das ruínas à zona adjacente às termas.
Na zona limítrofe de uma dessas construções, detectou-se uma enorme concentração de escória, associada a uma terra barrenta que foi sujeita a alta temperatura, porque se encontra cozida, como se de terracota se tratasse. Deveria tratar-se, também, de uma zona onde existiam ateliers metalúrgicos.
De salientar que já Cruz e Silva havia referido a existência de fornos siderúrgicos de grandes dimensões: 2,30 m de diâmetro e 4,60 m de altura, se bem que não tenhamos elementos que nos permitam localizá-los.
Uma das edificações escavadas na zona a que nos vimos a referir, a localizada mais a Sul, tem uma planta cujos compartimentos se parecem organizar em torno de uma área com uma centralidade funcional, pois por ela se acede a outras zonas da casa.
Nesse compartimento central que se situa encostado ao limite oeste da construção, surgiram lajes calcárias alinhadas, localizadas apenas junto aos muros, parecendo tapar um sistema de canalização ou drenagem de águas.
Para a construção da casa, edificada em opus incertum, foram feitas fundações escavadas no afloramento xistoso.
Para permitir a impermeabilização das construções, implantadas numa zona de grande pendente, os muros limite foram revestidos na sua zona mais baixa por uma camada oblíqua de opus signinum. Esta situação é também comum a outras edificações de Miróbriga, bem como na entrada dos Balnea.
Admitimos que em alguns dos compartimentos destas construções o pavimento deveria ser de madeira.
Numa dessas edificações, localizada mais a Norte, num compartimento onde não era visível qualquer pavimento, foram encontrados vários alvéolos escavados no xisto, contendo alguns deles cerâmica depositada.
No interior de um deles que se encontrava preenchido por uma terra pouco compacta misturada com grogue, encontrou-se também uma tigela ou patella fragmentada, numa deposição invertida, análoga à acima descrita na domus. A sua tipologia é também similar à da domus, se bem que sem qualquer depósito no seu interior.
Relativamente próximo, surgem três alvéolos anexos, contendo terra pouco compacta no
seu interior. Num deles apareceram depositados, numa posição que se verificava claramente voluntária, vários fragmentos de cerâmica comum. No bordo do alvéolo, numa situação que poderá já deixar dúvidas quanto à intencionalidade de deposição, surgiu um outro bordo de uma taça.
Num segundo, encontrava-se parte de um recipiente, fragmentado de grandes dimensões em cerâmica comum de excelente qualidade, que possuiria tampa dado o encaixe que apresenta na parte superior do bojo. Este vaso era decorado cora duas bandas de guillochis e possuía fundo em pé-de-anel pouco acentuado. Ao contrário das anteriormente referidas, esta peça não se encontrava invertida e no seu interior havia um grande bloco de quartzo.
O terceiro alvéolo não possuía qualquer deposição.
Na área central do compartimento existia uma extensa depressão formando um L, também
escavada no xisto, com uma profundidade análoga à dos alvéolos, com cerca de 15cm em média, que continha uma terra pouco compacta com pequenos restos de cerâmica comum, grogue, um bordo cerâmico e um pequeno fragmento de vidro. Neste caso, a admitir-se que se trata de uma área funcional, não estamos perante uma deposição intencional, mas de um enchimento posterior à sua possível utilização em articulação com o dreno anteriormente referido.
Admitindo-se esta interpretação, e considerando esta sigillata como terminus post quem para a desactivação desta "vala", a utilização deste espaço como área funcional é, portanto, anterior ao século II d.C., o que nos leva a concluir que a ocupação desta área do oppidum romanizado se deverá ter processado desde bastante cedo, não conferindo, portanto, à zona onde foi implantado o fórum o papel único de polarizador do crescimento de Miróbriga em período de dominação latina.




































Tacinhas enterradas no xisto. Escavação coordenada por Filomena Barata


Para confirmar tal hipótese podemos referir a existência do numisma augustano já anteriormente citado e de alguns fragmentos de cerâmica campaniense encontrados nas zonas limítrofes das construções escavadas.



















Desenho: José Carlos Quarema


3. O significado votivo das oferendas enterradas

As oferendas enterradas numa fossa (bóthros) ou no solo dirigem-se, no universo romano, genericamente ao mundo dos mortos, quer se tratem de divindades infernais, quer de cultos de fundação ou rituais iniciáticos, cuja finalidade é a esperança na ressurreição e na vida eterna.
Os cultos fundacionais, por seu lado, têm como modelo o exemplo do mundus, a mítica fossa onde os companheiros de Rómulo, fundadores de Roma, haviam colocado terra dos seus locais de origem e outros bens necessários.
Para situações como as de Miróbriga de oferendas enterradas, pertencentes aos sacraprivata, existem inúmeros paralelos, entre os quais citaremos o de Tolegassos, na região das Ampúrias, publicado por Josep Casas e Ruiz de Arbulo, na sua maioria contendo ovos ou galináceos no seu interior.
Se os ovos, que representam a fecundidade ou a força genésica primordial, portanto, a própria ideia da vida, da eternidade ou da ressurreição, acabam por pertencer a um dos mais comuns motivos decorativos quer de bens de utilidade doméstica quer de elementos arquitectónicos — os óvulos — ou mesmo em pinturas domésticas, como é o caso dos larários de Pompeios ou de Delos, também a representação de galináceos, se bem que não tão vulgar, é relativamente comum nos utensílios domésticos. Apenas a título de exemplo, é de referir que só no depósito votivo de Santa Bárbara apareceram cinco Iucernas com galos a decorar o disco (Maia e Maia, 1997, p. 105).
Também é sobremaneira conhecida a utilização de aves e de galináceos na consulta aos auspícios e em vários sacrifícios rituais religiosos, mistéricos, iniciáticos e funerários.


Base de estátua do templo imperial, Museu de Évora

Para a interpretação dos auspícios, a observação dos pássaros em voo e, principalmente em finais da República, a análise do comportamento dos frangos sagrados eram as técnicas mais utilizadas, existindo mesmo um ptdlarius encarregado de observar estes últimos. Nos sacrifícios o galo era consagrado quer aos deuses solares, como Apoio, quer aos lunares. É também o animal de Mercúrio, que, por vezes, é representado cavalgando um galo. É a ave votiva típica de Esculápio, sendo comummente sacrificada a essa divindade.
No caso das oferendas enterradas de carácter mais funerário, como é o caso da patella invertida de Miróbriga, poderemos admitir que se revestissem de um carácter apotropaico, unia vez que, deste modo, os Romanos tentavam libertar-se da vingança ou maldição dos espíritos irritados dos seus Manes e, assim, proteger as habitações de qualquer influência maléfica.

Esta tradição de proteger a entrada da casa contra as influências nefastas, sobretudo o umbral da porta, tem em Roma uma tradição arcaica, muito provavelmente de origem etrusca.
As oferendas poderiam ainda contribuir para honrar e apaziguar o genius, que, como princípio de fecundidade genésica, assegurava através do indivíduo a que estava vinculado, a perpetuação das gerações.
Se bem que apenas uma das oferendas de cerâmica recentemente encontradas contivesse
restos faunísticos de um galináceo, com funções claramente apotropaicas, podemos, no entanto, admitir que as cerâmicas enterradas da zona recentemente escavada contivessem apenas terra, que funcionava como uma referência ao mundus.
As tuas "tacinhas" ou malgas encontradas na zona designada pela equipa luso-amerícana
como "templo proto-romano" poderiam tratar-se, também elas, de depósitos votivos fundacionais, até porque embora apenas uma contivesse ossos de ave, ambas se encontravam invertidas e com o fundo partido, situação que aliás é comum a outras deposições, onde foram utilizados vasos usados ou mesmo parcialmente fragmentados.


Relembro ainda que segundo a mitologia Clássica considera-se que o Universo surgiu a partir de um ovo Cósmico semelhante ao de um pássaro, mas muitos outros povos, como os chineses, os indus, finlandeses, japoneses, índios americanos, povos africanos,têm a sua cosmogonia derivada do ovo, a que se associa a ideia de fertilidade, nascimento e ressurreição, como se pode confirmar nos tradicionais ovos de Páscoa.




Fotografia a partir de: http://archaeology.org/issues/135-1405/artifact/1964-turkey-sardis-egg-bowl-magic
Por sua vez as aves e pássaros são considerados mensageiros dos deuses ou símbolo de verdades ocultas só ao alcance dos inciados, motivo pelo que o deus dos viajantes, Mercúrio, na mitologia romana,(associado ao deus Grego Hermes)tem um capacete e pés alados. Esta divindade era mensageiro de Júpiter e deus da venda, lucro e comércio, pelo que é notória a associação do seu nome à palavra Mercadoria ("merx"), mas também dos ladrões. É também a personificação da eloquência e da inteligência. O planeta Mercúrio deve-lhe o nome muito possivelmente porque se move como a divindade rapidamente no céu.

Não é, portanto, de admirar porque tenham sido também atribuídas por outros povos antigos designações de pássaros a muitas constelações como "constelação do Corvo" - no céu austral próximo ao Equador; do "Cisne" que era inicialmente chamada de "Galinha"; da "Águia" - o pássaro de Júpiter; do "Galo", do Ganso, da Pomba.

A Via Láctea é, por sua vez, considerada o "Caminho dos Gansos Selvagens" entre os povos nórdicos.

Fica assim justificada simbolicamente a necessidade de fazer enterramentos com ossos de aves ou galinácios com valor apotropaico em rituais fundacionais, a exemplo do que acontece nas habitações de Miróbriga ou do que foi designado pela equipa luso-americana como "Templo da Idade do Ferro".


Adaptação a partir de :
Maria Filomena Barata, 1999, «As habitações de Miróbriga e os ritos domésticos» in REVISTA PORTUGUESA DE Arqueologia. Volume 2.Número 2.