sexta-feira, 30 de novembro de 2018

O CULTO MITRAICO E AS DIVINDADES SOLARES (reed. de 24.01.2016)


O CULTO MITRAICO E SUA REPRESENTAÇÃO EM PORTUGAL

Por Filomena Barata
(publicado em Portugal Romano e posteriormente actualizado, agradecendo a Cátia Mourão alguns bons comentários ao texto inicial)

Introdução
«O culto desta divindade da luz, protectora dos exércitos, e que patenteava às almas dos homens post mortem as regiões da glória eterna, propagou-se no orbe romano no tempo dos Flávios (séc. I), e desenvolveu-se no dos Antoninos e Severos (séc. I-II), mas talvez já contasse fiéis em Roma desde os fins da República, após as expedições de Pompeio ao Oriente. Para tornar solene tal culto, que a certos respeitos foi rival do Cristianismo, nada faltava: templos ou mithraea, alguns muito notáveis, edificados debaixo da terra, ou em desvios de montanhas; obras de arte; uma série hierárquica de iniciados (sacrati); clero activo; cerimónias secretas (mysteria); sacrifícios; libações: hinos; baptismo putificador; festas de sentido místico».

José Leite de Vasconcellos, Ed. 1913; Religiões da Lusitânia, pp: 334-335).





KRONOS Mitra, ou personificação do tempo infinito, sg.Cumont
(Bajorrelieve de Modena, Rev. arco. , 1902, I, p. 1.).
A partir de:

http://www.bloganavazquez.com/category/religiones-antiguas/r-roma/
O Sol, sendo a maior luz do céu visível aos Humanos, é para muitos povos um dos símbolos mais importantes, sendo até venerado como um Deus, ou encarado como manifestação da divindade entre muitos.
Ao contrário da Lua, o Sol que tem luz própria, é afinal a própria essência da Luz, e é quase sempre interpretado como símbolo masculino e por isso associado ao princípio Yang.
Ou seja, representa em muitos culturas, se bem que nem em todas, o princípio activo, enquanto a Lua é um princípio passivo.
Ao Sol associa-se a noção de calor e de Vida, pois sem ele nada sobrevive.
Na Alquimia ele corresponde ao Ouro, encarnando a ideia do espírito imutável.
Sendo muitas bem vezes invocado como “olho omnipresente do Sol”, como acontece no «Prometeu Agrilhoado», de Ésquilo, divindade que é castigada por roubar o Fogo do Olimpo e dá-lo aos Homens, ou “Olho do Deus Supremo”, como acontece entre os Bosquímanos, assume no culto mitraico um papel fundamental, tendo mesmo caracteristicas iniciáticas.

Em Roma é Apuleio, escritor do século II d. C. que nos dá conhecimeno de alguns dos cultos mistéricos, pois segundo o próprio, teria sido iniciado em diversos. São estas as suas palavras: «Na Grécia fiz parte de iniciações na maior parte dos cultos mistéricos. Conservei ainda, com grande carinho, certos símbolos e recordações destes cultos, que me foram entregues por sacerdotes. Não estou dizendo nada insólito, nem desconhecido». (APULEIO, Apologia, LV, 8). 

E, diz-nos ainda : Pois bem, eu também, como já disse, conheci, por meu amor à verdade e minha piedade aos deuses, cultos de toda classe, ritos numerosos e cerimónias variadas. E não estou inventando esta explicação para acomodar-me às circunstâncias [...] (APULEIO, Apologia, LV, 9-10).
A expressão “religiões de mistérios” em Roma refere-se, normalmente, ao culto de Ísis, Mater Magna ou particularmente Mitra, de Dioniso/Baco, e, igualmente, ao culto de Elêusis, representante dos mistérios propriamente ditos, os mistérios de Elêusis, ritos de iniciação ao culto das deusas agrícolas Deméter e Perséfone e que se realizavam na cidade greca, nas proximidades de Atenas, considerados os de maior importância entre todos os que se celebravam na Antiguidade.

É, pois, através de Lucius Apuleius (Apuleio), nascido na colónia de Madaura, (actual Argélia) cerca de 125 d.C., descendente de uma influente família de Itália, e que viveu em Cartago, tendo também estudado em Atenas, que se conhece, como acima se dizia, os “Cultos Mistéricos” da Antiguidade Greco-Latina.
em Cartago, Apuleio se interessara pelos ritos esotéricos, designadamente pelos mistérios, bem como pelo estudo da poesia, geometria, música e filosofia mas é, em Atenas, que toma contacto com os mistérios elêusinos.

Os mistérios de Elêusis eram ritos de iniciação ao culto centrado nas deusas agrícolas Deméter e Perséfone/Prosérpina, que se celebravam em Elêusis, localidade da Grécia próxima de Atenas. Eram considerados os de maior importância entre os que se celebravam na Antiguidade. Neles se reflete o culto da Grande Mãe, trazido do Egito através de Ísis.
Em Deméter/Ceres o povo reverenciava a terra-mãe e a deusa da agricultura, enquanto seus iniciados (filhos da lua) reverenciavam nela a luz celeste, mãe das almas, inteligência divina e mãe dos deuses cosmogónicos.
Estes mitos e mistérios foram adoptados pelo Império Romano. Os ritos e crenças eram guardados em segredo, só transmitidos a novos iniciados, ou neófitos. Deméter e sua filha, Perséfone, (Ceres e Proserpina para os romanos), presidiam aos pequenos e aos grandes mistérios.

Na Apologia (LX, 9), Apuleio assume-se iniciado nos mistérios de Líber, uma das denominações utilizadas pelos romanos para o deus Baco e, no No Livro XI da Metamorfoses, o autor faz uma pormenorizada descrição de um ritual de iniciação aos mistérios de Ísis que faz admitir que conhecia esse o culto.
Contudo, Apuleio não nos deixa nenhuma referência sobre Mitra.

Estes mistérios foram adoptados pelo Império Romano, os ritos eram guardados em
segredo, só transmitidos aos novos iniciados.

Por seu lado, o culto do Sol e toda a "família cósmica" tem uma londa tragetória,
e encontra-se entre os elementos mais antigos cultuados em toda a Antiguidade. 
Lembremos Osíris entre os Egípcios, descendente direto de ́ (o deus da criação, o Sol) que representava as forças telúricas e a vegetação, fonte de energia, da vida. Era ainda o deus do Nilo, que anualmente visitava a sua esposa, Isis (a Terra), fertilizando-a. Osíris significa muitos-olhos,  denominação apropriada para representar os raios do Sol .
Osíris dá origem, no Mundo Helenístico, a uma divindade sincrética conhecida por Serápis, a cujo culto se acedia através de rituais, pertencendo assim a um dos variados "cultos mistéricos" que o Ocidente importou do Oriente, como Ísis e Mitra, entre outros.

Serápis (Sarapis, Zaparrus) assume assim as características de várias divindades de origem egípcia do período ptolomaico e helenístico, sendo introduzido em Alexandria, por volta do século IV a.C., reunindo tradições religiosas egípcias e helénicas. Do lado egípcio, a divindade identificava-se com Osíris; do lado grego aproximava-se de Dioniso, essa divindade também cultuada  em festas nocturnas, secretas , frequentadas exclusivamente por mulheres onde eram centrais o vinho e a abundância. 

É este o testemunho de Macróbio, autor latino nascido por volta de 370 d. C., na Numídia, em África, a propósito do culto de Serápis:
«Na cidade na fronteira do Egito que se orgulha de Alexandre da Macedónia como seu fundador, Sarápis e Ísis são adorados com uma reverência que é quase fanática. Prova de que o sol, sob o nome de Serápis, é o objecto de toda a reverência».

Macróbio, Saturnalia (I.20.13).

A sua devoção manteve-se durante o período romano.
Com o triunfo do Cristianismo, os seguidores de Serápis passaram a ser perseguidos e seus locais de culto destruídos.
No reinado do imperador Teodósio, em 391, o grande Templo de Serápis, em Alexandria, foi arrasado por ordem do bispo Teófilo, perdendo-se não só o templo como  a Grande Biblioteca de Alexandria "Filha" (a Biblioteca "Mãe" foi queimada por Júlio César, por acidente).
 Hélios, também entre os Gregos, representa a divinização do sol, filho de dois Titãs - Teia e Hiperião -  e irmão de Eos (a deusa da alvorada) e Selene (a deusa da Lua).
Era uma divindade anterior aos deuses olímpicos, cujo culto parece ter tido origem na Ásia, afinal o Astro-Rei a quem os Romanos continuaram a prestar, mais tarde, devocio, através do Sol Invictus.
Era representado como um jovem de grande beleza, com a cabeça coroada de raios, como se fosse  uma cabeleira de ouro que aparecia cada manhã, precedido pelo carro de Eos (a Aurora), e avançava derramando luz sobre o mundo dos vivos.
Apolo, também identificado como Febo (brilhante), era o deus da juventude e da luz da verdade, reconhecido primordialmente como uma divindade solar, surge muitas vezes associado a Hélios. Era o deus da divina distância, que ameaçava ou protegia do alto dos céus. 
Assim o canta o poeta Ovídio ( 43 a.C.-17 ou 18 d.C.):

“Ostentando uma veste púrpura, Febo achava-se sentado em um trono de esmeralda resplandecente. À direita e à esquerda, achavam-se os Dias, as Horas, dispostas em espaços iguais. Também lá se encontravam-se a Primavera, cingida de uma coroa de flores, o Verão nu e trazendo uma grinalda de espigas, e o Outono sujo com as uvas espremidas e o glacial Inverno, com a cabeleira branca desgrenhada”. (Metamorfoses).
Adoptado por Roma, sabe-se através da obra de Suetónio, escrita em 121 d.C. , «A Vida dos Doze Césares», que:

“Levantou o templo de Apolo nas cercanias da sua casa no Palatino, atingida certa vez por um raio e onde, segundo declaração dos arúspices, aquele deus tencionava ter morada. Acrescentou ao templo um pórtico com uma biblioteca latina e grega. Era ai que nos dias de sua velhice convocava muitas vezes o Senado e passava em revista as decúrias dos juízes”.

(SUETÓNIO, A Vida dos Doze Césares, 1966, p. 92-93).

O culto ao Sol também era conhecido em Roma desde épocas remotas existindo um templo dedicado ao Sol (bem como um sagrado à Lua) no Circus Maximus, onde as corridas de cavalos tinham lugar sob os auspícos das divindades. (Tácito, Anais, XV.74; Tertuliano, Dos Espectáculos, VIII.1).
Na época de César, Roma rende-se definitivamente ao culto do Sol Invictus e depois do grande incêndio de 64 d.C. , quando uma grande parte de Roma foi destruída,  Nero manda edificar uma estátua colossal do mesmo, com 120 pés de altura.  (Suetónio, Vida de Nero, XXXI.), que Vespasiano converte numa ao Sol, colocando sobre a sua cabeça uma coroa radiante (Suetónio, Vespasiano, XVIII.1; Plinio,  História Natural, XXXIV.45). Vespasiano foi também o primeiro imperador a colocar a imagem do Sol numa cunhagem oficial.


Musei Vaticani - Mithra 
Roma assitira, com o principado de Augusto, por um lado, a um retorno dos valores antigos da religião romana, assumindo-se o império como um período de “Restauração” dos valores religiosos ancestrais e, por outro, à oficialização de alguns cultos orientais, que vão ter particular adesão, quer pelos orientais com domicílio no Ocidente, quer pelos cidadãos e legionários romanos.  
Mitra, ou Mithras, cujo nome significa em Sânscrito «Amigo»; em Persa quer dizer «Contrato», trata-se de um Deus luminoso que incita os homens a seguirem o Seu caminho no combate pela Luz contra as Trevas.
Mitra a quem tem sido atribuído um forte carácter solar é, contudo,  a síntese da Luz do Sol e da Lua, e o Domingo é o dia dedicado ao seu culto. (no Latim pagão, domingo é Dies Solis, ou «Dia do Sol»).
Talvez por isso mesmo a data do seu nascimento corresponda, tal como o nascimento de Jesus Cristo, ao Solstício de Inverno, momento a partir do qual os dias reçomeçam a crescer.

Tratando-se uma divindade que foi incorporada no panteão romano entre os séculos I e III d.C., vinda da Pérsia, sabe-se que na Índia esta divindade védica é referenciada desde cerca de 1380 a. C., tratando se um irmão de Varuna. 
O primeiro testemunho escrito conhecido que refere Mitra situava-o na região do reino de Mitanni, situado no noroeste e nordeste da Mesopotâmia de 1 600 a.C., até o auge de seu poder, no século XV a.C., abrangendo o que é hoje o sudeste da Turquia, o nordeste da Síria, norte do Iraque (o que corresponderia ao chamado Curdistão).
Existindo uma antítese entre os dois entre dois irmãos. Mitra, representa a entidade conciliadora e luminosa, próxima da terra e dos homens e Varuna seria o aspecto mágico, violento, terrível de tenebroso.


Por sua vez há quem filie o deus Persa Mitra no Zoroastrismo, cujo profeta era Zaratustra, também conhecido na versão grega Zoroastro. Na doutrina zaratustriana, antes da criação do mundo, reinavam dois espíritos ou princípios antagónicos: os espíritos do Bem (Ormuz) e do Mal (Arimã). Divindades menores, génios e espíritos ajudavam Ormuz a governar o mundo e a combater Arimã e a legião do mal. Entre as divindades auxiliares, a mais importante era Mithra, um deus benéfico que exercia funções de juiz das almas.
Mithra entra na esfera helenística com Alexandre, por volta de 330 a.C. com a queda do império persa, onde parece ter tido sempre um lugar destacado 

No final do século III d.C, em Roma, a religião de Mithra fundiu-se com cultos solares de procedência oriental, configurando-se no culto do Sol. 

O deus Mitra assume-se aí como o responsável pela criação do mundo, representando a ordem cósmica e a salvação da humanidade depois do combate com Hélios. Foi por isso bem acolhido entre os exércitos e todos aqueles que arriscavam a vida. 


Mithra portant le jeune taureau mort. Provenance : Mithraeum de Sidon. 2e siècle, 3e siècle, Empire romain (27 av J.-C.-476 ap J.-C.) (période). Paris, musée du Louvre
Mitra carregando um touro. Paris, Musée du Louvre
Fotografia a partir:
https://www.photo.rmn.fr/C.aspx?VP3=SearchResult&IID=2C6NU0PJ35BZ&fbclid=IwAR15eGqS605sGQMTmWfaRrabCZM88UBY4hFmFd9CISW9Upqn5DQ5CJBeA_o



«Mithras was a Persian creation god, as well as the god of light. Mithraism, the mystery religion associated with him, spread throughout the Roman Empire. Initiation into Mithraism was restricted to men and was especially popular with soldiers in Rome and on the northern frontier during the 2nd and 3rd centuries AD. According to the Persian myth, the sun god sent his messenger, the raven, to Mithras and ordered him to sacrifice the primeval white bull. At the moment of its death, the bull became the moon, and Mithras's cloak became the sky, stars, and planets. From the bull also came the first ears of grain and all the other creatures on earth. This scene of sacrifice, central to Mithraism, is called the Tauroctony and is represented as taking place in a cave, observed by Luna, the moon god, and Sol, the invincible Sun god, with whom he became associated in Roman times. Mithras is generally depicted flanked by his two attendants, Cautes and Cautopates, and accompanied by a dog, raven, snake, and scorpion. This central medallion from a floor mosaic depicts the birth of Mithras. Emerging from a dark cave, he is flanked by his two attendants, Cautes and Cautopates. Above him flies the raven, associated with the creation myth and with the first level of initiation into his cult»
Descrição e fotografia a partir de:
https://art.thewalters.org/detail/18964/fragment-of-a-mosaic-with-mithras/?fbclid=IwAR0X8g0QG9mw7rAZOZ3NuMjV97z8qNca3KlCSgdU60CteiVrd3e5NZeMMTc
O Culto e sua difusão pelo Império Romano

File:Mitreo Pisa.jpg

Relevo do Mitreu de Pisa
Author LoneWolf1976
https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Mitreo_Pisa.jpg



MITRA GRAND MITHRAIC BAS-RELIEF OF HEDDERNHEIM, GERMANY.

Ao que se sabe, o culto mitraico parece ter chegado ao Ocidente no decorrer do século II d.C., através das legiões romanas, tendo grande impacto em Roma e data dessa centúria a construção de inúmeros santuários, ou Mithraea.

A primeira referência escrita ao culto mitraico é de Plutarco (QueroneaBeocia c. 46 ou 50 - Delfos c. 120) ,  referindo que Pompeu havia feito prisioneiros, em 67 a. C. , 20.000 piratas cilicianos, provenientes uma província na costa sul da Ásia Menor,  que praticaram os mistérios mitraicos.

Daqui, esta religião e culto chegou aos países do Danúbio e a Itália. Os principais adeptos de Mitra eram soldados, como acima dizíamos, funcionários administrativos e comerciantes.
                                              
Mitreo da serpente no  Porto da Cidade romana de  Óstia – Roma
No Ocidente, o seu culto acabou por confundir-se com o do Sol Invictus, ou Sol Invencível, pois verifica-se, em finais do século III, o sincretismo entre a religião de Mitra e outros cultos solares de procedência oriental. É em finais dessa centúria, em 274, no reinado de Aureliano, que atribuiu a Sol Invictus as suas vitórias no Oriente, que esta religião se torna oficial, tendo o imperador mandado edificar em Roma um templo dedicado ao deus e foram incumbidos sacerdotes de lhes prestar culto.
O máximo dirigente deste era o pontifex solis invicti.
O mitraismo manteve-se como culto não oficial, havendo quem professasse, ao mesmo tempo, o mitraísmo e a religião do Sol Invictus.





Mitra tauroctone como Sol Invictus. Século III. Museu Pio-Clermentino. Roma. Itália.




«Mithras looks away from the dying bull, up to the moon. Also, Mithras has a few little helpers that accompany him in taking the bull's fertility: a dog and a snake drink from the bull's blood, and a scorpion stings the bulls scrotum. A raven sits on the bull's tail that ends in ears of corn. The raven could have played the role of a mediator between Mithras and the sun god Sol invictus, with whom Mithras will share the meat of the bull. He looks down at the scene from the upper left corner.»
2nd or 3rd century CE. Römisch-Germanisches Museum, Cologne, Germany.


«Ainda que posteriormente se tenha verificado uma associação a Sol Invictus, no entanto, considerar-se a priori que ambos representaram um único deus (é dizer, Mithra) pode resultar incorreto, uma vez que se verificam suficientes diferenças entre as divindades. A confusão tem origem em alguns episódios do próprio mito mitraico onde era feita a associação: Mithra era o deus da luz solar, tal qual como o Sol. Ademais, acrescente-se que o ‘Tempo’ como princípio ordenador do movimento dos astros, ocupou um lugar essencial dentro da teologia mitraica. A sua divinização, tal como a do Sol, tiveram uma origem comum na influência semita de tipo astrológico que recebeu a religião iraniana. Neste âmbito, uma invocação a Deo Soli Invicto Mitrae Saeculum, simbolizaria uma tendência de sincretizar num conceito Mitra, Sol e Saeculum» (Reis, 2014: 252).


Na fotografia: Sol numa quadriga com o círculo do Zoodíaco. Século III d. C. , proveniente de Munster, Alemanha.
Bonn RLM 67
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Mitra na Hispânia
Com a chegada dos invasores romanos à Península Ibérica, e particularmente dos exércitos, originou-se um novo surto desses cultos orientalizantes, apesar da sua penetração no Ocidente ser de período muito anterior ao romano.


«Casa de Mitra (Mérida) onde apareceram os restos de um templo dedicado ao culto de Mitra.»

Quer no sítio arqueologico romano de Tróia, Grândola, quer em Beja (Pax Juliaestá comprovado o Culto Mitraico, que se expandiu na Hispânia a partir de finais do século II – inícios do século III d. C., a par de outros cultos orientais, tais como de Serápis, Ísis, Cibele-Magna Mater .
O Sol ou Ormuzd, para os Persas, enquanto fonte de Luz, representava a Vida, a Saúde e a Fertilidade da terra enquanto criadora de todas as coisas necessárias à sobrevivência do Homem; à Lua ou Arimânio, atribuíam-lhe forças maléficas; as trevas e a esterilidade da Terra.
Mitra surge assim como um terceiro elemento, como uma espécie de divindade mediadora entre duas forças antagónicas, viabilizando o nascer de um novo dia, ou seja, não permitindo que a Lua ocultasse o Sol.
Mais do que o Sol, Mitra representa a Luz Celestial, ou a essência da Luz, que desponta antes do Astro-Rei raiar e que ainda ilumina depois dele se pôr e, porque dissipa as trevas, é também o deus da Integridade, da Verdade e da Fertilidade, motivo pelo que também surge associado à força genésica do Touro, o Touro primordial que Mitra é incumbido de matar, como de seguida falaremos.
Segundo as lendas de origem persa, Mitra terá recebido uma ordem do deus-Sol, seu pai, através de um seu mensageiro, na figura de um corvo. Deveria matar um touro branco no interior de uma caverna.

O Ritual de Mitra


O ritual de iniciação nos mistérios de Mitra era remetido à lenda matricial da Tauroctonia, que exigia o sacrifício do touro. O sacrifício deste animal foi, aliás, uma constante no mundo mediterrânico oriental e greco-latino, onde assume um carácter fundacional, pois culto deste animal assenta a sua sacralidade no seu vigor e violência cósmica, e num poder fecundante. 

Contudo trata-se de um sacrifício fundacional da própria divindade, não devendo ser praticado ou replicado nos templos de Mitra, tanto mais que a arqueologia nos comprova que nem os espaços exíguos dariam para o efeito.

Representação de Mitra, Angers
É a morte ritual do touro sacrificial que dá origem à vida com o seu sangue, à fertilidade, à dádiva das sementes que, recolhidas e purificadas pela Lua, dão origem aos “frutos” e das espécies animais, pois a sua carne é comida e o seu sangue é bebido.

A maior parte dos santuários dedicados a Mitra eram em câmaras subterrâneas, como bancadas lado a lado, e algumas vezes mesmo em grutas artificiais.
Os candidatos à iniciação dos mistérios mitraicos, praticados quer na Pérsia, quer em Roma, tinham provas iniciáticas e vários graus de iniciação, e o neófito, antes de fazer o seu voto sagrado, sacramentum, prometia não trair o que lhe havia sido revelado. Depois, o iniciado subia os sete degraus, recebendo em cada um deles um nome diferente. As mulheres estavam excluídas. 
«Segundo o Mitraismo, a Alma para se libertar deve atravessar sete esferas, assinaladas por sete portas, casa uma das quais está guardada por um anjo do Deus das Luzes (…) A cada porta corresponde um grau de iniciaçao mitraísta», Julius Evola, Tradição Hermética.

As Cerimónias mistéricas decorriam em santuários subterrâneos, os mitreus que simulavam a gruta da tauroctonia, e o facto de Mitra ter nascido numa gruta, ou seja,  trata-se de um deus petrógeno.


Ao que se sabe, Mitra fazia-se acompanhar de dois «auxiliares do ritual» a que nos referiremos de seguida e tinha 12 discípulos. 

Os templos estão virados a Norte.

O banquete ritual da morte do touro, sempre em companhia do Sol, viabiliza ainda aos adeptos do culto mitraico o “nascimento para uma nova vida” ou “Renascimento” que o Cristianismo, que baniu a ideia de sacrifício iniciático, transformou na água do baptismo e através da Eucaristia em pão e vinho, substituindo o sangue e a carne do touro divino.


«Sacrificando o touro, um acto eternizado em frescos e pinturas, o sangue, que jorra do pescoço do touro, corre pelos campos fertilizando-os e deles fazendo brotar toda a força e riqueza da Mãe Natureza, a quem Mitra se encontra intimamente ligado. Nestas representações, aparecem, junto a Mitra e ao touro, um cão e uma serpente, um corvo e um escorpião. Às vezes, aparecem também um leão e uma taça. Cada um destes elementos tem uma constelação como hipóstase: Cão, Hidra, Corvo, Escorpião, Leão, Cratera e Touro. Explicando o significado simbólico desta cena, estaríamos a assistir ao fim da Era do Touro, ao final desta constelação a marcar o equinócio da Primavera. Matando o Touro, Mitra está mexendo no Universo inteiro, acto só ao alcance de um deus»


William Carvalho, 2009, «Ascensão e queda do deus Mitra» (1)



Aliás, O Sol, a Lua, o corvo mensageiro, o escorpião, a serpente, o cão, o leão e o touro são atributos de Mitra.

«Mitreo S. Prisca – Roma» 


O deus solar Mitra parece ter nascido a 25 de Dezembro, numa gruta que simboliza o firmamento e, a sua abóbada, o céu de onde sairá a Luz para a Terra, motivo pelo que muitos templos parecem ter sido abobadados. 

Por isso mesmo os rituais de iniciação mitraicos também podiam ser praticados em gruta ou cavernas naturais, como acima referimos. Mais tarde, optou-se por construções escuras e sem janelas que imitavam as cavernas naturais.


Os templos tinham uma capacidade limitada e, na maior parte deles não podiam caber mais do que trinta ou quarenta pessoas. Geralmente Mitra, que se faz sempre acompanhar do Sol, Hélios, tem ainda um corvo à sua esquerda – que curiosamente é também o totem do deus solar de origem celta Lug, – e no ângulo esquerdo tem a figura do Sol e, à direita, da Lua.

Quando o culto a Sol Invictus foi oficializado pelo Imperador Aureliano em 274 d.C., o seguidores do mitraísmo identificaram Mitra com a própria divindade solar. 
O ritual do mitraísmo do que dele se conhece implicava uma complexa cerimónia de iniciação em sete estágios ou graus, o último dos quais firmava uma amizade mística com a divindade com várias provas. A admissão à participação no culto permitia que o iniciado pudesse participar dos sacramentos.



O grau de Corvo (Corax) – simbolizava a morte do neófito, o qual deveria renascer como um novo homem.


Tratando-se de um culto cósmico, os Mitrae têm toda essa carga simbólica.

No centro do templo muitas vezes está representado Mitra, Cautes (simbolizandoo o Solstício de Inverno) e Cautopates (representando o Solstício de Verão), os portadores do fogo fazem uma tríade divina com o próprio Mitra.
Comentários
Organização do Templo mitraico
Imagem a partir de:
https://www.youtube.com/watch?v=Ww9B0130uAY



Mitreu de Felicissimo, Óstia







Slide da autoria de Cátia Mourão

Em recente descoberta, Córcega, em Mariana, uma cidade romana localizada no nordeste da ilha, próxima de Lucciana, foi detectado um santuário dedicado a Mitra com vários espaços, entre eles uma antecámara e um lugar de culto. Os iniciados reclinavam-se nuns bancos situados ao longo das paredes de uma sala rectangular iluminada com lucernas, tendo sido três encontradas intactas. 
http://terraeantiqvae.com/profiles/blogs/un-santuario-dedicado-al-dios-mitra-sale-a-la-luz-en-corcega?utm_source=feedburner&utm_medium=email&utm_campaign=Feed%3A+TerraeAntiqvaeRevistaDeArqueologaEHistoria+%28Terrae+Antiqvae%29







Culto a Mitra em território Português



No território português são conhecidas referências ao culto mitraico: no sitio arquelogico romano de Tróia, junto a Setúbal, o aparecimento de um relevo com representação de Mitra fez concluir que ali pudesse ter havido um mithraeum que, no fundo, não é mais do que uma representação esotérica do Universo, em Beja e ainda através da existência de sepulturas escavadas na rocha a que atribuem alguns autores a função de «taurobólios mitraicos, utilizados antes e depois do século IV, onde os iniciados eram aspergidos com o sangue do touro.



«Sepulturas escavadas na rocha – Monte do Biscaia (Crato/Alentejo)»
  
«Sepulturas» será a designação por força da falta de outra palavra e pela força do processo de cristianização que, não podendo apagar, apropria-se»,António Maria Romeiro Carvalho, in O Culto de Mitra e as Sepulturas Escavadas na Rocha. 


Em Tróia, pelas descrições existentes, o políptico esculpido que tem sido interpretado como uma representação relacionada com o culto mitraico, em que se vê os deuses sol/Mitra, parece ter aparecido no interior da Basílica Paleocristã.



Troia – relevo mitraico


O relevo mitraico proveniente de Tróia, ao que se sabe, encontrado em 1925, cujo molde se encontra no Museu Nacional de Arqueologia, pois o original está na posse de um particular, é “uma das mais significativas peças do seu género conhecidas no mundo romano e, sem dúvida, o mais importante testemunho do culto de Mitras até agora conhecido em Portugal” (segundo José Cardim Ribeiro, ficha da exposição nº 155 da exposição «Religiões da Lusitânia», editada no catálogo com o mesmo nome, em 2002, pelo Museu Nacional de Arqueologia).

Seria um tríptico de que apenas sobreviveram parte do central e o painel do lado direito.
Provavelmente na zona central estaria representado o sacrifício do touro, taurotctonia.
A Lua aparece apresentada. Do outro lado deveria estar o Sol.

Caupates, o Sol poente. ampara a tocha invertida, sobre o qual de vê uma pata animal, possivelmente sacrificada.

Na zona oposta, deveria estar Cautes com a tocha erguida, o Sol nascente.
No painel da direita reconhece-se Mitra e Hélios reclinados, cena essa representando o banquete de homenagem ao pacto efectuado, após lutas rivais, entre estas duas divindades, em venceu o deus invictus.

Em baixo Cautes e Caupates, ladeando uma serpente encorada uma cratera, representando a terra e a água.


Relevo mitraico proveniente de Tróia. (cópia). MNA
Fotografia José Pessoa
http://www.matriznet.dgpc.pt/MatrizNet/Objectos/ObjectosConsultar.aspx?IdReg=118542


Assim àcerca do sacrifício do touro ou tauroctonia apenas podemos observar um busto com um crescente lunar e, ao centro, o génio que simboliza o Sol poente.


Ainda segundo Cardim Ribeiro, na obra acima citada, «será legítimo supor, como hipótese (…) que no plano inferior do painel da esquerda, que falta por completo, estaria figurado um leão, simbolizando o fogo, e talvez ainda os quatro ventos, relativos ao elemento ar» (pp: 479:480).

No revevo está representada a serpente enrolada em volta da cratera que simboliza, por seu lado, os Elementos Água e Terra, pois Mitra associa-se aos quatro Elementos, motivo pelo que, os quatro ventos também poderiam estar figurados.


Cito ainda José Cardim Ribeiro a propósito dessa divindade:


«Por certo que nem todos os vestígios do culto de Mithras pressupõem a vigência, à época e naquele preciso local, de complexos sistemas de pensamento de cariz filosófico-cosmogónico consciencializados e praticados pelos respectivos devotos, mas apenas, maioritariamente, dos fundamentos, símbolos, graus iniciáticos e ritos essenciais do mitraísmo. Os poucos testemunhos desta religião na Hispânia romana, aliás todos concentrados numa assaz estreita franja temporal máxima de século e meio, entre meados do s. II e finais (?) do s. III d.C., revelam ainda assim a grande diversificação social — e, certamente também, de pensamento e de educação — dos respectivos cultores (…).


Nesta mesma ordem de ideias, e no que se refere pois à situação verificada na Península Ibérica, Francisco (Francisco 1989: M. A. de Francisco, El Culto de Mithra en Hispania, Granada,1989. Fresina 1991:1989, 72), afirma peremptoriamente que “os sodalicia não conheceram barreiras sociais no recrutamento dos fiéis nem na eleição de sacerdotes” e “não exigiram uma preparação filosófica prévia ou de qualquer outro tipo intelectual”. Por certo, o recinto de culto mitraico cujos restos arquitectónicos foram recentemente descobertos na zona Sul de Mérida (T. Barrientos, “Nuevos datos para el estudio de las religiones orientales en Occidente: un espacio de culto mitraico en la zona Sur de Mérida”, Mérida. Excavaciones Arqueológicas 5, Mérida 2001, 357-381) terão pertencido a uma das referidas comunidades indiferenciadas e vulgares, como a maioria das que terão existido não só na Hispânia mas, também, nas demais Províncias Ocidentais.


Porém, a estatuária e a epigrafia proveniente de um outro espaço mitraico emeritense, aquele que em 155 d.C. se constituiu e organizou em torno de Marcus Valerius Secundus, frumentarius legionis VII Gemina, e do pater patrum Gaius Accius Hedychrus, evidenciam uma realidade muito diferente, a todos os títulos verdadeiramente excepcional — quer a nível peninsular, quer mesmo a nível do próprio Império. Além das imagens de claro cunho mazdeísta — muito embora, por vezes, de rara complexidade e difícil interpretação (M. Bendala, “Reflexiones sobre la iconografía mitraica de Mérida”, in: Homenage a Saenz de Buruaga, Madrid 1982, 99-109) —, o programa iconográfico-simbólico deste acervo, todo ele aliás executado com uma notável qualidade artística, incluía numerosas estátuas de outro tipo, figurando deuses como Hermes, Serapis, Vénus, Isis (?), Esculápio (?) e uma divindade masculina de cariz aquático (…).


Estamos pois aqui, sem quaisquer dúvidas, perante testemunhos que à evidência nos indicam um grupo de iniciados, decerto pequeno, mas de formação filosófica e intelectual superiores, de amplos horizontes e predisposição sincrética relativamente a escolas e tradições culturais — e cultuais — diversificadas (cf. Turcan 2000, 113).


Neste conjunto, a representação de Phanes-Mithras remete-nos claramente para concepções órficas (Cambell 1968: L. A. Cambell, Mithraic Iconography and Ideology, Leiden, 1968. pp: 272-275); M. Bendala, “Las religiones mistéricas en la España Romana”,in: La Religión Romana en Hispania, Madrid 1981: 283-299 e M. Bendala, “Reflexiones sobre la iconografía mitraica de Mérida”, in: Homenage a Saenz de Buruaga, Madrid 1982, 99-109; D. Ulansey, The Origins of the Mithraic Mysteries. Cosmology and Salvation in Ancient World, New York-Oxford 1991, 116-124).


E, retomando a afirmação de Turcan em epígrafe a este capítulo, recordemos também a monstruosa estátua leontocéfala que evoca Aión-Chronos-Saturno, o Tempo que tudo devora e destrói — como o fogo dos estóicos (R. Turcan, Mithra et le Mithriacisme, Paris 20002: 95 e 99-100)».


Citação a partir de José Cardim Ribeiro, “Terão certos Teónimos Palehispânicos sido Alvo de Interpretaçãoes (Pseudo-) Etimológicas durante a Romanidade passíveis de se reflectirem nos respectivos Cultos?”, in Acta Palaeohispanica X Palaeohispanica 9 (2009), pp. 247-270 I.S.S.N.: 1578-5386 ActPal X = PalHisp 9 247.


Também proveniente de Tróia é o friso de sarcófago em mármore cuja qualidade parece indiciar uma produção itálica, datado de Época Romana, do século IV d.C., que tem sido interpretado com claras alusões ao banquete mitraico.



 
«Friso de sarcófago em mármore proveniente de Tróia»*


Segundo José Luís de Matos, na ficha do Catálogo de Escultura Romana do Museu Nacional de Arqueologia, e seguindo as suas palavras trata-se de um baixo-relevo «pertencente à platibanda de um sarcófago dividido a meio por cartela anepígrafa e terminando nas extremidades por duas cabeças toucadas de barrete frígio. Esta peça foi encontrada partida, tendo-se recuperado até agora dez fragmentos que permitiram, apesar das extensas lacunas, reconstituir o essencial das cenas representadas. O baixo-relevo mostra dois painéis distintos de um lado e outro da cartela.






No painel da esquerda, uma figura imberbe com a cabeça coberta de capuz (“cucullus”) empunha um bastão, sob um crescente lunar, olhando para baixo na direcção de dois quadrúpedes de quadris e cauda levantados que mergulham o respectivo tronco. Uma cabeça de homem barbado volta-se para a primeira figura tendo de permeio uma árvore estilizada. Um outro personagem senta-se nas traseiras de uma carroça. A viatura é conduzida por um cocheiro, imberbe, vestido de túnica curta, capa e capuz (“paenula”), de costas voltadas para o passageiro inclina-se para a frente, e de vara alçada na mão direita procura aparentemente dominar dois bois de cabeça erguida atrelados à carroça. Perante os bois e preso à larga rede fixada à árvore que ocupa o canto do painel está um quadrúpede esticando o pescoço para a frente e para baixo forcejando talvez libertar-se.







O painel da direita mostra uma cena de um banquete em que três personagens se encostam a uma mesa semicircular, sobre a qual foram postos três pães marcados na côdea com uma cruz e, sobre um prato, a cabeça de um javali (…) Os três convivas vestem túnica presa ao ombro esquerdo que desnuda parte do tronco e o ombro direito (“tunica exomita”) e apresentam o cabelo encaracolado. O personagem central, barbado, adopta uma postura solene de tronco erecto e mão descansando sobre o leito redondo em que ele e os seus companheiros se reclinam (“pulvinum”), o da esquerda, imberbe, está reclinado parcialmente sobre o leito, tendo à sua frente um festão de verdura e indicando com a mão direita estendida os alimentos enquanto segura com a esquerda um vaso de libação (“riton”) (…) O conviva colocado à direita do observador aperta na mão esquerda o bocal de um odre de vinho.




O painel da esquerda mostra dois temas diferentes: o da caça nocturna com o caçador, sob a Lua, levantando o bastão e parecendo conduzir dois cães que abocanham a caça, a que se junta a representação de um quadrúpede, pantera ou lobo, preso na rede, e o tema da viagem, com um passageiro e o cocheiro sentados em carro de bois. O tema do painel da direita é o de um banquete em ambiente de festa assinalado pelo festão de verdura e pelos gestos animados dos convivas, cena aparentemente localizada numa sala de jantar (“triclinium”) tendo ao fundo a colunata e o telhado do peristilo da casa senhorial que os albergava. Estes três temas, a viagem, a caça e o banquete reproduzem cenas de um quotidiano com um viandante cansado repousando e restabelecendo forças (“refrigerium”) no banquete onde a caça é servida à mesa. Em contexto funerário significam o repouso após a viagem para o além, e também a vitória sobre os males da vida simbolizados pelas feras que são domadas, senão o convívio com os deuses numa refeição de conotações prováveis com o banquete mitraico reunindo Mitra e Hélios, ou mesmo com a refeição cristã (“agapé”), já que a iconografia paleocristã reproduz inicialmente os temas funerários usuais no mundo romano quase sem os modificar. As duas cabeças de jovens toucados de farta cabeleira e barrete frígio, de cunho acentuadamente helenístico e voltadas em direcções opostas, significam, em contexto funerário, o Sol e a Lua, e logo o dia e a noite, possuindo um significado cósmico relacionado com o limite e brevidade da vida humana (“tempus fugit”).»



Beja – placa de culto, sodalício de Pax Iulia



De referir que esta placa foi estudada por José d'Encarnação e publicada, em 1984, nas «Inscrições romanas do Conventus Pacensis» (IRCP 339)


O sodalício seria, naturalmente, constituído por libertos vindos da região norte para em Pax Iulia negociarem, nomeadamente na exploração mineira (veja-se a proximidade com as minas de Vipasca), 


[M(ithrae)?] Deo Invicto


sodaliciu(m) Braca


rorum studium sua in


pensa fecerunt cum


cratera. T(itulum?) dona


vit Messius [M(arci) L(ibertus)?] [Artem)ido


rus magister [C(oloniae)?] P(acis?] I(uliae)?)



A Mitra (?), Deus Invicto. O sodalício dos Brácaros fizeram [sic] a expensas suas, um edifício com uma cratera. Méssio Artemidoro, liberto de Marcos (?), magistrado da Colónia de Pax Iulia (?), doou a inscrição. no local de culto e de reunião dos membros do sodalício.



Trata-se, portanto, de uma placa que estaria no local de culto e de reunião dos membros do sodalício.


Como refere José d’Encarnação, o campo epigráfico encontra-se muito desgastado, facto pelo que é difícil saber exactamente o que foi doado. E a reconstituição do M como sigla de Mitra deriva tão-somente de a expressão deus invictus se aplicar, de preferência, a Mitra.





É, pois, o «único texto de la península que menciona el orden interno del culto mithraico, un sodalicium (fraternidad), integrada por los habitantesde Bracara Augusta (Braga), seguramente residentes en Pax Iulia (Beja), de donde procede la inscripción».




(http://elcolomimissatger.blogspot.com/2010/01/meithras-en-las-hispanias.html)


Mérida – Capital da Lusitânia e Culto Mitraico


Proveniente de Mérida onde o culto mitraico está atestado de várias formas, pelo que dispensamos falar da célebre representação musivária, referimos, apenas a título de exemplo a estátua de Chronus Mitraico que foi publicada no belíssimo catálogo da exposição de homenagem a José Leite de Vasconcellos, com o número XXVIII.







O Phanes Mitraico, na exposição Lusitânia Romana - Origem de Dois Povos



Para Cátia Mourão, trata-se de «uma das peças mais enigmáticas e com maior impacto na exposição «Lusitânia Romana. Origem de Dois Povos» é a imagem de um jovem desnudado, enrolado por um enorme ofídio, com uma cabeça de leão no peito e outra de bode aos pés. Esculpida em mármore, à escala humana, apresenta algumas lacunas que terão implicado a perda de importantes atributos e dificultam a sua identificação. Embora dada como efígie de Mitra, não detém os elementos mais característicos desta divindade de origem oriental, ligada ao culto solar, nem parece ter integrado as cenas principais da sua iconografia no Ocidente. Com efeito, em termos visuais e simbólicos será mais próxima de Phanes (deus alado, da vida e da criação, referenciado no Eros grego e no Osíris-Chronocrator egípcio, e contemplado no culto órfico), de Arimanius (deus leontocéfalo, que poderá representar a faceta mais agressiva deste antropocéfalo e que era venerado no culto mitraico) e ainda de Aion (deus do tempo cíclico e eterno, que não seria estranho ao culto mitraico). Os atributos animais remanescentes reiteram-no como divindade temporal: o felídeo poderá indicar o tempo presente, solar; o ofídio o tempo eterno, lunar; o caprídeo o tempo cíclico, sobretudo se tiver estado em oposição a um ovídeo. Parecendo resultar de um sincretismo religioso, a figura provirá do Mithræum de Mérida e pertence ao Museo Nacional de Arte Romano».





Segundo José Cardim Ribeiro, estamos perante a representação de um jovem imberbe que deveria ser alado e «figura simultaneamente Aión ou Chrónos, deificação do Tempo Infinito, e o próprio deus Mitras no momento imediato ao do seu nascimento; ou, por outras palavras, representa o deus solar Mitras como sicrética personificação do Tempo Infinito, cíclico mas imparável, conforme iconografia alegórica da serpente que o envolve e cuja cabeça – que ora falta – repousaria sobre a sua, e ainda de acordo com a máscara leonina que sobressai do peito, alusão múltipla ao cariz devorador de Chrónos, à invencibilidade e força do próprio Sol, do próprio Mitras, e ao ígneo holocausto cósmico do Fim dos Tempos». (José Cardim Ribeiro, Religiões da Lusitânia, 2002, p: 475)






Imagem obtida a partir de: http://www.pinterest.com/grupobonadea/religi%C3%B3nmagia-superticiones-en-la-antig%C3%BCedad/



Abracadabra, palavra que muitos consideram de origem hebraica, sembora seja discutível essa filiação. Está relacionada com Abraxas e com deus solar Mitra, simbolizando o poder sobrenatural do mesmo. Muito usada na Idade Média, como forma de poder ou «(encantamento) de natureza dupla: tanto fonético como gráfico. 
Está relacionada com Abraxas e com o deus solar Mitra, simbolizando o poder sobrenatural do mesmo.

A palavra apareceu pela primeira vez nos
textos médicos do romano Quintus Serenus
Sammonicus reunidos em um compendio intitulado
Liber Medicinalis ad almansorem (ou simplesmente
Liber almansoris) como uma forma
de prevenção da malaria»


PEQUENA ENCICLOPÉDIA ESOTÉRICA
Copyright © 2017 Diego Oliveira
Published by Iêla Book
Vitória da Conquista, BA, CEP 45075-075 BRA


Uma equipa de arqueólogos descobriu, em data recente, vestígios de um santuário dedicado a Mitra junto da antiga clínica Saint-Louis, Angers.

Un ancien culte du dieu Mithra à Angers





Le 07.05.2010 à 17h28 | Mis à jour le 07.05.2010 à 17h28

http://www.sciencesetavenir.fr/archeo-paleo/un-ancien-culte-du-dieu-mithra-a-angers_21249



Em Ostia, no Mitreo di Felicissimus, datado de finais do século III, foi encontrado um mosaico cuja simbologia representa os sete graus da iniciação ao culto, como se pode concluir no interessante estudo publicado em Mitreo di Felicissimus, in http://www.ia-ostiaantica.org/news/mitreo-di-felicissimus/ 




Na imagem é visível o caduceu de Mercúrio e o corvo, Corax, símbolo de iniciação

Em síntese, podemos dizer que Mitra :
Surge como divindade ligada ao Sol e à Lua, à luz e às trevas, à vida e à Morte, às Estações do Ano e ao tempo cíclico, à fertilidade e à regeneração.
Nos rituais mitraicos há exclusão do género feminino. 
O Culto tem especial popularidade entre os legionários romanos e funcionários.
As Cerimónias mistéricas decorriam em santuários subterrâneos, provavelmente simulando a gruta onde a divindade teria nascido, os Mithraea que mememoram  o facto de Mitra ter nascido numa gruta.
Mitra é um deus petrógeno, ous seja, surge de uma rocha com barrete frígio, uma adaga numa das mãos e noutra uma tocha.
As festividades dedicadas a Mitra, realizavam-se no sétimo mês do ano, mas todos os meses se lhe dedicava uma semana. Também o aniversário de Mitra, o natalis invicti, era comemorado.
Os iniciados eram sujeitos a várias provações, nus e de olhos vendados,  andavam às apalpadelas, ajoelhavam-se  e, após lhes ter sido colocada por um sacerdote uma coroa de flores, simulavam a morte, como acontece, aliás, em muitos cultos mistéricos.
Os templos conhecidos apontam para uma tipologia relativamente homogénea, ou seja,  uma câmara rectangular, que poderia ter uma cobertura abobadada. Teriam bancos de um lado e de outro, onde se sentavam os iniciados. Reuniam-se em pequenos grupos, em média 20 pessoas, pese o valor simbólico de algumas representações assumem ao apontar para o mesmo número que os 12 signos do zoodíaco.



BIBLIOGRAFIA SUMÁRIA:




ALVES DIAS, Manuela. 
"Os cultos orientais em Pax Iulia, Lusitania", Memorias de Historia Antigua, V - 1981 (Paganismo y Cristianismo en el Occidente del Imperio Romano), pp. 33-39.
https://www.academia.edu/14082798/_Os_cultos_orientais_em_Pax_Iulia_Lusitania_Memorias_de_Historia_Antigua_V_1981_Paganismo_y_Cristianismo_en_el_Occidente_del_Imperio_Romano_pp_33_39

CARVALHO, António Maria Romeiro, O CULTO DE MITRA E AS SEPULTURAS ESCAVADAS NA ROCHA The cult of Mithra and rock excavated tombs.


AÇAFA On Line, nº 2 (2009) Associação de Estudos do Alto Tejo, www.altotejo.org

http://www.altotejo.org/acafa/docsN2/O_Culto_de_Mitra_e_sepulturas_em_rocha.pdf

Alvar, J., Los Misterios: religiones “orientales” en el Imperio Romano, Barcelona, 2001. - Alvar, J., “Los orígenes del mitraísmo romano”, en Blázquez, J. (ed.), Persia y España en el diálogo de las civilizaciones, Madrid, 2002. pp. 173-184
BARATA, Filomena e MOURÃO, Cátia, 2016, O Culto Mitraico e o Solstício de Inverno, Museu Nacional de Arqueologia.
https://www.academia.edu/37203231/O_Culto_Mitraico_e_o_Solst%C3%ADcio_de_Inverno




BLÁZQUEZ MARTÍNEZ, J.Mª. "Cosmología mitraica en un mosaico de Augusta Emerita" Archivo Español de Arqueología. Vol. 59 nº 153-154, 1986. pp. 89-100.


CARVALHO, António Maria Romeiro, Culto de Mitra e as Sepulturas Escavadas na Rocha.

CUMONT, Franz, Os Mistérios de Mitra, Edição Madras, 2005.


FERNÁNDEZ GALIANO, D. "Observaciones sobre el mosaico de Mérida con la Eternidad y el Cosmos" ANAS 2-3, 1989-1990. pp.173-182


FERNÁNDEZ GALIANO, D. "El gran mitreo de Mérida: Datos comprobables" El Mosaico Cosmológico de Mérida. Eugenio García Sandoval in memoriam. Cuadernos Emeritenses nº 12, 1996. pp. 117-183

GARRIDO JIMÉNEZ, Victor,
El Mosaico Cosmológico de Mérida y su debate interpretativo, 1st March 2014 http://teselashispanas.blogspot.com.es/2014/03/el-mosaico-cosmologico-de-merida-y-su.html 


KELLY, Debra, 2016, 10 Myths And Mysteries From The Cult Of Mithras http://listverse.com/2016/04/30/10-myths-and-mysteries-from-the-cult-of-mithras/ 
MARQUES, João Marcos Alves, 2015, Soldados romanos entre representações e identidade no mitraismo romano (séc. II-IV d.C) file:///C:/Users/mbarata/Documents/Lusit%C3%A2nia/1428345013_ARQUIVO_SoldadosromanosentrerepresentacoeseidentidadenomitraismoromanoARTIGOANPUH.pdf (1) Sol Invictus and Christmas http://penelope.uchicago.edu/~grout/encyclopaedia_romana/calendar/invictus.html


MÉNDEZ, Israel Campos, EL DIOS MITRA: los orígenes de su culto anterior al mitraísmo romano. 
www.researchgate.net/publication/262001806

NER, llaria, Mithra petrogenito. Origine iconografica e aspetti cultuali della nascita dalla pietra.

http://www.bibar.unisi.it/sites/www.bibar.unisi.it/files/download/miscellanea/mithra%20petrogenito.pdf

RAMOS; José, Mitraísmo e Cristianismo 

http://nova-acropole.pt/a_mitraismo_cristianismo.html 
REIS,Sara Henriques, 2014, Religião e Sociedade no Municipium Olisiponense
Dissertação de Mestrado em Arqueologia. Outubro, 2014. Faculdade de Letras. Departamento de História
http://repositorio.ul.pt/bitstream/10451/18274/1/ulfl183080_tm.pdf

RIBEIRO, José Cardim, ficha da exposição nº 155 da exposição «Religiões da Lusitânia», editada no catálogo com o mesmo nome, em 2002, pelo Museu Nacional de Arqueologia). Mithraism - Mithraic Mysteries http://www.crystalinks.com/mithraism.html



Sobre o tema pode ainda consultar:






THE DOCTRINE OF THE MITHRAIC MYSTERIES
http://www.sacred-texts.com/cla/mom/mom07.htm

http://www.sacred-texts.com/cla/mom/mom07.htm
htmlhttp://ifc.dpz.es/recursos/publicaciones/29/54/20cardim.pdf(1)http://wwww.freemasons-freemasonry.com/19carvalho.html
http://gladio.blogspot.com/2007/12/mitra-deus-ariano-da-luz-da-verdade-do.html
http://www.rajayoga.it/mithra/introduzione.htm
http://spazioinwind.libero.it/popoli_antichi/Religioni/MITRAISMO.html
http://lam.mitra.free.fr/index.htm http://www.altotejo.org/acafa/docsN2/O_Culto_de_Mitra_e_sepulturas_em_rocha.pdf http://up-pt.academia.edu/JoanaValdez/Papers/136669/Sepulturas_escavadas_na_rocha_do_Monte_do_Biscaia_Gafete_Crato_ http://www.deldebbio.com.br/2008/10/31/a-historia-de-mitra/ http://www.bloganavazquez.com/category/religiones-antiguas/r-roma/ (Bajorrelieve de Modena, Rev. arco. , 1902, I, p. 1.).Un temple dédié au dieu Mithra à Angers
https://www.youtube.com/watch?v=AdHo_A_e_hY
Un santuario dedicado al dios Mitra sale a la luz en Córcega
Publicado por Guillermo Caso de los Cobos el marzo 2, 2017 a las 10:00pm
http://terraeantiqvae.com/profiles/blogs/un-santuario-dedicado-al-dios-mitra-sale-a-la-luz-en-corcega?utm_source=feedburner&utm_medium=email&utm_campaign=Feed%3A+TerraeAntiqvaeRevistaDeArqueologaEHistoria+%28Terrae+Antiqvae%29 


PASSEGGIANDO TRA I MITREI DI OSTIA ANTICA: IL CULTO DI MITRA 
Irene Salvatori
https://www.capitolivm.it/speciali/passeggiando-tra-i-mitrei-di-ostia-antica-il-culto-di-mitra/?fbclid=IwAR2F5g-kpqNquWvYesYyhGM1e0THX4hfh2FeLAkKRyv-zgSKD9yC1Dc66vw


The Tauroctony

http://www.tertullian.org/rpearse/mithras/display.php?page=tauroctony



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