sexta-feira, 29 de maio de 2009

Ainda a propósito de Santiago do Cacém, Gentil Cesário



A propósito de um texto que aqui foi editado sobre Santiago do Cacém, o meu amigo Gentil Cesário resolveu fazer uma "achega" que, por vir na continuidade desse trabalho e, claro está, dos inúmeros estudos que ele tem feito sobre a região, aqui apresento, agradecendo-lhe a nota.

Cruz sobre a Porta do Castelo de Santiago do Cacém

Sobre a actual Porta do Castelo de Santiago do Cacém encontram-se duas pedras que encerram elementos heráldicos de posse e governo do Castelo e do território. Trata-se, na primeira pedra, de uma cruz florenciada, com cinco vieiras dispostas sobre as extremidades e centro da mesma, e de um espadim, o formato da cruz tradicional da Ordem de Santiago. Na pedra ao lado está um escudo de cavaleiro, sem elmo ou outro emblema, com as cinco quinas de Portugal dispostas no seu campo. O primeiro destes símbolos, a cruz florenciada, que por isso se assemelha muito à cruz da Ordem de Avis, foi equivocamente interpretada como sendo o símbolo dessa ordem militar pelo Padre António de Macedo e Silva, na sua obra Annaes do Municipio de Sant’Iago de Cacem (1869), Lisboa, Imprensa Nacional. Nesta, na página 74, o autor escreveu: “Ainda n’esta[1] se vê uma porta para a parte da villa[2]; a outra foi demolida, com um grande lanço da barbacan, no anno acima mencionado[3]. N’esta estava da parte direita o habito de Sant’Iago conchado; no meio o escudo das armas portuguezas, sobresaidas as quatro pontas da cruz de Aviz, como se usou no tempo de D. João I, e da parte esquerda um escudo com seis fachas, tres ao comprido e tres ao largo. Na porta da muralha se vê por cima do arco, á direita, a insignia de Aviz, no meio a de Sant’Iago, e á esquerda o escudo de Portugal, somente com as cinco quinas”. Em nota de rodapé o autor atribui a existência das insígnias da Ordem de Avis num castelo da Ordem de Santiago, com a participação santiaguense na Guerra de 1383-1385, em que a vila foi invadida por forças ligadas ao rei de Castela e reconquistada por D. Nuno Álvares Pereira em nome do mestre de Avis, D. João, eleito em 1385, em Coimbra, rei de Portugal. Por outro lado, Fernão Lopes, na sua Crónica do Rei D. João I, diz-nos que Santiago do Cacém foi uma das vilas que “deram voz” pelo mestre de Avis em 1383, o que não admira pois o mestre da Ordem de Santiago era amigo do mestre de Avis e esteve, desde o primeiro momento, ao lado de D. João. No entanto, continua a parecer muito estranho que a Ordem de Santiago colocasse o símbolo de outra Ordem num dos seus castelos e, por mais importante ou leal que tenha sido o papel de Santiago do Cacém na Guerra de 1383-1385, isso não significa que o novo rei impusesse, e Ordem de Santiago aceitasse, as insígnias da Ordem de Avis sobre a porta de um dos seus castelos. Mais lógico parece ser a colocação do escudo do novo rei sobre a porta principal da barbaçã, como nos diz o autor demolida em finais do século XVIII, pois, apesar das pontas da cruz de Avis sobressaídas, estas eram as novas armas do país e faziam a ligação com os eventos da Guerra de 1383-1385. Resta explicar o que faz uma cruz que não se parece com a cruz de Santiago sobre a porta do Castelo de Santiago do Cacém. A resposta pode estar num olhar atento sobre a própria cruz, pois esta possui cinco vieiras, e as vieiras eram um dos símbolos de Santiago e da Ordem. Logo esta cruz, embora não tenha o formato convencional de um espadim, pode estar ligada à Ordem de Santiago. No Museu Nacional de Arte Antiga, em Lisboa, encontram-se algumas da tábuas do Retábulo da Vida e da Ordem de Santiago, atribuído ao Mestre da Lourinhã e encomendado nos inícios do século XVI, pelo mestre D. Jorge de Lencastre, para a Capela-Mor da Igreja do Convento de Palmela. Numa destas tábuas, intitulada “Entrega da bandeira da Ordem ao Mestre D. Pedro Fernandes”, vê-se um personagem com tripla coroa, o Papa, entregando a um cavaleiro ajoelhado uma bandeira, em cujo centro está uma cruz florenciada (como a de Avis), tendo cinco vieiras distribuías pelas extremidades e centro. Esta evidência iconográfica explica a cruz sobre a porta do Castelo, que aliás se repete no interior da Igreja Matriz de Santiago do Cacém, nos brasões que decoram algumas das colunas – a mesma cruz florenciada carregada com as vieiras.O Dr. Carlos Sobral (que me chamou a atenção para esta cruz), no seu livro Património Edificado de Santiago do Cacém (Breve Inventário) – (2001), ed. Colibri e CMSC, faz uma descrição mais correcta das armas sobre a porta do Castelo: “A particularidade destas últimas marcas de posse encontra-se na disposição num único suporte calcário, não da cruz da Ordem de Avis – como interpretou Silva -, mas na cruz da bandeira da Ordem de Santiago (peça Heráldica conchada ao centro e nos quatro braços), seguida da cruz espatária, em paralelo com as cinco quinas de Portugal, dispostas no campo de um escudo de cavaleiro (e já orientadas pela nova reforma heráldica de 1485) ”. A partir das palavras iniciais de António de Macedo e Silva, desde meados do século XIX, vários outros investigadores identificaram esta cruz com a Ordem de Avis, relacionando-a com o papel desempenhado por Santiago do Cacém em 1383-1385. Embora não estivessem completamente enganados pois existira, junto à porta da barbacã desaparecida em 1796, um brasão do rei D. João I, com as pontas da cruz florenciada de Avis aparentes sob ele. No entanto, a cruz que hoje está sobre a porta do Castelo parece ser, com as evidências iconográficas dadas pelo painel do Retábulo de Palmela, a cruz da bandeira da Ordem, que deveria figurar no seu estandarte e que aparece repetida na iconografia do interior da própria Igreja Matriz de Santiago do Cacém. Gentil José Cesário

[1] A barbacã do Castelo[2] A actual Porta da Vila (por ficar próximo da torre com o mesmo nome), que dá acesso à Tapada dos Condes de Avillez.[3] 1796
Fotografias 2 e 3: José Matias

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