quinta-feira, 21 de junho de 2018

Regressei a Troia pelas mãos de Hans Christian Andersen que também por lá andou (reed 28-08-08).

Regressei a Troia pelas mãos de Hans Christian Andersen que também por lá andou (reed 28-08-08).



 

“… as ruinas de Troia de Setubal constituem um enexgotavel manancial archeologico. Não dá dum passeio pela praia, não se mexe na areia, que não appareça alguma cousa. Oxalá que algum Ministro se amercie d’ellas! tanto mais que é uma vergonha que esteja a findar o seculo XIX, o seculo chamado das luzes, e Portugal deixe perder para sempre estes eloquentes vestigios de grandeza do seu passado. sem lhes prestar o culto que os povos civilizados prestam a tudo o que pode servir para aclarar os problemas históricos.
José Leite de Vasconcellos, Archeologo Português.
Regressarei a outra Tróia, a romana, das salgas de peixe e das histórias contadas do Humanista André de Resende e de Fr. Bernardo de Brito, da Escola Historiográfica de Alcobaça, que retoma identificação de Tróia com a Caetobriga romana escrevendo: “nos tempos antigos florescera na povoação de Cetobriga a que os moradores da terra chamam Troia”. (7)
Muitos autores insistem nesta identificação, como Duarte Nunes Leão, João Batista Lavanha e a Frei António de Santa Maria, Carlos Ribeiro, entre outros.
João Batista Lavanha na sua “Viagem da Catholica Real Magestade del Rey D.Filipe II a Portugal”, de 1622, diz que:” Setuval. He huma das maiores, e mais assinaladas villas de Portugal, por causa do seu porto formado do Rio Cadão (9), que alli entra no Oceano, e de huma lingua de terra que o mar ha estreitado. Nesta lingua de terra que fica de fronte da villa, ouve na antiguidade huma povoação chamada Cetobriga …. onde ainda oje se vem os vestigios de tanques em que se salgarão os atuns, e outros pescados, e aparecem as ruinas de outros edificios de aquella cidade, e dellas se tirão estatuas, columnas, e muitas inscripções, que entre outras antiguidades dignas de eterna memoria se conservão na casa do duque de Aveiro”.
A estas ruynas chama o vulgo Troya com que quer dar a entender que são da povoação que alli ouve”.
Regressarei a uma «Rua da Princesa», assim denominada porque D. Maria, rumando ao Pinheiro, aqui passou e resolveu desembarcar para conhecer os restos de Latinos, tendo identificado uma zona residencial; voltarei à Real Sociedade Archeologica Lusitana, cujo patrocinador, o Duque de Palmela, permitiu que as escavações aí se incrementassem e aos desenhos das mãos do oitocentista Marques da Costa, que tão pormenorizados até parecem efabulação.
Voltarei às «Minhas Memórias de Tróia», retomando um velho tema adiado, mas agora, certamente, enriquecido porque será mais partilhado.
Aos desenhos de grandes caricaturistas portugueses que colaboraram com José Leite de Vasconcelos, certamente porque era mais uma forma de prover o sustento, desenhos esses que o Museu de Arqueologia ainda conserva, bem como às primeiras fotografias que a Arqueologia Portuguesa viu, nas mãos de M. Apolinário.
Regressarei à Troia do relevo mitraico, divindade de militares vinda do Império Oriental, que o Cristianismo acabou por banir. Espreitarei depois, de novo, sim, a cópia do  relevo mitraico que, embora sendo o único exemplar em território nacional, andou por destinos perdidos durante décadas, sabendo-se hoje em posse de particular, e regressarei outrossim ao templo paleocristão, onde Marques da Costa fixou em desenho o Crismon que diz ter encontrado.
E às sepulturas tardias de mansae, exemplares também raros e de que apenas existe um paralelo em toda a Península, onde deitados os comensais partilhavam com os seus mortos alimentos e vinho aquecido e com mel.
Regressarei à Tróia de poços, cisternas e reservatórios de água, para servir unidades fabris, bem como os balneários com os seus tanques tépidos e quentes e com os seus mosaicos que, alindando o espaço, permitiriam esquecer cheiros fétidos a peixe e dias suados de labor.

Voltarei às unidades fabris que parecem não acabar …quilómetros de praia cheios de cetárias, de que ainda se não conhece bem a organização.


Rumarei ao Columbarium, esse lugar de sossego dos mortos que ocupa o espaço já desactivado de fábricas abandonadas e às sepulturas que se vão juntando em seu redor, transformadas as unidades fabris em lugares de solidão, pela crise anunciada de um Império a ruir.
Regressarei ainda à sepultura em forma de cupa que se implantou junto às termas e à sepultura da Galla, cujo desenho, dos mais belos que já vi, também se encontra no Museu Nacional de Arqueologia.
Para já, vão apenas informações gerais sobre este fantástico Sítio Arquológico:
Ruínas de Troia, classificadas como Monumento nacional pelo Dec-Lei de 16 de Junho de 1910
Z.E.P. e área non aedificandi (DG,II Série, nº155 de 02/07/69), cujos limites precisos foram definidos na Portaria nº40/92 de 22 de Janeiro
Localização : Extremo da Península de Troia, Setúbal (Concelho de Grândola)
Caracterização: Trata-se de um dos mais interessantes conjuntos fabris de conserva de peixe do Império Romano conhecidos em território peninsular, construído nos inícios do século I d.C. e que deve ter laborado até aos séculos IV/V d.C.
Para além dos tanques de salgas, estão identificadas uma área habitacional, conhecida por «Rua da Princesa», umas termas ou balnea, três necrópoles e um Templo Paleocristão que preserva ainda o revestimento com pinturas a fresco.
Voltarei a Tróia, sim, mas hoje vou-me deixar levar pelo sono que o sol do dia me permitiu ter …
com a alegria de saber que tanta coisa, finamente, se está a reiniciar.
À Inês Vaz Pinto e sua equipa, à IMOAREIA os meus parabéns!
E adormecerei esta noite com a descrição de Tróia de Hans Christian Andersen na sua obra “Uma Visita a Portugal”, em viagem a Setúbal, em 1866, no dia de festejos de Santo António na cidade:
«No cais havia grandes barcos de pesca; quem quisesse, podia dar uma volta e visitar a Pompeia de Setúbal – Tróia, a aldeia de pescadores, enterrada mas parcialmente escavada (…).
Voltámos para trás, não em direcção a casa mas rumo ao canal para vermos os restos de Tróia, a cidade enterrada na atreia. Foi fundada pelos Fenícios; desde então, os Romanos viveram aqui e recolheram o sal da mesma maneira que ainda hoje é usada, tal como o testemunham as grandes ruínas. Em tempos idos, a entrada domar devia ser para leste; a entrada actual foi quebrada por uma grande inundação, que acabou por a bloquear com areia. Os seus habitantes foram todos obrigados a fugir; acredita-se que inicialmente procuraram as montanhas e fundaram a povoação que agora é Palmela, mas mais tarde dirigiram-se para baixo, para a costa, onde fundaram Setúbal, ainda existente.
(…) Onde quer que puséssemos o pé em terra, havia grandes pilhas de pedras amontoadas, restos de lastro de navios que traziam as suas cargas de sal para a baía. Desta forma, havia ali pedras grandes e pequenas vindas de todas as artes do mundo – da Dinamarca e da Suécia, da Rússia e também da China. Podia escrever-se uma longa história sobre elas(1). (…) Tinham começado a fazer uma grande escavação, que parara devido a falta de meios (2). Não se tinha ganho muito com isso, mas sinda assim podiam ver-se alicerces de casas, vários pátios, muros altos, restos de um jardim inteiro, com uma casa-de-banho parcialmente conservada, um chão de mosaico e paredes com lajes de mármore. mesmo dentro de água, havia fragmentos e pedaços de jarros antigos e até grandes muros de pedras».
(1) Julgo tratar-se de uma curiosa interpretação de H.C.A., se bem que a maioria das pedras que se encontram espalhadas por 2 km de extensão de costa são de origem romana, fruto da destruição das construções.
(2) Uma vez que a viagem de H. C. A. teve lugar em 1866, deverá estar a referir-se às escavações efectuadas pela Real Sociedade Archeológica Lusitana que teve, inicialmente, o patrocínio de D. Fernando e do Duque de Palmela. No entanto, já anteriormente se tinham feito “explorações” no tempo da infanta D. Maria.

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