quarta-feira, 21 de outubro de 2015

O Homem Romano. Filomena Barata

O HOMEM ROMANO
Por Filomena Barata





Revisão: Professor Doutor Manuel Rodrigues a quem muito agradeço



Nota Introdutória

Este texto de apoio para estudantes vem na continuidade de um anteriormente elaborado, dedicado à Mulher e Criança em Roma, motivo que nos incentivou a dedicar umas pequenas notas que incidissem sobre o “Homem Romano”, utilizando o nome da marcante obra coordenada por Andrea Giardina.
Não é fácil em algumas páginas resumir a complexidade da vida romana que centra no Homem, mais propriamente no paterfamilias, a sua vida política, social e religiosa.
Menos fácil ainda é conseguir ousar tratar todas as diferenças que o Tempo, numa sociedade tão duradoura como a Romana, as Leis e os territórios tão vastos foram delineando, pois nada seria mais erróneo do que pensar que se tenham mantido estanques os estatutos jurídico-sociais dos Romanos.
Ainda assim tentaremos abordar de forma sumária o estatuto jurídico do Cidadão, do Liberto e do Escravo, bem como algumas profissões.
Do ponto de vista jurídico, as famílias romanas eram, genericamente, iguais: a autoridade residia no paterfamilias, cabendo-lhe reconhecer ou não os filhos, pois era possível a sua rejeição, bem como decidir a adopção.  
O fenómeno da rejeição tem a ver, genericamente, com deficiências de ordem física, embora sejam conhecidos outros motivos, designadamente socioeconómicos ou, ainda, suspeitas de traição.
O reconhecimento dos filhos fazia-se através do ritual do Paterfamilias levantar o filho do chão e tomá-los ao colo.
O primeiro ritual de uma criança após o nascimento (dies lustricus) era ao 8.º dia após o nascimento, para as raparigas, e ao 9.º dia para os rapazes.
Essa cerimónia religiosa ocorria junto ao altar doméstico.
A mulher estava tradicionalmente submetida ao poder do pai e, posteriormente, do esposo, pese embora ter conseguido obter, gradualmente, uma maior independência.
«Durante el imperio se dieron importantes pasos para reconocer derechos a la mujer. La tutela sobre la mujer dejó de ser perpetua y, en determinadas condiciones, quedaba liberada de ella: así la mujer nacida libre que tuviera tres hijos, o la liberta que hubiera tenido cuatro, adquirían plena capacidad sobre el uso de sus bienes y podían recibir herencias o legados (ius liberorum[1].
A família era a estrutura básica social, económica e ideológica: honrar os Lares e outras divindades era uma obrigação doméstica, sendo o pai o responsável pelo culto.
Genericamente, podemos dizer que o homem, em Roma, se distinguia pela sua condição social, a que correspondia um dado comportamento, que se espelhava em tudo, até no próprio vestuário. Assim, a toga, que era vestida sobre a túnica, só podia ser usada pelos Cidadãos, variando de forma, volume e cor, de acordo com o estatuto social. Distinguiam-se os seguintes tipos de toga:
·         «Toga pura» ou «virilis» (toga viril) – toga lisa, feita de lã branca, usada pelos homens quando atingiam a idade adulta.
·         «Toga praetexta» – toga branca decorada com uma banda larga de cor púrpura. Era usada pelos jovens que ainda não envergavam a «toga virilis» e, até uma certa altura, pelas jovens que ainda não tinham casado (com efeito, na Época Republicana, já só as adúlteras ou prostitutas as utilizavam); era também usada pelos principais magistrados e sacerdotes.
·         «Toga candida» – toga de um branco imaculado, usada pelos candidatos a cargos públicos (os «candidati», no singular «candidatus», de onde deriva a palavra candidato). A brancura desta toga simbolizava a candura das atitudes, pois pressupunha-se que aqueles que a envergassem deveriam levar uma vida irrepreensível.
·         «Toga picta» ou «purpurea» – usada pelos vencedores e, mais tarde, pelo imperador.
·         «Toga sordida» ou «pulla» – era a toga dos mais pobres ou dos réus quando se apresentavam no tribunal, funcionando, nestes casos, para inspirar um sentimento de piedade.
·         «Toga trabea» – toda púrpura, ou ornamentada com riscas horizontais de cor púrpura, era a toga usada pelos áugures e sacerdotes, durante os rituais; também os deuses eram representados com esta toga.

Como se disse, o uso da toga era privilégio dos Cidadãos. Os Escravos e os Plebeus apenas usavam a túnica.

O cidadão







Togado proveniente de Collippo. Museu da Comunidade Concelhia da Batalha.

Mas, afinal, quem era o ciuis (cidadão)?
A cidadania romana era atribuída, na sua fase inicial, apenas a quem vivesse em Roma, tendo-se, contudo, alargado, gradualmente, com as conquistas. As cidades que mais depressa a adquiriram foram as mais próximas de Regia Roma. Ao invés, aquelas que se situavam a uma distância maior, ou cuja submissão foi forçada, apenas possuíam a cidadania sine suffragio, ou cidadania parcial, pois não tinham o direito de votar.
Inicialmente, o voto era oral. Por volta do século II a. C., os romanos tiveram a ideia de criar uma urna onde os votos fossem depositados, per tabellam, com o objetivo de assegurar o voto secreto e a liberdade de o cidadão votar sem interferência dos mais poderosos. As tabellae dadas ao cidadão eram pequenas tábuas enceradas, nas quais se escrevia, com um stilus (estilo/estilete), o nome do candidato.
Para comemorar a chamada “lei tabelária”, que introduziu o voto secreto, foram emitidas moedas com imagens de cenas de votação, onde figura um cidadão depositando a sua tabella diante do magistrado, como é o caso do exemplar aqui apresentado.



Denário de P. NERVA, com representação de Roma (113 a.C. - 112 a.C.)
Museu Nacional de Arqueologia nº Inv. 2015.14.99. Fotografia de Paulo Alves
Soalheira de Barbanejo.
Anverso: Busto de Roma, usando capacete, com uma pluma de cada lado, segurando um escudo com a mão esquerda; com a mão direita, segura uma lança, que está pousada no ombro esquerdo. Em cima, um crescente lunar. Atrás, ROMA. Bordo delineado por pontos.
Reverso: Ao centro, uma cena representando um ato eleitoral: um votante, à esquerda, com "pons", recebe o boletim de voto de um funcionário, em baixo; outro votante, à direita, com "pons", coloca o boletim na "cista".
Em cima: P. NERVA (NE em nexo); no topo da moeda, uma linha onde se destaca uma placa com a letra P. Bordo delineado por pontos.

Origem / Historial:
Conjuntamente com os colares entrançados de ouro e de prata, de Soalheira do Barbanejo, foram descobertas novecentas moedas de prata romanas. Essas moedas foram vendidas a peso e dispersaram-se. O conjunto de 111 moedas de prata existentes no MNA foi provavelmente, adquiridas por José Leite de Vasconcelos, na época em que adquiriu parte dos colares, então descobertos, e que hoje fazem parte do denominado Tesouro de Soalheira do Barbanejo, integrado no acervo do Museu.

Comentário da peça a partir de:

O voto não era, na Época Romana, universal, mas censitário e hierárquico, sendo o corpo eleitoral constituído por todos os cidadãos masculinos. Só numa segunda fase se instituiu que a cidadania não dava automaticamente direito ao voto. Distinguiam-se os residentes antigos, os libertos (antigos escravos) e os latinos (cidadãos anexados a Roma por conquista territorial que, durante muito tempo, não tiveram direito a voto, o que originou muitos conflitos). Gradualmente, essa situação foi-se alterando, e Roma acabou por lhes reconhecer o direito a votar.
Os Cidadãos eram organizados através das centúrias, divididas de acordo com a propriedade dos seus membros. Cada centúria tinha direito a um voto conjunto, depois de conhecer a opinião pessoal dos seus membros, e as eleições eram em ordem decrescente de riqueza.
Em 251 a. C., houve uma reforma que modificou a estrutura das centúrias, para que se pudesse dividir melhor o poder de voto. Passaram de 193 para 373, tendo sido também ampliado o número de centúrias da infantaria para 350, uma vez que elas representavam as 35 tribos que compunham Roma.
Uma outra reforma, em 107 a. C., modificou profundamente o exército romano e, pela primeira vez, permitiu que pessoas sem propriedades se alistassem, ao criar um equipamento padrão fornecido pela própria legião. Essa mudança levou as eleições romanas ao mais próximo do que se poderia chamar «voto popular», embora a ordem da votação fosse mantida, mas tal situação durou pouco, porque, no ano 27 a. C., Augusto transferiu todo esse poder para o Senado, depois de se tornar o primeiro imperador romano.
A campanha eleitoral chamava-se ambitus.  Nessa altura, o candidato substituía a sua toga habitual pela toga candida, símbolo, como acima se disse, de uma conduta irrepreensível. Começava depois da leitura da lista oficial dos candidatos, petitio, e da respectiva exposição formal. O candidato tinha de estar isento de culpas graves, condenações ou acusações por crimes de concussão ou corrupção. Só o civis optimo iure, o "cidadão completo", dispunha do direito de voto (ius suffragii) e do direito de ser eleito magistrado (ius honorum).[2]
Apenas quando terminou a Guerra dos Aliados, no ano 49 a. C., foi concedido o direito de cidadania a todo e qualquer homem livre de Itália, assim como o de “civitas romana”, a algumas das cidades conquistadas do Império. Em 212 d. C., o imperador Caracala emitiu um édito no qual se declarava que todo o homem livre que vivesse na extensão do Império Romano era cidadão de Roma.
Os cidadãos tinham direitos como os de ser proprietários de bens e deles poder dispor, participar nos cultos públicos, oferecer sacrifícios, promover acções judiciais, apelar ao julgamento do povo, caso não estivessem de acordo com uma sentença emitida pelo tribunal, contrair uniões legais, serem eleitos magistrados e votarem nos comícios ou assembleias das centúrias e das tribos.
O uso da toga era, como já vimos, seu direito exclusivo, tal como o uso dos três nomes (tria nomina) - o nome próprio, dado nove dias após o nascimento, o nome da gens a que pertencia e o apelido), ou seja:
Praenomen, prenome ou nome próprio. Existia apenas um pequeno número de nomes  (praenomina) e era usado dentro da mesma família, em particular no primogénito, que, usualmente, tinha o nome do pai.
Nomen, gentilício, indicativo da família, gens, a que pertence. 
Cognomen, cognome, nome próprio de cada indivíduo.
Os filhos adotivos recebiam os tria nomina da família de adopção, mas guardavam a memória da sua gens de origem, acrescentando uma designação na forma adjectiva.

Também eram direitos exclusivos dos cidadãos a transmissão da cidadania aos filhos nascidos do casamento com uma mulher romana e o de efectuar contratos com outros cidadãos, sob as regras a aplicar nestes casos.
     

A Cidadania Romana

A cidadania romana garantia à pessoa direitos especiais e imunidades, outorgados e reconhecidos em todo o império. Por exemplo, era ilegal torturar ou açoitar um cidadão romano, com o fim de extrair dele uma confissão, formas de punição consideradas muito servis e apenas usadas com os escravos. O cidadão, como acima dizíamos, tinha acesso às magistraturas e ao Exército e, sob o privilégio da cidadania romana, tinha o direito de apelar da decisão dum governador provincial para o imperador de Roma. No caso dum crime capital, o cidadão romano tinha o direito de ser levado a Roma para ser julgado perante o próprio imperador.
A cidadania romana era obtida de diversas formas. Por vezes, os imperadores concediam este favor especial a cidades ou distritos inteiros, ou nominalmente, por serviços prestados. Mas também era possível adquirir a cidadania directamente por uma soma de dinheiro ou por concessão dada pelo proprietário de um escravo, que, assim, se tornava liberto, podendo os seus descendentes aceder à cidadania.
Ou seja, para se ser cidadão, era necessário ser filho de um homem livre, de um cidadão ou de um liberto, ter exercido o serviço militar dos dezassete aos sessenta anos e ter pago um imposto. De salientar que o exercício de uma magistratura outorgava a cidadania a quem a desempenhava, bem como aos seus ascendentes e descendentes.
Quinquenalmente, era realizado um censo, altura em que os novos cidadãos eram objecto de uma rigorosa avaliação em termos morais e económicos e os antigos aproveitavam para libertar escravos. A toga era, como acima mencionado, o símbolo que representava o cidadão, independentemente de onde se encontrava.[3]



Estátua de togado com bulla encontrada na Escusa, Marvão.
 Museu da Ammaia. Tem sido atribuída a Britânico.
Fotografia Portugal Romano


[2] Para uma informação mais completa, veja:
SILVA, António Carlos Prestes Gonçalves Rocha, 2010, Breviário de uma campanha eleitoral: O Commentariolum Petitionis de Quinto Cícero. MESTRADO EM ESTUDOS CLÁSSICOS (Edição e Tradução de Textos Clássicos).



[3] Recomendamos a leitura de O Cidadão Romano na República, de Maria Luiza Corassin, in “Estrutura Social y Económica durante el Alto Imperio Romano”, publicado por Juan Antonio Cerpa Niño:


O «Libertus» (liberto)

O escravo liberto continuava ligado ao seu patrono, patronus, através da prestação de serviços ou de rendas pecuniárias, ficando obrigado a um respeito quase filial: obsequium. Ao momento da sua libertação chamava-se manumissio, a renúncia do senhor ao poder que tinha sobre o escravo. Na sociedade romana, a manumissio era uma forma de o senhor, dominus, recompensar o seu seruus pelos serviços prestados.
Não obstante, ao liberto não era outorgada a condição de ciuis de pleno direito; apenas a terceira geração da sua descendência podia exercer os direitos políticos em toda a plenitude, igualando-se aos homens livres. Não era, porém, incomum estes libertos tornarem-se pessoas de grande influência social, devido à riqueza que por vezes acumulavam, dado que se dedicavam frequentemente a atividades altamente rentáveis: «… estes antigos escravos eram mais ricos, e por vezes bastante mais do que a maioria da população livre, que se sentia espezinhada pela prosperidade de indivíduos que não tinham nascido na liberdade – suportava-se mal uma opulência que se acharia legítima e admirável num senhor.»[1]
Por vezes, assumiam dentro da família funções importantes, a exemplo de dispensator do seu senhor, uma espécie de intendente das finanças, ou mesmo de puer delicatus da domina, como bem satiriza Petrónio no seu famoso romance Satyricon.[2]
Podemos, sintetizando, dizer que os Libertos são uma parcela da sociedade romana constituída por indivíduos que haviam sido escravos e que haviam adquirido a liberdade, plena ou parcial. Libertas/servitus era, assim, a distinção básica no desenvolvimento histórico de Roma e ambos os estatutos eram concebidos como naturais. Logo, a manumissio, que permite a transição de uma categoria para a sua oposta, é algo de complexo nessa Sociedade.

Sugestões de leitura:

Géza Alfödy, 1991, A História Social de Roma, in O Homem Romano, Editorial Presença.
ANDREAU, J. et All. O Homem Romano. s/l: Editora Presença, s/d. pp. 119-124. «A escravidão romana entre os séculos III a. C e I d. C e a sua reflexão pelos pensadores dos séc. XVIII e XIX»
COSTA, Carlos Eduardo de Campo, 2018, “Otávio Augusto e a construção de suas redes político-religiosas pelo poder na Roma Antiga: um estudo sobre a clemência augustana”, in Corrupção, crimes e crises na Antiguidade.
JOLY, Fábio Duarte, «A dupla face da liberdade: o liberto na sociedade romana». Aqui:
http://www.revistatopoi.org/numeros_anteriores/topoi27/TOPOI_27_R01.pdf
IDEM, Libertate opus est: escravidão, manumissão e cidadania à época de Nero (54-68 d.C.) [Libertate opus est: slavery, manumission and citizenship in the age of Nero]. Curitiba: Editora Progressiva, 2010: https://www.academia.edu/4831469/Libertate_opus_est_escravid%C3%A3o_manumiss%C3%A3o_e_cidadania_%C3%A0_%C3%A9poca_de_Nero_54-68_d.C._Libertate_opus_est_slavery_manumission_and_citizenship_in_the_age_of_Nero_._Curitiba_Editora_Progressiva_2010

Servus/servi (os escravos)
O escravo era um ser humano (homem, mulher, criança) que se considerava como propriedade, ou res mobilis, coisa ou bem de alguém, sujeito à dominica potestas, ou seja, ao poder soberano do seu amo, para quem trabalhava e a quem devia completa obediência. Normalmente, caía-se na condição de escravo ao ser aprisionado na guerra ou sequestrado por piratas. Mancipium era a designação dos servos que os militares vendiam, os cativos de guerra, “tomados à mão” de entre os inimigos.
Até ao século III a. C., os Romanos podiam tornar-se escravos por dívidas, situação que se altera devido ao forte aumento de escravos prisioneiros de guerra, no século II a. C. Os filhos dos escravos nasciam automaticamente nessa condição.










Na fotografia: escravos romanos acorrentados. Ashmolean MuseumImagem
 a partir de Wikipédia: CC BY-SA 2.0ver termos Jun – Flic

Os romanos, tal como os outros povos que viviam à roda do Mediterrâneo, olhavam para a escravatura como algo normal e indispensável à vida da sociedade. Com efeito, o trabalho escravo era um elemento fundamental à economia romana, pois constituía o grosso da mão-de-obra. Estima-se que, no século I a. C., cerca de 30% da população era escrava. 
Os escravos faziam a maior parte do trabalho manual pesado, mas também participavam em ofícios e ocupações especializadas. Asseguravam o serviço doméstico e as tarefas da vida agrícola, mas trabalhavam, também, na mineração e em muitas outras atividades, como a de gladiadores e lutadores, atores, músicos, médicos, pedagogos, podendo, inclusive, ser membros de colégios sacerdotais.
Saliente-se que, nos séc. III – I a. C., se verifica, através dos escritos coevos de Catão, Varrão e Columela, uma divisão na utilização da mão-de-obra livre e escrava nas propriedades agrícolas romanas.[3]
O escravo doméstico tinha certos benefícios. Se lhe era negado o direito ao matrimónio legal (conubium), porque os serui não tinham estado civil, o escravo na casa do seu senhor (o dominus) possuía direito ao contubernium, ou seja, poderia fazer um contrato nupcial, com o consentimento dos seus senhores.
Não possuindo juridicamente direito a propriedade, ele poderia, contudo, receber do senhor o peculium, com o qual poderia eventualmente vir a comprar a liberdade. Com efeito, nem todos os escravos permaneciam nessa condição durante toda a vida. A liberdade podia ser-lhes concedida pelo seu senhor, fosse a troco de peculium aforrado, fosse como recompensa por um bom serviço ou como sinal de respeito e amizade.
A liberdade era, muitas vezes, atribuída após a morte do dominus, por disposição testamentária, embora com algumas restrições: não se podia libertar, por testamento, mais de 100 escravos e não podiam ser libertados escravos com menos de 30 anos.
Como já antes se referiu, a alforria de um escravo denominava-se manumissio (ação de libertar da mão) e podia ser realizada de várias maneiras. A mais antiga consistia numa cerimónia em que o senhor, o escravo e uma testemunha compareciam perante um juiz ou um magistrado – vindicta. A testemunha alegava que aquele escravo não pertencia àquele senhor e este não desmentia. Tocando na cabeça do escravo com a sua vara, o juiz declarava-o livre. Mas a manusmissio podia assumir uma forma mais singela, bastando o senhor declarar perante os amigos, em sua casa, que concedia a liberdade ao escravo, ou, então, simplesmente convidá-lo para jantar à mesa consigo. 
Um escravo que obtivesse a liberdade tornava-se um libertus. Para se poder vir a tornar um liberto, o escravo deveria pertencer a um cidadão romano, uma vez que, em certos casos, os escravos podiam possuir os seus próprios escravos, denominados de Vicarii.
Assume-se, assim, em Roma, que a liberdade é pertença do cidadão, Ciuis, apresentando-se o escravo como o seu oposto: desprovido de direitos políticos e de propriedade, era-lhe vedado participar nos cultos públicos, oferecer sacrifícios, colocar ações judiciais ou apelar ao julgamento do povo, caso não estivesse de acordo com uma sentença emitida pelo tribunal; não podia contrair uniões legais, nem tinha acesso às magistraturas e ao Exército; estava impedido de votar nos comícios ou assembleias das centúrias e das tribos; era-lhe vedado o uso da toga, que distinguia os Cidadãos. Apenas estes últimos usavam os tria nomina, os três nomes (o nome próprio, o nome da gens a que pertencia e o apelido).
Sobre a escravatura feminina, sabe-se das múltiplas atividades desenvolvidas pelas seruae, designadamente como reprodutoras, não se podendo esquecer a forte componente doméstica do seu trabalho. Mas foram também identificados muitos casos de escravas medicae, obstetrices, nutrices, bem como de paedagogaeeducatrices, lectrices et librariae, dedicando-se, portanto, a actividades relacionadas quer com a saúde, quer com a educação. Uma escrava a quem fosse dada a alforria tornava-se uma liberta. As libertas ganhavam a sua vida recorrendo às competências adquiridas quando eram escravas, podendo exercer os ofícios de cabeleireiras, costureiras, enfermeiras, ou tornar-se empregadas de lojas, artesãs ou mesmo agiotas. Algumas casavam com o seu antigo senhor.
Na Hispânia, a incidência das actividades dos escravos tem similitudes com o resto do Império e encontramos escravos nas actividades agrárias, em actividades artesanais e nas explorações mineiras, mas também na própria Administração. 


Mosaico com representação de Escravos servindo um banquete. Proveniente de Cartago. Século III.




[1] Paul Veyne,1991, Humanitas: “Romanos e não Romanos”, in O Homem Romano, Editorial Presença.
[2] Petrónio, Satyricon, tradução de Delfim F. Leão, Livros Cotovia, 2005.
[3] Ver: Fábio Duarte Joly, A Escravidão na Roma Antiga: Política, economia e cultura. 2005:28.

O Soldado (miles)
Parafraseando Carlos Fabião, diria que «Marte era o deus da guerra na complexa religiosidade romana, onde assumia também outras funções. Usualmente aparece representado com os atributos militares e, pode dizer-se, foi sob a égide desta divindade que se construiu o domínio romano na Península Ibérica».[1]
É, no fundo, sob a égide de Marte que os Romanos chegam até longas paragens. Mas, afinal, que força é essa, a de um exército que ficou na História, que levou longe os estandartes de Roma e que a tornou um dos maiores impérios do mundo? Como se compunha, afinal, este exército?
A divisão básica do exército romano é a Legião, a unidade em que reside o grande sucesso das campanhas militares. Era composta, basicamente, por soldados, chamados Legionários e Auxiliares.
Cada legião era designada por um número e um epíteto (por exemplo, Legio VII Gemina Pia Fidelis). Inicialmente, as forças auxiliares eram atribuídas às legiões, mas, gradualmente, acabaram por se tornar em unidades independentes. O Procônsul de cada província comandava as legiões aí estacionadas e o chefe de cada legião era um representante do imperador, por ele nomeado e destituído: o legatus legionis, que pertencia à ordem senatorial e que a comandava por um período de cinco anos.
No Império Romano, os legionários estavam organizados em pequenos grupos de 10. Os soldados eram voluntários vindos de todas as partes do Império, comprometendo-se a 25 anos de serviço exaustivo. Inicialmente, apenas eram integrados proprietários de terras e bens. Mas, no século I a. C., qualquer pessoa se poderia alistar, tornando-se os cidadãos legionários e os não-cidadãos soldados auxiliares. As legiões podiam variar em número de efetivos; a maioria tinha 4.800 homens, mas podiam chegar a 6.000 efetivos.
As coortes eram subdivisões das legiões, que, em número de dez, podiam ter aproximadamente 600 homens. Mas o elemento mais significativo da estrutura militar romana, tal como a legião, é a centúria, sendo o seu responsável o centurião. Como o nome indica, o centurião tinha a seu cargo 100 homens (algumas fontes referem 80, em vez dos 100) que compunham a centúria, ou seja, cada coorte tinha 6 centúrias. As cohortes urbanae, criadas por Augusto, em número de três, eram uma espécie de força policial urbana, que tinha como finalidade zelar pela segurança das cidades, sendo apenas em casos muito excepcionais levadas para o campo de batalha; ao que se sabe, o seu número foi elevado para quatro na dinastia flaviana.
A partir de Augusto, o exército romano torna-se uma profissão, chamando-se milites mei o laço que unia o soldado ao imperador e que estabelecia as suas obrigações e privilégios. O legionário era, normalmente, um cidadão com a idade inferior a 27 anos, alistado para servir 25 anos, sendo os seus últimos anos, como veterano, mais leves. Nessa altura, eram-lhe atribuídas terras (depois das reformas agrárias do século I d. C.) e outorgados outros privilégios.
Durante a época imperial, os requisitos para converter-se em legionário eram os seguintes: ser magro, mas musculoso; ter boa visão e audição. Era necessário saber ler e escrever e, acima de tudo, ser cidadão romano. Ao soldado (miles), era atribuído um soldo (stipendium), além de vários tipos de benefícios intermédios, financeiros ou jurídicos. As armas mais comuns que utilizava e transportava consigo eram:
 gladius – espada curta, de dois gumes, de mais ou menos 60cm, mais larga na extremidade (era a espada utilizada pelas legiões romanas). Era muito mais uma arma de perfuração do que de corte, ou seja, devia ser manipulada como um punhal, ou uma adaga, no combate corpo-a-corpo.
pugio – pequena adaga usada como arma auxiliar, ou de reserva. Era também uma arma comummente usada para assassinatos e suicídios, sendo reconhecido o seu uso na morte de Júlio César.
cingulum – cinto donde pendiam várias tiras de couro com discos metálicos que as mantinham esticadas.
lorica segmentata – armadura
scutum – escudo retangular, curvado, de madeira, forrado a couro e com reforços metálicos nas bordas e no centro, visando proteger a mão.
galea – capacete de ferro.
pilum – dardo que tinha quase três metros de comprimento, com uma flecha de metal que se torcia com o impacto, e que não era recuperada. Era composto, assim, de uma parte de ferro, mais fina e pontiaguda, e outra de madeira, maior e mais pesada.

Consigo, o legionário levava, ainda, uma bolsa de carga, sarcina, com alimentos que deveriam permitir-lhe sobreviver quase quinze dias, utensílios de cozinha e de construção, como estacas, sudes murales, e as sandálias, caligae. Como era altamente disciplinado e preparado fisicamente, fazia marchas longas com esse equipamento, que poderia pesar entre 20 e 50 quilos.
Mas existiam também soldados especializados em atividades secundárias, tais como a engenharia, a carpintaria e a medicina. Embora fossem poupados a algumas das tarefas mais duras, podiam ser, também, colocados em campo de batalha.
Os recrutas não tinham preparação prévia quando se alistavam e eram enviados para um acampamento onde havia soldados experimentados – esperava-os uma vida dura, mesmo quando não combatiam, levantando-se antes do alvorecer e desfilando mal se fardavam. Era nesse momento que era passada revista às tropas e eram dadas as instruções do dia. Os soldados rasos eram os milites gregarii.
A unidade mais pequena da legião era conhecida por contubernium, agrupando oito soldados que viviam na mesma tenda.
No aquartelamento, dedicavam-se ao exercício militar, faziam manobras, simulando o campo de batalha, para se manterem em forma, e superavam obstáculos carregados com as suas armas, ensaiando o seu uso. Marchavam em linhas paralelas, formavam círculos e cerravam ou afastavam as fileiras. Todos os meses realizavam marchas de cerca de 30km, carregando uma mochila com cerca de 30 kg, o peso que teria a sua roupa, os víveres e os utensílios que podiam usar na construção, pois a isso se dedicavam, apoiando os engenheiros. Eram os próprios soldados que colaboravam na construção das pontes, calçadas e aquedutos.
O pão era um alimento fundamental no Exército, de tal forma que muitos eram conhecidos pelas suas associações militares: Panis militaris – pão de soldado. Era comumente feito em duas variedades:
Castrensis: Pão de acampamento
Mundus: Pão de marcha
Panis nauticus:  Muito parecido com pão de soldado. Conhecido como biscoitos navio. (XXII-Plínio. N.H. 138).

Em terra, o Exército era composto por três ramos: a Infantaria, o mais numeroso, que era dividida em três categorias distintas de soldados, com posição fixa de batalha, combatendo em três filas:
• Hastati (os homens dos dardos) – os soldados mais novos e menos experientes. Cada um estava armado com duas lanças de arremesso – a hasta (dardo pesado) ou o pilum.
Principes – soldados mais velhos e experientes, usavam armas semelhantes aos hastati, e apoiavam os hastati, caso a linha inimiga aguentasse firme.
• Triarii – veteranos de guerra, que criavam uma parede defensiva por onde se escapuliam os príncipes, caso o seu ataque também falhasse.
A Cavalaria era considerada o ramo mais nobre. Na Artilharia pontuavam as catapultas, os aríetes e as torres de guerra.
As formações romanas tinham formatos rectangulares, constituídos pelos legionários. Cada coluna possuía um determinado número de linhas, que se diferenciavam por estarem mais próximas do inimigo, na vanguarda, ou mais afastadas, na rectaguarda. Os legionários que se localizam na primeira linha começavam o ataque ao inimigo com uma poderosa e destrutiva investida a curta distância, com o dardo, pilum, já acima referido; as fileiras imediatamente anteriores utilizavam lanças mais leves. No final da formação, localizava-se um corneteiro e, no meio, um porta-estandarte. Na lateral direita de cada formação ficava o centurião.
Os Decuriões encarregavam-se de organizar as fileiras. Após as primeiras cargas, os legionários travavam um combate corpo-a-corpo, utilizando a espada mais curta e muito afiada, o gladius. A formação era compacta e dava espaço à realização de outras táticas, a exemplo da formação Tartaruga (Testudo).
A águia era um símbolo da Roma Antiga, sendo usada pelo exército romano como insígnia das legiões romanas. No tempo de Gaio Júlio César era feita de prata e ouro. A partir da reforma de Augusto, passou a ser feita só de ouro. A águia era custódia da primeira coorte e só saía do acampamento romano em ocasiões raras, quando toda a legião se movimentava. Para garantir a sua segurança, havia um legionário, denominado aquilifer.

O Camponês



Podemos dizer que a Antiga Roma era fundamentalmente agrícola. Os grandes proprietários de terra que serviam o exército como oficiais – e não como simples soldados, como era o caso dos camponeses – tinham escravos que faziam todo o trabalho, bem como encarregados a quem deixavam o controlo das suas propriedades, não os prejudicando, por isso, ir para a guerra.
A maioria da população vivia da exploração de pequenas parcelas de terra. Havia, contudo, os ricos proprietários de latifúndios, que contribuíram para fazer aumentar os proletários que se deslocalizavam para os centros urbanos, especialmente para a cidade de Roma.
Como afirma Jerzy Kolendo, «A propriedade não é uma condição necessária para se ser camponês: a par dos camponeses livres, que cultivam a sua própria terra, existem grupos muito consistentes de indivíduos que trabalham terras pertencentes a outros, a quem estão ligados por relações mais ou menos estáveis, ou a quem emprestam eventualmente a sua força de trabalho.»[2]
Este historiador especifica assim a terminologia romana para “camponês”:
«O termo fundamental era rusticus (derivado de rus, “campo”m e oposta a urbs, «cidade».
Porém, lembra Jerzy Kolendo, este termo também podia ser utilizado como conotação de “simples”, “modesto”, e até mesmo no sentido de “grosseiro”, “incivilizado”.
«Outros dois termos principais – agricola e colonus – associam-se a diferentes aspectos da vida rural. Ambos estão ligados ao verbo colo, «cultivar»: «deste verbo» diz Santo Agostinho «tomam o nome quer os agricultores quer os colonos» (A Cidade de Deus, 10.1)» rural)». [3]
Agricola (“agricultor”), tanto pode designar o camponês que trabalha a sua parcela de terra como o rico proprietário.
Colonus (colono), além de ser sinónimo de agricola, pode aplica-se ao pequeno agricultor, ao habitante de uma colónia que recebe terras para cultivar, e ao camponês arrendatário. Ou seja, os três termos diferenciavam-se apenas no contexto em que eram utilizados, pois todos significavam “lavrador”, “cultivador”. Esse grupo de camponeses, homens livres, não pertencentes à ordem senatorial ou à ordem equestre, formava a plebs rustica (plebe).
Em Roma, de início, os lavradores formavam a vanguarda do patriciado e só os proprietários de terras podiam comandar a defesa.
Viviam tradicionalmente da auto-suficiência, ou sejam à margem dos circuitos mercantis.
Nos primeiros tempos de Roma, cultivavam-se principalmente cereais, leguminosas e hortali­ças, mas, a partir da Época de expansão republicana e imperial, a agricultura passou a incluir o trigo em grande escala, visando o fabrico do pão, bem como a vinha e a oliveira, tendo-se de­senvolvido as prensas de azeite, o regadio, a enxertia e a poda.
As técnicas agrícolas baseavam-se no uso do arado romano, puxado habitualmente por bois.
Na época de Augusto (44 a. C. - 14 d. C.) assiste-se ao enaltecimento da agricultura, durante a chamada Pax Augusta, que se foi dilatando a todo o Império.
Mas a condição de camponês sofreu múltiplos revezes e progressos, a que não são alheias as lutas agrárias dos plebeus, que originaram a distribuição de terras, o abandono dos campos face ao êxodo dos camponeses para as cidades em crescimento e, claro está, a própria guerra.
As múltiplas reformas promovidas durante a República a exemplo das dos Gracos, pretendendo equilibrar a propriedade das terras, são disso exemplos.
Era costume dar porções de terra a legionários quando terminavam os seus serviços militares. No século I a. C. assiste-se a novas reformas, mas que visavam entregar terras aos veteranos.
Augusto acrescentou a essa prática a de fazer gratificações monetárias.
Vergílio, enaltecendo a agricultura e, como bem nos recorda Maria Helena da Rocha Pereira, “instigado pelos conselhos do Imperador, que deseja extrair da agricultura e do interesse pela terra o manancial de virtudes que outrora ela despeitara nos romanos, construirá as suas Geórgicas, sem dúvida o poema de mais acabado engenho da Literatura Latina.”
O poeta pretende ainda enobrecer o trabalho árduo nos campos e os resultados que pode trazer e fazer o apelo ao camponês idealizado dos tempos da Monarquia e da República, quando a sociedade romana era uma sociedade estruturalmente camponesa.
Plínio-o-Velho (23 d. C. – 79 d. C.) é testemunha da inércia de que parece sentir-se na agricultura dos primeiros tempos do Império.
«A dialética pioneira de Catão, Varrão e Columela, parece que conseguiu ser ouvida; os instrumentos aratórios foram aperfeiçoados, ao mesmo tempo que se estabeleceu a prática da irrigação tão antiga no Egito e Mesopotâmia. O uso de adubos também se generalizou.
Pergunta-se então: por que teria havido essa verdadeira revolução agrícola? Uma explicação poderia ser encontrada na diminuição da mão-de-obra escrava, pois que as guerras de conquistas vão terminar: o Império entra de manutenção do status quo, cai na defensiva no limes. A melhoria técnica foi a única resposta possível à diminuição do braço escravo. Outra consequência foi o aparecimento de um outro tipo de exploração agrícola — o colonato».[4]
Contudo, estudos recentes demonstraram que «debe ser reducida a sus justos límites la afirmación de Plinio de que los latifundios perdieron a Italia. Pues salvo regiones situadas al norte del Po, Etruria y el sur de la península, el régimen de latifundio (tal como se entiende hoy en español) no era el dominante. Predominaban las pequeñas y medianas propiedades. Otro problema distinto lo constituían los grandes propietarios: miembros de orden senatorial y del ecuestre que poseían varias fincas de extensión media en Italia y en las provincias dando así un importante sector de absentistas. Los modelos de fincas rústicas, villa, contemplados por los tratadistas de agricultura pueden servir para entender la organización de este tipo de explotaciones»[5].
Relativamente aos colonos, coloni, também referenciados em Columella (I, 7, 6) como camponeses que trabalham um lote de terra  que não era sua propriedade, mas arrendado,  ou explorado em parceria, valerá a pena ler o notável trabalho, datado de 2000, “Algunas cuestiones sobre la familia campesina en el Alto Imperio: el ejemplo del Sureste peninsular de María-Juana López-Medina, Gérion, nº 18.
A realidade agrícola era, portanto, bastante complexa em Roma, pois proprietários, rendeiros ou assalariados espelhavam realidades muito diferentes.
Salientamos ainda as palavras da autora acima mencionada no que se refere à complexidade e dificuldade dos estudos desenvolvidos na Península Ibérica:
«Hemos visto cómo los estudios arqueológicos para época romana en la Península se han interesado principalmente por las grandes ciudades, las ciudades modelo romanas desde el punto de vista urbanístico. Esta misma idea de monumentalidad también ha incidido en un primer momento en el análisis de las construcciones rurales. Así pues, la preocupación de la arqueología en este sentido ha sido el hallazgo de grandes estructuras que se pueden identificar como villae, generalmente se trata de construcciones que superan 1 Ha. Igualmente, dentro de éstas, la excavación se ha centrado en su pars urbana o residencial, puesto que es la parte más espectacular; en ésta suelen aparecer restos ornamentales con dependencias más lujosas decoradas con estucos pintados o mosaicos. Actualmente esta visión tiende a ser superada, y cada vez están cobrando más importancia los análisis de las partes dedicadas a las funciones económicas de la villa, es decir, a la pars rustica y a la pars fructuaria.
Sobre o mundo agrícola encontramos muitas referências latinas, quer seja em Varrão (116-27 a. C.), quer em Columella (Lucius Junio Moderatus Columella, nascido em Cádis (4 d.C -  70 d. C.), autor da obra De re rustica.
Marco Pórcio Catão, (234 a.C. - 149 a.C.), escreveu um tratado, uma espécie de manual chamado De Agri Cultura sobre a forma como se devia dirigir uma propriedade rural, no qual se podem encontrar também orientações para os cuidados médicos a ser adoptados com os escravos e com o gado.
Também o grande naturalista Plínio-o-Velho, (Como, 23—Estábia, 79), autor da História Natural é uma fonte fundamental para conhecer a agricultura de Época Romana.


Sugestões de leitura:
Sobre este tema, para além dos trabalhos mencionados ao longo do texto, sugerimos ainda a leitura de:
MARTIRE, Alex, 2008, Plebs Urbana na Roma Antiga. Vida e Trabalho.
PAULA, Eurípedes Simões de. “A técnica e a evolução da agricultura em Roma”. In: SIMPÓSIO NACIONAL DA ASSOCIAÇÃO DOS PROFESSORES UNIVERSITÁRIOS DE HISTÓRIA, 9., 1977, Florianópolis. Anais do IX Simpósio Nacional da Associação dos Professores Universitários de História. O homem e a técnica. São Paulo: [ANPUH], 1979. v. 1, p. 275-276
ROCHA PEREIRA, Maria Helena da, 2015, Estudos sobre a Roma Antiga. A Europa e o Legado Clássico, Fundação Calouste Gulbenkian. Imprensa da Universidade de Coimbra.
SILVA, Gilvan Ventura da SilvaNorma Musco MendesRepensando o Império Romano. Mauad Editora Ltda, 2006  Aqui
VERGÍLIO, Geórgicas, 2019, (Trad. Gabriel A. F. Silva). Livros Cotovia
VIRGÍLIO, Bucólicas, (Tr. Agostinho da Silva). Temas e Debates, 1997.


Os Gladiadores
Os gladiadores eram lutadores que participavam de torneios de luta na Roma Antiga. De origem escrava, estes homens eram treinados para estes combates, que serviam de entretenimento para os habitantes de Roma e das províncias.

 Vidro romano com representação de gladiadores. Museu Gallo Romano de Lyon


Gladiador – «A Morte e o Triunfo», Exposição do Museu e Parque Kalkriese. «Caneleiras de gladiador procedentes de Pompeios, decoradas com relevos de Júpiter (esquerda) e Neptuno» (direita). Fotografia de Carole Raddato.
A partir de: Traianvs. Ingeniería Romana. Aqui


Os gladiadores eram escolhidos entre os prisioneiros de guerra, criminosos e escravos, podendo tornar-se quase como heróis populares com a fama obtida. Os mais bem sucedidos ganhavam, além da popularidade, muito dinheiro e, com o tempo, podiam largar a carreira de forma honrosa. Os seus combates na arena atraíam milhares de fãs e era através da sua fama e número de vitórias obtidas que poderiam alcançar ou comprar a liberdade. 
Estes privilegiados obtinham uma pensão do império e um gládio (espada de madeira simbólica). Aliás, é o gládio, espada curta de dois gumes utilizada por esses lutadores, que está na origem do seu nome.
Esses escravos eram geralmente mais bem tratados do que os restantes escravos de Roma, porque recebiam uma boa alimentação – vale a pena salientar que a sua dieta era basicamente vegetariana, pois a carne era muito cara na época –, cuidados com a sua saúde, além de outros cuidados para garantir a sua integridade física. Tudo isso porque os gladiadores viabilizavam muitos rendimentos aos seus senhores, uma espécie de empresários especializados em alugar esses lutadores para os espectáculos. Designava-se lanista o proprietário e empresário de gladiadores.
Nas arenas (claro que a mais famosa era o Coliseu de Roma), os gladiadores podiam lutar entre si até que um deles morresse ou ficasse ferido de modo a não poder continuar o combate. Neste caso, o gladiador podia implorar misericórdia. A decisão cabia ao imperador, ou outra autoridade que presidisse aos jogos. Aceitava-se que expressaria a vontade da multidão em gritaria e que determinaria com o polegar virado para cima ou para baixo o destino do vencido, embora actualmente se ponha em causa esta interpretação, pois o investimento feito num gladiador era extremamente elevado.
Usavam vários tipos de armamento, como as espadas, escudos, redes, tridentes, lanças, etc. Participavam, também, em lutas, montados em cavalos ou usando bigas, carros romanos puxados por dois cavalos. Muitas vezes estes gladiadores eram colocados na arena para lutar com feras, como leões, onças e outros animais selvagens.



Fresco com representação de luta de gladiadores, Pompeios.
Fotografia a partir daqui

Na sua maioria eram homens, mas havia, também, combates entre mulheres, que lutavam até à morte. De acordo com o biógrafo Suetónio, o imperador Domiciano (reinou 81-96 d.C) fez as mulheres lutarem na arena à noite iluminadas com tochas
Aliás, esses duelos eram eventos especiais na programação dos jogos. Alguns pesquisadores acreditam que, para “animar a equipa”, as gladiadoras não usavam capacetes e lutavam com, pelo menos, um seio à mostra.



Gladiadora. Pompeios. fotografia de Alfonso Manas

Embora proibidos em 325, por Constantino, os combates de gladiadores continuaram a ocorrer por mais de um século, de forma clandestina.


Luta de gladiadores. Séculos II-III d.C. Necrópole de Kibyra. Museu de Burdur. Fotografia a partir de: Following Hadrian. Aqui  https://www.facebook.com/photo.php?fbid=538943486231933&set=a.260113100781641.61354.178897115569907&type=1&theater



Havia vários tipos de gladiadores, em Roma, seis pelo menos:
O trácio. Os trácios eram os únicos a lutar com a sica, uma espada curva. Como usavam um escudo pequeno, eles tinham, também, chapas de metal para proteger as pernas. O capacete com plumas era outra marca registada.
O secutor. Treinado para defrontar o retiarius, era um “tanque de guerra” bem protegido. Tinha um grande escudo retangular e capacete mais liso (para não se prender na rede do retiarius) e com pequenos buracos para os olhos (para evitar as pontas do tridente). A sua arma era uma espada.
O dimachaerus. Há poucos registos sobre este tipo de gladiador – os historiadores não sabem ao certo quem ele enfrentava nas arenas. Mas, pelo facto de usar só duas espadas, alguns especialistas acreditam que o dimachaerus era um dos gladiadores mais bem treinados.
O retiarius. Era o tipo mais ágil e veloz, mas também o mais indefeso, pois tinha pouca proteção – nem sequer usava capacete. Defrontava gladiadores “pesados”, como o secutor, usando só uma rede e um tridente. Para finalizar a luta, contava, ainda, com uma adaga.
O murmillo. Tinha o apelido de “homem-peixe” por usar um capacete com o desenho de um peixe na lateral. As armas e proteções eram similares às do secutor, podendo variar o escudo. As lutas entre trácios, murmillones e retiarii eram consideradas os verdadeiros clássicos das arenas.
O hoplomachus. Homenageava os guerreiros das falanges gregas, por isso usava uma lança, que podia ser utilizada juntamente com uma adaga ou com uma espada. Tinha boas proteções para o corpo, como o secutor, mas tinha de se proteger apenas com um pequeno escudo circular.
            Para além destes, havia gladiadores que lutavam a cavalo. Eram eles:
Os andabatae. Combatiam com um capacete com o visor tapado – um combate às cegas, sem escudo, e usando apenas uma espada. Eles não eram do mesmo nível dos outros gladiadores e serviam mais como um “alívio cómico” durante os jogos.
Os equites. Gladiadores montados, bem mais sérios do que os andabati, combatiam entre si com uma lança e um escudo circular médio. Em alguns duelos, trocavam a lança por uma espada. Os equites podiam lutar em pares ou em grupos, atuando como uma cavalaria.

A juntar aos gladiadores, havia ainda os bestiarii, que defrontavam os animais na arena, e os venatores, que lhes davam caça. Nem uns nem outros eram considerados propriamente gladiadores.
Representação de luta de Gladiadores. Mosaico romano proveniente de Gerona. Museo Arqueológico de Barcelona
Mosaico com representação de cena de luta de gladiadores. o secutor Astyanax e o retiarius Kalendio. Na cena superior, mostra-se o vencedor Astyanax em atitude de dar o golpe mortal com a espada, a Kalendio. O lanista incentiva-os a combater.

O lanista, que comprava os gladiadores e os ensinava a combater, era proprietário de vários gladiadores e fornecia-os aos espectáculos; era, também, o mestre de armas e professor da companhia. Usava um bastão, como marca de sua autoridade sobre os gladiadores e animava-os a combater.

Sobre os Gladiadores

BLÁZQUÉZ, José María, Representaciones de gladiadores en el Museo Arqueológico Nacional, Zephyrus (Ediciones Universidad de Salamanca) 9, 1958, 79-94


SUGESTÕES DE LEITURA GERAIS

CARCOPINO, Jérôme, A Vida Quotidiana em Roma. Edição Livros do Brasil, Lisboa
COULANGES, Fustel de, 1988, A Cidade Antiga, Clássica Editora.
DUBY, Georges (direcção), 1989, A Civilzação Latina, Dos tempos Antigos ao Mundo Moderno,  Publicações Dom Quixote.
ÉTIENNE, Robert, A Vida Quotidiana em Roma, Edição Livros do Brasil, Lisboa.
GRIMAL, Pierre, 2017, A Civilização Romana, Medina
ROCHA PEREIRA, Maria Helena, Estudos de História da Cultura Clássica (Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, vol. I, Cultura Grega, 12.ª ed., 2012; vol. II, Cultura Romana, 3.ª ed., 2002).
FUNARI, Pedro Paulo, 2001, Grécia E Roma. Editora Contexto.
VEYNE, Paul, 1990, A Sociedade Romana. Edições 70
GRENIER, Albert, 1969, Le Génie Romain dans la Religion, la Pensée e l’Art. Éditions Albin Michel



«Taça de vidro pintado. Museu de Vindolanda. Importado da Renânia. É uma taça de vidro caro, que oferece uma cena de combate de gladiadores. Inclui um retiarius e um secutor». Legenda e imagem  a partir de Aqui



[1] Carlos Fabião, 2006, A Herança Romana em Portugal, CTT Correios de Portugal.
[2] Jerzy Kolendo, 1992, “O Camponês”,  in O Homem Romano. 1992, Editorial Presença,

[3] Idem, 1992, p. 169.

[4] Cit. PAULA, Eurípedes Simões de. "A técnica e a evolução da agricultura em Roma". In: SIMPÓSIO NACIONAL DA ASSOCIAÇÃO DOS PROFESSORES UNIVERSITÁRIOS DE HISTÓRIA, 9., 1977, Florianópolis. Anais do IX Simpósio Nacional da Associação dos Professores Universitários de História. O homem e a técnica. São Paulo: [ANPUH], 1979. v. 1, p. 275-276. Aqui: http://anpuh.org/anais/wp-content/uploads/mp/pdf/ANPUH.S09.12.pdf




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