sexta-feira, 12 de março de 2021

A VIOLÊNCIA ENTRE AS DIVINDADES: AS MULHERES COMO ESPELHO




A VIOLÊNCIA ENTRE AS DIVINDADES: AS MULHERES COMO ESPELHO


Filomena Barata

Associação CLENARDVS
Centro de Estudos Clássicos, Faculdade de Letras de Lisboa




                                                        







Perseu entregando a cabeça de Medusa a Atena. Cratera atribuída ao pintor Tarporley de Apúlia (400-385a.C.). Museu de Belas Artes de Boston, Massachusetts, EUA.


Se os deuses ou figuras divinas espelham as sociedades, embora com muitas nuances, pois o tempo do mito é não igual ao tempo da História. 

Os mitos de origem grega podem, contudo, viabilizar uma abordagem dos  "modos de representação dos aspectos morais e subjetivos das relações sociais estabelecidas entre os gregos e outros povos e com eles mesmo", bem como "elementos que atuem como catalisadores de padrões ético-morais e valores sócio-religiosos disseminados" (CARDERARO, 2015, p.12).


Acresce-se ainda que as divindades são tão numerosas e de tantas origens, que, por vezes é difícil associar a uma cronologia e a um topos determinado, é um facto que as divindades greco-latinas não deixam de reflectir a sociedade grega e, posteriormente, a Romana, onde grande parte serão homologadas.

E a sociedade, sem dúvida, contém uma grande carga de violência, motivo pelo que não podemos estranhar a violência que acompanha muitas das lendas em torno da Mitologia Clássica, logo desde os primeiros textos de Homero, evitando aqui entrar em considerações sobre a autoria ou cronologia da Ilíada e Odisseia (LOURENÇO, 2018: 15-22)

Claro está que as divindades femininas não estão isentas a essa mesma violência, quer como agentes, quer como vítimas dela. Ao segunto aspecto me deterei num outro trabalho que tenciono desenvolver.

Ressalvo que a complexidade e ancestralidade do tema Violência não me permite senão tentar abordá-lo, neste primeiro texto sobre o tema, senão como uma espécie de introdução, numa tentativa de fazer a arqueologia da sua representação em algumas das divindades greco-romanas, centrando-me, sobretudo, nas femininas.

Habituada que estava a tentar olhar a Mitologia na sua perspectiva mais ecológica, pois Divino e Natureza não se compartimentam nela, este trabalho que me propus agora elaborar, fez-me equacionar velhos mitos conhecidos de outra forma, pelo que o meu contributo é apenas o de quem abraça um novo caminho: o da violência dos deuses e heróis e a forma como a natureza feminina, através das divindades, se subjuga ou se liberta dessa mesma violência.

Ao ler a Teogonia e os Trabalhos e Dias de Hesíodo, somos confrontados com a genealogia dos deuses que nos remete a uma sucessão de violências exercidas por Titãs e Deuses a fim de obterem a soberania. É através da violência que se consolida quer o poder de Úrano, de Cronos e de Zeus.

Cronos, considerado o mais jovem da primeira geração de titãs, era a personificação do Tempo, mas também o deus grego da agricultura, das sementeiras.
Ao destronar o seu pai, atingindo-o com uma gadanha e cortando os seus testículos, Cronos torna-se o Rei dos Céus e o seu reinado (segunda geração divina) ficou conhecido como a “Idade do Ouro”, segundo o poeta Hesíodo.
O seu poder adquire-se, portanto, através da violência, pois decepa os próprios testículos do pai, cujo sangue, segundo algumas versões da lenda, dará origem a Vénus, nascida dos órgãos do Céu (Úrano), cortado pela foice de Cronos/Saturno como nos narra Hesíodo :

«Os testículos, por sua vez, assim que cortados pelo aço
e lançados desde terra firme ao mar de muitas vagas,
foram levados pelo mar, por longo tempo; à sua volta, uma branca
espuma se libertou do órgão imortal e dela surgiu uma
rapariga. Primeiro, foi em Citérios
que ela nadou, e de lá em seguida chegou a Chipre rodeada de mar;
aí aportou a bela e celebrada deusa que, à sua volta,
sob os seus pés ligeiros, fazia florescer o solo, "Afrodite"
(a deusa nascida da espuma e Citereia de belo toucado)
é esse o nome que lhe deram os deuses e homens, porque na espuma
surgira, e ainda "Citereia", por ter aportado junto dos Citérios,
e "Ciprogeneia", por ter nascido em Chipre rodeada de ondas,
e ainda "Filomedeia", porque surgida dos testículos,
Seguiu-a, sem demora, Eros e acompanhou-a o belo Desejo,
mal ela nasceu e se uniu à família dos deuses.
E, desde o início, teve como competências e foi
seu destino, entre os homens e os deuses imortais,
as intimidades das meninas, os sorrisos, os enganos,
o prazer doce, o amor, a meiguice».
Hesíodo, Teogonia, 2014, Imprensa Nacional - Casa da Moeda



Nenhuma descrição de foto disponível.
Estatueta de Vénus. Século II d. C. Torre d'Ares. Museu Nacional de Arqueologia. N.º de Inventário:14709. Fotografia: José Pessoa, DDF-DGPC


Cronos assume, pois, o papel de libertador de sua mãe, Terra (Gaia, Geia) contra o pai, Céu, que lhe deu inúmeros filhos, mas eram mantinhos presos no Interior da Terra.



«Quantos tinham nascido da Terra e do Céu,
Os mais terríveis filhos, todos odiaram o seu progenitor,
desde o início. Pois, quando estavam prestes a nascer, logo
os escondia a todos e os privava da luz,
nas entranhas da Terra. Este feito hediondo comprazia-o a ele,
o Céu; mas, ela, a enorme Terra, gemia, com as entranhas
cheias, e concebeu uma cruel e pérfida vingança.
Depressa criou uma espécie de aço brilhante
E com ele fez uma grande foice e dirigiu-se aos filhos queridos.
Então, incitou-os, dizendo, com o coração ensombrecido:
“Filhos, meus e de um pai cruel; se quiserdes,
fazei o que vos peço; vamos castigar a cruel ação do vosso
pai, pois foi ele quem primeiro se lançou em obras infames”.
Assim falou. O terror apoderou-se de todos, mas nenhum deles
disse palavra. Só o grande Cronos de pensamentos tortuosos, destemido,
se dirigiu de imediato com estas palavras à mãe veneranda:
“Mãe, eu vou tomar a meu cargo executar
tal tarefa; não tenho medo de um pai cujo nome não deve pronunciar-se,
o nosso, pois foi ele quem primeiro se lançou em obras infames”.
Assim falou. E no seu espírito, regozijou-se a enorme Terra»
Hesíodo, Teogonia, (tr. Ana Elias Pinheiro e José Ribeiro Ferreira, Imprensa NacionalCasa da Moeda, 2014

File:Aion mosaic Glyptothek Munich W504.jpg

(Tellus, a Geia grega, com os seus quatro filhos, provavelmente as Estações, acompanhada por Aeon-Cronos com o Zoodíaco. Mosaico proveniente de Sentinum, 200-250 d.C , Glyptothek).
Fotografia a partir de Aqui.
By User:Bibi Saint-Pol, own work, 2007-02-08, Public Domain,


A Terra, sempre fustigada, identificada com a deusa grega Geia, assim nos é descrita por Ovídio, no episódio de devastação pelo fogo, provocada por Faetonte, conduzindo o carro desgovernado de seu pai, Febo:

«A Alma terra, por seu turno, rodeada que estava pelo mar,

entre as águas oceânicas e as fontes que, por toda a parte,
encolhidas, buscam refúgio nas escuras entranhas da mãe,
ergueu a custo, árida, até ao pescoço, o rosto sufocado;
e pondo a mão à frente da testa, com um enorme safanão
tudo fez estremecer. Instalando-se um pouco mais baixo
do que é costume, com voz alquebrada, assim falou:
«Se é isto que queres e mereci, que aguardam os teus raios,
ó deus supremo? Se vou perecer pela violência do fogo,
dá-me perecer pelo teu fogo para a desgraça ser mais leve,
sendo tu o autor (...)
Esta é a paga que me dás, esta a recompensa pela fertilidade
e os meus serviços, por eu suportar as feridas do arado
adunco e das enxadas, e por me afadigar o ano inteiro
por prover o gado de folhagens e a raça humana de cereais
(...)
Pois se consideração nem por teu irmão nem por mim te toca,
ao menos condói-te do teu próprio céu!
(...)
Se os mares, se as terras, se o palácio celeste perecerem,
voltamos à amálgama do Caos primordial. Salva das chamas
o que ainda restar, se ainda restar algo, e olha pelo universo».
Assim falara a Terra (já não conseguia mais aguentar
o calor, nem dizer nada mais). E enfiou de volta a cabeça
em si mesma e nos antros mais próximos dos defuntos.
Então, o pai omnipotente chama os deuses para testemunhar. (...)
Depois, sobe à cidadela lá no alto (...)
Troveja, e, balançando um raio junto à orelha direita,
dispara-o contra o cocheiro, cuspindo-o, a um tempo, da vida
e do carro. E assim, com o seu cruel fogo, extinguiu o fogo».


Ovídio, Metamorfoses, Livro II. Livros Cotovia, 2007.

Mas outras divindades encarnam ideia da Magna Mater ou a «Grande Mãe» e de «Mãe os Deuses», «Santa Mãe dos Deuses», a exemplo de Cíbele, como a denomina Ovídio nas suas Metamorfoses (Liv. X e XIV).

Já muito antes era mencionada  pelo poeta trágico grego Sófocles (495 a.C.-406 a.C.) como a «Mãe de Tudo», sendo, muitas vezes, designada como «Grande Mãe», ou  «Mãe Primordial», origem de toda vida, vegetal, animal e humana.
Ao que se sabe o culto provém da Anatólia Ocidental e da Frígia, onde designada como "A Senhora do Monte Ida", sendo, em algumas regiões, personificada por Perséfone. Integrou o Panteão Romano em 214 a C. onde passou a ser cultuada oficialmente.
A montanha, a caverna, os ambientes rochosos são os ambientes escolhidos por essa "Grande Mãe" ou mesmo considerados a encarnação da Divindade. 

Cíbele era amiúde representada como uma mulher madura, coroada de flores, nomeadamente rosas, aliás as flores utilizadas para venerar os mortos, e espigas de cereais, símbolo da vida, trajando uma túnica multicolorida e com um molho de chaves na mão.
Em algumas representações, ela aparece cercada por leões ou segurando nas mãos várias serpentes e com uma coroa de muralhas, que simboliza o seu poder como protetora e, ao mesmo tempo, arrasadora de cidades.



"Cabeça feminina ornamentada de "corona muralis" representando uma muralha de três andares com duas portas assente sobre os cabelos. Esta cabeça pertenceria a uma estátua marmórea de grande porte que se ergueria num templo ou num espaço público e monumental da cidade romana de Myrtilis, muito possivelmente no respectivo Forum.  Museu Nacional de Arqueologia. 
N.º de Inventário: 994.9.3
Comentário da peça e fotografia (José Pessoa Localização: DDF-DGPC) a partir daqui

Cíbele era a deusa dos mortos, da fertilidade, da vida selvagem, da agricultura e da Caçada Mística. Nos seus rituais eram usados pratos e tambores.
 
O culto de Cibele tornou-se tão popular que o senado romano, pese sua política de tolerância religiosa praticada, viu-se forçado a proibir os rituais da deusa-mãe. Tal como as deusas Perséfone e Deméter, Cíbele pertencia à Religião dos Mistérios e os rituais que lhe eram dedicados eram celebradas à noite, uma vez que ela era considerada a Rainha da Noite. Era-lhe reconhecida uma profunda sabedoria que era partilhada apenas com os seguidores dos seus «Mistérios».
Os que se dedicavam ao seu culto eram considerados como que encarnações de Átis, um deus lunar que usava a lua crescente como uma coroa, que tanto era tido como seu filho, como amante de Cíbele, que havia sido transformado num pinheiro, como castigo de se ter sendo traída, quando o mesmo se deixou seduzir por uma ninfa.

Quando a divindade soube que Átis lhe fora infiel e se deixara seduzir por uma ninfa, teve um terrível acesso de ciúmes. Provocou-lhe um transe delirante e, nesse estado de loucura, Átis castrou-se, para garantir que nunca mais quebraria o seu juramento de fidelidade. Ao recuperar do delírio, estava mortalmente ferido, e sangrou até a morte nos braços de Cíbele, sob o mesmo pinheiro em cuja sombra se havia deitado com sua ninfa. Entretanto, como Átis se tratava de uma divindade, a sua morte não foi definitiva e foi transformado num pinheiro: a cada Primavera o jovem renascia, passando com Cíbele o Verão; e, a cada Inverno, ele tornava a morrer, e a deusa chorava até que finalmente chegasse a Primavera seguinte.

É assim a Mitologia nos descreve o renovar de cada Primavera e da vegetação, sendo estas as palavras de Vergílio:

«Nesta altura, quando vires o enxame saído da colmeia
flutuando no ar transparente do Verão até junto dos astros do céu
e te maravilhares com a sua nuvem escura arrastada pelo vento,
observa-as bem. Elas procuram sempre águas doces
e protecções frondosas. Aí espalha as essências prescritas:
erva-cidreira triturada e a vulgar erva da borragem, faz
barulhos estridentes e toca à volta os címbalos da Grande Mãe».

Vergílio, Geórgicas. Livro IV. 2019

Regressando ainda a Cronos, depois de ter retirado o poder ao seu pai, o seu poder perdurou até que foi derrubado pelos filhos Zeus, Posídon e Hades.

Cronos ficará assim conhecido como o rei dos Titãs, sobretudo associando-se ao tempo que rege os destinos e que tudo pode devorar, até a sua própria criação.

De acordo com a Mitologia, Cronos temia uma profecia, segundo a qual seria também ele destronado do poder por um dos seus filhos. De temperamento violento e negativo, Cronos passou a matar e devorar todos os filhos gerados com Reia. Porém, a mãe conseguiu salvar um deles, Zeus.

Para salvar Zeus, Reia deu-lhe uma pedra embrulhada num pano que ele comeu sem perceber e o filho foi escondido numa gruta em Creta, sendo alimentado com mel e leite da cabra Amalteia. Ao crescer, Zeus libertou os Titãs e com a ajuda deles fez Cronos vomitar os irmãos (Hades, Hera, Héstia, Posídon e Deméter).

Zeus, com a ajuda dos irmãos e dos Titãs, expulsou Cronos do Olimpo e tornou-se o “Pai dos deuses e dos homens, cujo raio faz tremer a terra imensa” (Hesíodo, Teogonia).

A partir da sua vitória encontraremos um mundo mais complexo de interação entre divindades, homens e semideuses. Torna-se «o senhor do Olimpo, do trovão» e o «detentor da égide» como refere o poeta Hesíodo na Teogonia, feita com o couro da cabra de Amalteia, assumindo o poder sobre os fenómenos atmosféricos e o raio e a águia são dois dos seus atributos.

Como tinha derrotado o pai, Cronos, que simbolizava o tempo, Zeus tornou-se imortal, poder que foi também estendido aos irmãos. Zeus, representa de algum modo, o triunfo de uma época de «Justiça», não deixando, contudo, de ser de uma violência absolutamente trágica e extrema a sua vitória contra os Titãs e conquista do poder.

Conta também a Mitologia grega a história do titã Prometeu e a desgraça que sobre ele recaiu. Prometeu, amigo dos homens, havia roubado o fogo de Zeus para o oferecer aos mortais. Para o punir, o deus dos deuses manifesta a sua ira e mandou-o acorrentar a um rochedo, por entre desfiladeiros, onde uma águia vinha devorar o seu fígado, que tinha a capacidade de se regenerar a cada noite. Prometeu padece assim os males dos humanos face ao poder tirano de Zeus.

«O peso da presente dor sempre te há-de consumir e ainda está para nascer quem será capaz de consolar-te (…). Difícil de aplacar, ó Prometeu, é o coração de Zeus e sempre se mostra cruel quem há pouco tempo está reinando»
Ésquilo, Prometeu Agrilhoado, Editorial Inquérito, Lda.

O pai dos deuses do Olimpo, sentindo-se ameaçado no seu poder pelos homens, não podia deixar passar em branco a afronta de Prometeu e concebeu um castigo terrível para a humanidade: teve então a ideia de criar a mulher, a partir de uma estátua de bronze. Zeus ordenou então que, com a ajuda de Atena, Hefesto, o deus ferreiro, criasse a primeira mulher, Pandora, a partir de uma estátua de bronze, que significa ‘todos os dons’.

Cada um dos deuses a presenteou e dotou com uma das suas características: Afrodite deu-lhe beleza e o poder da sedução; Atena fê-la arguta e concedeu-lhe a habilidade dos lavores femininos, tendo-lhe ainda oferecido um belíssimo vestido que permitia ver as suas formas suaves; Hermes deu-lhe a língua e a capacidade de mentir e de enganar os outros. Apolo deu-lhe a voz macia.

De Zeus, Pandora recebeu uma caixa que deveria entregar aos homens. Com a missão de destruir a raça humana, Pandora desceu à terra, encontrando Epimeteu que se apaixonou perdidamente por ela. Esquecendo a promessa que havia feito ao seu irmão Prometeu, que nunca receberia nada que fosse dado por Zeus, Epimeteu recebe de Pandora a caixa na qual foram colocados todos os males da humanidade, como o orgulho, a ambição, a crueldade, a traição, as doenças, as pestes. No fundo da caixa havia um único bem capaz de salvar a humanidade, a esperança. Mas, após saírem todos os males, Pandora fecha a caixa impedindo que a esperança fosse recebida pelos homens. Assim, perdeu a raça humana, o “paraíso”, sendo, doravante a mulher culpada dos males, como nos descreve Hesíodo:

«Antes de facto habitava sobre a terra a raça dos homens/,
a resguardo de males, sem a penosa fadiga/ e sem dolorosas doenças que aos homens trazem a morte./
Mas a mulher, levantando com a mão a grande tampa da jarra,/ dispersou-os e ocasionou aos mortais penosas fadigas./
E ali só a Esperança permaneceu em morada indestrutível/
dentro das bordas, sem passar a boca nem para fora/
sair, porque antes já ela colocara a tampa na jarra,/
por vontade do deus da égide, Zeus que amontoa as nuvens./
Outras infinitas tristezas vagueiam entre os homens;/
e cheia está a terra de males, cheio se encontra o mar;/
as doenças entre os homens, de dia e de noite,/
vão e vêm por si, trazendo males aos mortais/
em silêncio, já que da voz as privou o prudente Zeus».

Hesíodo, Trabalhos e Dias, (Introdução, Tradução e Notas Ana
Elias Pinheiro e José Ribeiro Pereira). Ed. Imprensa Nacional – Casa
da Moeda. 2014





Vaso grego com representação de Pandora. Fotografia a partir de Aqui

Assim, partindo de Pandora, prender-me-ei um pouco mais na mitologia do que genericamente se designa como “Antiguidade Clássica”; no seu universo feminino, seguindo, sempre que possa, os textos coevos.

No seio dos “deuses supremos” do Olimpo temos a possessiva e ardilosa Hera, sendo sua homóloga a romana Juno, esposa de Zeus-Júpiter; a poderosa Atena, a caprichosa Afrodite/Vénus, a protectora das margens, da natureza selvagem de das mulheres, Artemisa/Diana, e a discreta Héstia. Estas personagens femininas desempenham um papel fundamental na trama que se constrói entre as entidades divinas, bem como entre estas e os Humanos. E que não são apenas a imagem da Mulher tentadora como a Eva bíblica que, embora bem mais rica do ponto de vista simbólico, a tradição judaico-cristã reduziu a uma figura manchada pelo pecado.

Hera, a esposa sempre ferida, encontra mil formas de se vingar das amantes de Zeus. É, afinal, uma divindade que funciona como espelho do poder masculino. A sua violência tem em IO o seu expoente. Mas dela não se livrou também a mãe de Apolo, nem Sémele. ........

Ela era, afinal, a esposa oficial de Zeus, a quem Gaia ofereceu as maçãs de ouro, ou da imortalidade, como presente nupcial.
Hera plantou-as num jardim nas paragens longínquas do Ocidente, perto do Monte Atlas, onde ficaram à guarda das Hespérides.
As Hespérides, ou ninfas da Hespéria e filhas de Héspero, ou seja, ninfas do Ocidente e de uma serpente de grande porte da prole de Equidna e Tifão: o dragão ou serpente imortal de 100 cabeças chamado Ládon.
Hesíodo refere as Hespérides por três vezes na sua "Teogonia", dando-as como filhas da Noite ou de Keto, e habitando próximo do lugar onde Atlas segurava o vasto céu.

As vinganças de Hera são uma constante, vejamos os episódios de Leto, ou Letona entre os Romanos, as provações de Io, entre tantas outras, já para não falar das provações de tantos heróis, a exemplo de Hércules.

«em terceiro lugar, deu à luz a Hidra, conhecedora de obras funestas,
que, em Lerna, Hera, a deusa de alvos braços, criou
devido à imensa coléra contra o forte Héracles"

Hesíodo, Teogonia.

Mas recordemos também o episódio referente ao concurso de canto que Hera promoveu entre as Sirenes e as Musas, sendo as segundas vencedoras, motivo pelo que apresentam, muitas vezes, penas no seu cabelo.

"Ora referidas como “seres monstruosos” ora como “ninfas do mar” ou “feiticeiras” ,esses seres de corpos parte aves e parte mulheres têm diversas genealogias relatadas na literatura grega antiga" (CARDERARO, 2015, p.22).

Inicialmente, eram concebidas como mulheres jovens, filhas do deus-rio Aqueloo e de uma Musa, variando, de acordo com o mito, ser a sua mãe Melpómene ou Terpsícore, conforme a versão, embora ainda lhes sejam atribuídas outras genealogias.

O seu número varia entre 2 e 6, segundo os autores. Contudo, as Sereias, esses seres híbridos, parecem ter uma origem mais antiga sendo conhecidos nas mitologias mais antigas, como assírio-babilônica e a egípcia.


Uma das versões de Pausânias (Periegesis Hellados) ..... refere que as Sereias pretendiam cantar melhor do que as Musas e, incitadas por Hera, desafiaram-nas. Ao perder, as senhoras das artes, como castigo, teriam retirado as penas de suas asas, fazendo com que caíssem ao mar, transformando-se em pedras. O seu canto é, aliás, considerado como encantatório, mas enganador.



Na Odisseia são descritas do seguinte modo:

"Às Sereias chegarás em primeiro lugar, que todos Os homens enfeitiçam, que delas se aproximam. Quem delas se acercar, insciente, e a voz ouvir das Sereias, Ao lado desse homem nunca a mulher e os filhos Estarão para se regozijarem com o seu regresso; Mas as Sereias o enfeitiçam com seu límpido canto, Sentadas num prado, e à sua volta estão amontoadas Ossadas de homens decompostos e suas peles marcescentes. Prossegue caminho, pondo nos ouvidos dos companheiros Cera doce, para que nenhum deles as oiça. Mas se tu próprio quiseres ouvir o canto, Deixa que, na nau veloz, te amarrem as mãos e os pés Enquanto estás de pé contra o mastro; e que as cordas sejam Atadas ao mastro, para que te possas deleitar com a voz Das duas Sereias".
Homero, Odisseia, 12.39-52 (trad. F. Lourenço)


O mito conta que as Sereias tinham uma forma dupla – pernas de pássaro e o resto do corpo de mulher – e que matavam os que passavam por elas navegando. Mas elas eram prostitutas, eminentes no uso de instrumentos musicais e no doce canto. Eram as mais belas, e devoravam as riquezas de qualquer um que delas se aproximasse. Diziam que tinham pernas de pássaro porque rapidamente elas se afastavam daqueles que tinham desperdiçado as suas riquezas.
Heraclito, Sobre Coisas Incríveis, 14 (cit. in LÒIO, 2021)




"Ás sereias chegarás em primeiro lugar, que todos
os homens enfeitiçam que delas se aproximam.
Quem delas se acercar, insciente, e a ouvir a voz das Sereias,
ao lado desse homem nunca a mulher nem os filhos
estarão para se regozijarem com o seu regresso;
mas as Sereias o enfeitiçam com seu límpido canto,
sentadas num prado, e à sua volta estão amontoadas
ossadas de homens decompostos e suas peles marcescentes.
Prossegue caminho, pondo nos ouvidos dos companheiros
cera doce, para que nenhum deles as oiça.
Mas se tu próprio quiseres ouvir o canto,
deixa que, nau veloz, te amarrem as mãos e os pés
enquanto estás de pé contra o mastro; e que as cordas sejam
atadas ao mastro, para que deleitado oiças a voz das duas Sereias»
Odisseia, XII (Tradução, Notas e Comentários Frederico Lourenço). Quetzal Editores. 2018 Mosaico de Ulisses, Villa romana de Santa Vitória do Ameixial. MNA Aqui


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Na versão de Ovídio, nas Metamorfoses, as Sereias que se distinguiam pelos seus dotes vocais e musicais com que honravam a deusa da Agricultura, Deméter / Ceres, eram amigas e companheiras de sua filha (Perséfone / Prosérpina). As Sirenas terão ganho "aloiradas penas" para tentar resgatar a amiga, mas depois já não conseguiram recuperar plenamente a forma humana original . (OVIDIO, Metamorfoses, V, 552-562). Terão caído em desgraça quando Perséfone foi raptada por Hades/Plutão, porque não conseguiram salvá-la e foram castigadas pela deusa mãe que as transfigurou em seres híbridos, meio alados, meio humanos.



Este painel “Mosaico de Ulisses”, da Villa romana de Santa Vitória do Ameixial alude à famosa passagem do Canto XII da Odisseia de Homero em que Circe avisa Ulisses que vão encontrar as Sirenes.

Ainda retomando Hera, lembra a Mitologia que quando Leto engravidou dos dois irmãos gémeos (Apolo e Diana), cujo pai era Zeus, teve que fugir da ira da ciumenta deusa suprema Hera/Juno.


Apolo, filho de Zeus/Júpiter com Leto, é, portanto, um dos membros da segunda geração do Olimpo.  também identificado como Febo (brilhante), e era considerado o deus da juventude e da luz da verdade. Por ser reconhecido como uma divindade solar, surge muitas vezes associado a Hélios. Era irmão gémeo de Artemisa, conotada com a Lua.  

Segundo Calímaco, Hera proibiu Leto de dar à luz em qualquer terra firme ou numa ilha,  por se ter sentido, um vez mais, traída.

Poseidon, apiedando-se de Leto, levou-a para ilha de Delos  (ou Ortígia no hino homérico a Artemisa)  que era flutuante, para que Leto pudesse dar à luz. Contudo, embora já estando Leto no seu refúgio em Delos, tal não acontecia com Ilícia, filha de Hera e deusa dos partos, que estava retida pela sua mãe no Olimpo. Só através de um estratagema de Zeus foi possível que Ilícia pudesse socorrer Leto e fazer o parto dos gémeos.

Para dar á luz as crianças na ilha, ela teve que fugir da serpente Píton que Apolo acabaria por matar mais tarde e a quem dedicaria um tempo, sagrando-o à Pitonisa.



O rapto de Leto por Tityos: Apolo (à esquerda), c. 515 a.C. 
Fotografia a partir de Aqui



Não é de estranhar, portanto, que Artemisa/Diana, deusa da lua e da caça, também filha de Júpiter e de Latona, irmã gêmea de Febo/Apolo, fosse tão ciosa da sua castidade.
O seu zelo foi ao ponto de transformar o caçador Acteão num cervo e ser atacado pelos próprios cães que não o reconheceram. As versões variam e, por vezes, Acteão surge como o caçador que competia com a divindade na arte da caça e outras que o castigo se deve ao facto de a ter topado desnuda durante o banho.

Diana era acompanhada por um séquito de sessenta oceânides e vinte ninfas que, como ela, renegaram a sexualidade.

Ovídio, nas suas Metamorfoses, Livro III, assim se refere a esse episódio:

« "Agora, poderás contar que me viste despojada de roupas/
- se conseguires falar ... " Sem mais ameaças, faz surgir/na cabeça que molhara as hastes de um veado já velho,/alonga-lhe o pescoço e aguça-lhe as pontas das orelhas;/muda-lhe as mãos em pés e os braços em longas patas,/e reveste-lhe o corpo todo de uma pelagem malhada; / por último instila-lhe o medo»


Diana, antiga divindade itálica, foi identificada com a grega Artemisa, deusa virgem das margens, da caça e da vida selvagem, assumindo ainda a protecção das mulheres e das parturientes, e que os tempos quiseram associar à lua e à magia.

Pelas suas características, a divindade, que tem sido sido integrada no grupo das divindades de natureza florestal, embora com conotações lunares. Daí advêm, certamente, muitas das associações maléficas que se atribuem à Lua na tradição popular, com efeitos perniciosos de mau-olhado ou de "quebranto".(VASCONCELOS, 1913, p:234.
Tem representação de Época Romana no actual território português (ENCARNAÇÃO, 1984: 105). 

No caso de algumas regiões da Hispânia, aparece mesmo relacionada com o culto da Lua, com Prosérpina e, possivelmente, com cultos de cariz funerário, a exemplo de uma árula da zona de Sines, estudada por José d’Encarnação (IRCP. 104).

Veio a identificar-se com Selene (Lua) e Hécate (ou Trívia), de que derivou a caracterização triformis dea (“deusa de três formas”), como era referida na literatura latina. Um dos seus santuários, o mais famoso, localizava-se no bosque junto ao lago Nemi, perto de Arícia.



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«Três noites faltavam para os cornos se unirem totalmente,

E perfazerem um círculo. Mal a lua refulgiu toda cheia,

e contemplou as terras com a sua forma completa,

ela sai do palácio, coberta de vestes desapertadas,

pés descalços, os cabelos descobertos, soltos pelos ombros.

Caminha sozinha, a passo errante, nos silêncios mudos

do meio da noite. Homens, aves e animais estão relaxados

num sono profundo; nem um só murmúrio nos arbustos,

(como se dormisse, a serpente não solta um só murmúrio,)

As folhas, imóveis, em silêncio, em silêncio está o ar húmido.

Apenas as estrelas cintilam. Para estas estendeu os braços

Rodopiou três vezes, três vezes o cabelo aspergiu com água

Colhida num regato, abriu a boca e gritou três vezes.

E ajoelhando-se sobre a dura terra, deste modo rezou:

“Oh noite fidelíssima para os nossos mistérios, e vós,

estrelas douradas, que com a lua sucedeis aos fogos do dia,

e tu Hécate das três cabeças, que conheces os meus intentos,

e vens ajudar as fórmulas mágicas e as artes + dos feiticeiros +,

e tu, ó Terra, que forneces aos feiticeiros poderosas ervas

e vós, brisas e ventos, e montanhas e rios e lagoas,

e todos vós, deuses dos bosques, vinde!


Ovídio, Metamorfoses, Liv VII. vv: 281 a 333.

«Que desça a serpente que deitada se assemelha a um rio caudaloso, cujos anéis sentem as duas feras (...) Respondendo ao meu chamamento, possa vir ao meu encontro a Píton, que ousou atacar os deuses gémeos; que possa voltar a Hidra e todas as serpentes pela mão de Hércules, mas que cresciam de novo à medida em que iam sendo mortas. Abandonando os Colcos, acode também tu, serpente sempre vigilante, cujo primeiro sono se deveu aos meus encantamentos».
«Depois que evocou toda a espécie de serpentes, ela acrescenta-lhes os venenos das ervas funestas; todas aquelas que a inacessível Érice gera nos seus rochedos
(...) todas as plantas que crescem com flores mortíferas ou todos os sucos funestos gerados nas raízes sinuosas e que podem servir de injúria, tudo isto ela segura com a mão»
Medeia, Séneca, Tradução, Introdução e notas: Ricardo Duarte. Edições Sá da Costa, 2010. Acto Quarto.



Também Dioniso/Baco é, entre tantas outras, um filho ilegítimo que sofre um longo caminho de provações, muitas delas infligidas por Hera.

Uma das lendas sobre o deus grego do vinho dá conta que o seu nome original seria Zagreu, filho de Zeus que, sob a forma de serpente, violou Perséfone, a senhora do submundo onde reinava Hades, embora outras narrativas o refiram como filho de Hades.  
Zagreu era a criança eleita por Zeus para o substituir no governo do Olimpo, teve, contudo, outro destino.

Para proteger o filho dos ciúmes de Hera, Zeus confiou-a aos cuidados de Apolo e dos Curetes, deuses das montanhas, que o esconderam nas florestas do monte Parnaso.

Hera descobriu o esconderijo e encarregou os Titãs de raptá-lo e matá-lo. Disfarçados, os Titãs atraíram o pequeno Zagreu com brinquedos: ossinhos, pião, crepundia (chocalhos, argolas), amuletos e um espelho.

Depois os enviados de Hera desfizeram-no em pedaços, cozinharam as carnes num caldeirão e devoraram-no.

Zeus fulminou os Titãs e das suas cinzas nasceram os homens, explicando-se assim as suas duas facetas:  o mal, vindo dos Titãs, e o bem, vindo do Zagreu devorado.

Segundo outra versão, terá sido Atena (ou Deméter noutra lenda) a salvar-lhe o coração que ainda palpitava e, engolindo-o, a princesa tebana Sémele engravidou do segundo Dioniso.

Aceita-se ainda numa outra das versões que o coração de Zagreu tenha sido reduzido a pó que foi dado a beber a Sémele, que assim ficou grávida.

O filho de Zeus e da mortal Sémele viria a ser o famoso Dioniso, deus do vinho e da vinha, que, na verdade, era uma reencarnação do falecido Zagreu, conhecido entre alguns autores como o "primeiro Dioniso“. Por isso, ele é chamado “duas vezes nascido” ou “o de duplo nascimento” (dio-nisio).

Hera, ao ter conhecimento das relações amorosas de Sémele com o seu esposo Zeus, resolveu eliminá-la. 

Transformando-se na ama da princesa tebana, aconselhou-a pedir ao amante que se apresentasse em todo o seu esplendor.  O deus advertiu Sémele que semelhante pedido lhe seria funesto, uma vez que uma mortal não suportaria a epifania de um deus imortal.  Mas, como havia jurado pelas águas do rio Estige jamais contrariar-lhe os desejos, Zeus apresentou-se com seus raios e trovões e ela morreu fulminada, salvando-se apenas o seu filho.

O feto do futuro Dioniso, foi salvo por Zeus que o recolheu do ventre de Sémele e o colocou na sua coxa, até que se completasse a gestação normal. 

Mas o longo caminho de Baco não termina por aqui.

Temendo novo estratagema de Hera, mal nasceu o filho de Zeus, Hermes recolheu-o e levou-o às escondidas para a corte de Átamas, rei beócio, casado com a irmã de Sémele, Ino, a quem o menino foi entregue.  Irritada, Hera enlouqueceu o casal que matou os seus filhos.

Zeus transformou o filho num menino (ou em bode, segundo algumas narrativas) e ordenou que Hermes o levasse para o monte Nisa, onde foi confiado aos cuidados das Ninfas e dos Sátiros, que lá habitavam numa gruta profunda. 

Ainda assim a saga não termina e, enciumada, a deusa Hera transforma Baco já adulto num louco a vaguear pelo mundo.

Ao passar pela Frígia, foi curado e instruído nos rituais religiosos pela deusa Cibele.  Na Frígia, conheceu Cíbele, deusa da natureza e abundância, que o curou e o iniciou em seus ritos religiosos.

Assim, Baco começou a juntar discípulos por onde andava, ensinou-os a cultura da vinha e os seus mistérios por toda a Ásia.

As ménades, também conhecidas como bacantes, lenai, tíades ou coribantes (estas últimas ligadas ao culto de Cibele na Lídia) são as seguidoras de Baco, participantes das orgias e aliadas nos seus confrontos com tiranos.

Buscavam a vida nos bosques e dedicavam-se à dança, a festins de embriaguez e dilaceramento de animais selvagens.

São normalmente representadas nuas ou vestidas só com peles de veado, com grinaldas de Hera e empunhando um tirso.

Na presença do deus, ficam imbuídas do seu poder e podiam atingir o êxtase.





Hera-Juno estante, em posição frontal, com a cabeça voltada à direita ostentando diadema e vestindo longa túnica. Na sua mão direita, recuada e erguida à altura da nuca, segura, pelo topo, um ceptro (ligeiramente oblíquo) e na esquerda, estendida, talvez uma pátera. Cornalina. Séc. II-III d.C. Colecção particular.
Agradecemos a Graça Cravinho a fotografia e descrição acima.


Minerva, por sua vez,  é «filha de Zeus detentor da égide, Atena de olhos garços» (Hesíodo, Teogonia, Imprensa Nacional - Casa da Moeda, 2014).


«Zeus, rei dos deuses, tomou por primeira esposa Métis,
a que mais sabe sobre os deuses e os homens mortais.
Mas, quando ela estava prestes a dar à luz a deusa Atena de olhos garços,
nessa altura, ele enganou o seu espírito,
com palavras ardilosas, e engoliu-a no seu ventre,
por conselho da Terra e do Céu coberto de estrelas.
Ambos o aconselharam assim, para que o poder régio
não pertencesse a nenhum dos outros dos deuses
que vivem sempre, senão a Zeus.
Porque estava predestinado que dela nascessem filhos
muito inteligentes:
a primeira, a filha de olhos garços, a Tritogénea,
detentora de força e de uma sábia vontade igual à do pai;
depois seria a vez de um filho, rei de deuses e de homens,
que ela daria à luz, um filho de coração soberbo.
Mas, antes, Zeus engoliu-a no seu ventre,
para que a deusa lhe pudesse aconselhar o que é bom
e o que é mau»

(Hesíodo, Teogonia, Imprensa Nacional - Casa da Moeda, 2014)

Atena/Minerva é filha de Júpiter e de Métis, considerada a reflexão personificada, primeira esposa do pai dos deuses. 

Quando estava grávida, Métis anunciou a Júpiter que teria em primeiro lugar uma filha e, de seguida, um filho que se tornaria senhor do céu. 
O rei dos deuses, assustado com tal profecia, engoliu Métis. 
Passado algum tempo, foi acometido de fortíssima dor de cabeça, tendo pedido a Hefesto/Vulcano que lhe rachasse a cabeça com o machado de onde nasceu Atenas, já adulta e armada com capacete e lança para ajudar os deuses na guerra contra os Titãs.

Deusa da Sabedoria e da Razão, «Minerva, da oliveira a inventora», como a menciona Virgíllio nas suas Geórgicas é também a deusa das artes da guerra, motivo pelo que se faz representar com uma lança.
Será ela também a nova encarnação da sabedoria divina. Contudo não escapa à sua natureza caprichosa, mesmo violenta, quer com Medusa, quer com a pobre Aracne. Há pois que aplacar os seus ímpetos, sagrando-lhe dias, a exemplo das Quinquátrias.


«Um dia mais e chega a festa de Minerva,
cujo nome - as Quiquátrias - vem dos dias.
No primeiro, não há sangue ou luta com ferro,
pois Minerva nasceu naquele dia.
No seguinte e em mais três, os jogos são de areia,
co'as espadas se alegra a deusa bélica.
A Palas hoje orai, meninas e meninos,
pois quem aplacar Palas será douto.
Com Palas já aplacada, a cardar lã a moça
aprende, e a encher pesados fusos.
Ela ensina a naveta a correr na urdidura
e faz a obra co'o pente se adensar».
Ovídio. Fastos, Liv. I (tradução de Márcio Meirelles Gouvêa Júnior. Autêntica CLÁSSICA)




Estatueta de Minerva. Cáceres el Viejo. Cáceres. Século I a. C. Museo de Cáceres.



 Estatueta de Minerva, Museu Nacional de ArqueologiaAqui


Sobre o peito tem a representada a égide de pele de cabra, presa por duas correias, onde está representada a Medusa, a que nos referiremos de seguida, pois a sua cabeça foi oferecida a esta divindade. A divindade, nascida da cabeça de Zeus, faz-se representar com o capacete coríntio. Pela posição dos braços, seguraria a lança na mão erguida e uma pátera na mão estendida, para fazer uma libação sobre uma ara acesa 
Sobre o peito enverga a égide de pele de cabra, recordando a cabra Amaltéia que, segundo a lenda amamentou Zeus, presa por duas correias, e ao centro tem a Cabeça de Medusa, que, segundo a Mitologia, lhe foi oferecida.





Tecedeira como nenhuma, Atena, cuja homóloga romana é Minerva, aceitou competir com a sua rival na arte de trabalhar a lã, Aracne que «não era famosa pela terra nativa nem pela origem da família, mas sim pela arte» e que «Quantas vezes para contemplar os seus admiráveis lavores não abandonaram as ninfas os arvoredos do seu Timolo, não abandonaram as suas águas as ninfas do Pactolo. E não era só um prazer contemplar as vestes por ela tecidas, mas também vê-la trabalhar (tal encanto presidia à sua arte!) » como nos relata Ovídio, Metamorfoses, Livro VI). 

Foi-lhe duro o destino e Palas condenou-a, após uma tentativa de suicídio, a viver sempre pendurada.

«Quantas vezes para contemplar os seus admiráveis lavores não abandonaram as ninfas os arvoredos do seu Timolo, não abandonaram as suas águas as ninfas do Pactolo. E não era só um prazer contemplaras vestes por ela tecidas, mas também vê-la trabalhar (tal encanto presidia à sua arte!) » como nos relata Ovídio, Metamorfoses, Livro VI).

Aracne será assim vítima da orgulhosa Atena que não consegue conceber que a sua tapeçaria seja menos bela do que a que ela havia concebido. A pobre Aracne termina por suicidar-se e Atena condoída acaba por transformá-la numa aranha. 

 

Lécythe de figuras negras.
Museu Nacional de Arqueologia

«Ao centro, o rapto de Tétis por Péleas: Tétis, de pé, de veste drapeada, corpo de frente, cabeça para a direita; Péleas precipita-se sobre ela; reconhece-se o seu braço direito que enlaça Tétis. Dum lado e de outro, as irmãs de Tétis, as Nereides, que correm. Do lado esqeuerdo, Nereide, corpo de frente, de veste drapeada, cabeça para a direita; rolo de cabelo alto. Do lado direito, Nereide, três quartos para direita, de veste drapeada, cabeça para a esquerda; rolo de cabelo alto; braço direito dobrado».
Fotografia e comentário citado a partir de Aqui.

Medusa será vítima dessa violência, quer de Posidon, que a estrupou, junto do Templo de Atena, segundo algumas versões do mito, quer da própria Atena.

 Ficou conhecida na Mitologia como por ser um monstro ctónico terrível do sexo feminino, sendo representada com serpentes no lugar dos cabelos com o poder de petrificar apenas com o olhar. Era irmã das Górgonas, que Hesíodo assim descreve, na sua Teogonia.

"que habitam para lá do Oceano ilustre,

ne fronteira com a noite, na morada das Hsepérides de voz cristalina,

Esteno, Euríale e Medusa de fatídico destino.

Esta era mortal, enquanto eram imortais e isentas de velhice

as outras duas. Mas, só a ela conheceu o deus dos cabelos anilados,

na planície suave, entre as flores da primavera."


Hesíodo, Teogonia


Contudo Medusa não teria sido sempre assim, segundo outras versões do mito. Teria sido uma mulher de corpo perfeito e de belos cabelos dourados. Seria com as irmãs sacerdotisa de Atena, Deusa da guerra e da justiça. Posídon, deus do mar, teria violado Medusa, junto do templo. A Deusa furiosa pelo desrespeito praticado no seu templo castigou Medusa, transformando- a num mostro mortal. Os seus belos e invejados cabelos transformaram-se em serpentes, o seu corpo foi deformado e a pele criou escamas e ficou pegajosa, e os seus os dentes tinham o aspecto de um javali. Perseu, filho de Zeus com a ajuda de Atena, será o herói que decapitará Medusa, matando-a. Em seu auxílio vão Hades e Hermes que presentearam Perseu com um elmo, que o deixava invisível, sandálias aladas, um escudo feito de bronze brilhante, uma espada e ainda um alforje chamado quíbisis para poder carregar a cabeça cheia de serpentes. A sua cabeça será oferecida à justiceira Atena que, doravante, a usará na sua égide.

«Dela, quando Perseu lhe decepou a cabeça, Surgiram o grande Criasor e o cavalo Pégaso»

Hesíodo, Teogonia.

Na Grécia Antiga, duas mulheres, Circe e Medeia, têm poderes mágicos ou sobrenaturais que espelham, de algum modo, a memória de um mundo ancestral e arcaico, onde o Homem era ainda dominado por medos do desconhecido.
Circe é essa maga que viveu na Ilha de Aeaea, que foi visitada pelos Argonautas e por Ulisses, o herói da Guerra de Troia. Era uma feiticeira poderosa, que, «com a ajuda de ervas, murmurando encantamentos, ou a rezar para os seus deuses, poderia transformar os homens em animais ou criar imagens insubstanciais de animais» .Viveria num palácio encantado, cercado por lobos e leões (seres
humanos enfeitiçados).
«Ela foi capaz de escurecer o céu, escondendo a lua ou o sol atrás das nuvens, e destruir seus inimigos com sucos venenosos, chamando em seu auxílio Nyx (Noite), Chaos ou Hecate, deusa das encruzilhadas. Na sua presença e por causa de seus encantos da floresta poderia se mover o estrondo do solo e as árvores ao seu redor se tornam brancos».http://thanasis.com/circe.htm.
A bela Maga Circe, loira porque é filha o deus o Sol - Hélios - e da ninfa Pérsia, ficou assim conhecida pela participação na épica Homero, A Odiseia, e pelo papel que desempenha nas lendas dos Argonautas.
Tinha inúmeros poderes. Foi castigada por eles, e por ter envenendo o seu marido. Emanava uma luz ténue e fúnebre e a ilha onde viveu, "Aeaea", tem o significado de "prantear"
Esta luz, identificava Circe, como a "Deusa da Morte". Por isso também a relação que é feita muitas vezes com rituais de magia ligados à morte e à necromância.
Associada aos voos mortais dos falcões, pois assim como estes, Circe circundava suas vítimas para as enfeitiçar.
A "Circe das Madeixas Trançadas", como a descreveram alguns autores gregos, podia manipular as forças da criação e destruição através de nós nas tranças dos seus cabelos.
Era também a tecelã dos destinos.
A Maga Circe era considerada a Deusa da Lua Nova, da feitiçaria, dos encantamentos, dos sonhos premonitórios, maldições, vinganças, magia negra, bruxaria, caldeirões, descrita por Ovídio como «filha do Sol brilhante, embora com tal poder pelos esconjuros, tal poder pelas ervas» (Ovídio, Metamorfoses, Livro XIV)


«Amigos, não devem só ou dois apenas conhecer
os oráculos que me revelou Circe, divina entre as deusas.
Mas vou eu dizê-los, para que conheçais, quer morramos,
quer escapemos à morte e evitemos o trespasse.
Ordena-nos primeiro que fujamos da voz doce das Sereias
e do prado florido. A mim só, exortou a escutar a sua voz».

Odisseia, (tradução e notas Maria Helena Rocha Pereira) in Hélade. 2009. Guimarães Editores.

«Ó deusa, de um deus compadece-te, suplico! Só tu podes
dar-me alívio nesta minha paixão, caso eu pareça digno dele.
Ninguém sabe melhor que eu, ó filha do Titã, quão grande
é o poder das plantas, eu que, por meio delas, mudei de forma.
(...)
Mas, se algum poder há nas fórmulas mágicas, uma fórmula
recita nos teus lábios sacros; se forem mais potentes as ervas,
lança mão do poder comprovado de uma planta eficaz».

Ovídio, Metamorfoses, Livro XIV. Livros Cotovia, 2007

Por sua vez  a vingativa Medeia, filha do rei Eates, da Cólquida, tão depressa é referida como sendo sobrinha de Circe, ou sua filha e de Hermes, ou mesmo sua irmã e filha de Hécate, foi, por algum tempo, casada com Jasão , inscrevendo-se também no Ciclo dos Argonautas, que nos foi transmitido na obra Argonautica de Apolónio de Rodes (século III a.C.).


Também Medeia é feiticeira, detentora de poderes mágicos. Medeia auxiliou Jasão a apoderar-se do Velo de Ouro que Eetes guardava.
Mais tarde, Jasão desprezou Medeia, consorciando-se com a filha do rei de Corinto, Creúsa. Repudiada, Medeia decide vingar-se e mata os seus próprios filhos. E participa na pior vilolência que pode existir: o infanticídio.

Na versão de Medeia de Séneca, ela é discípula de Hécate, reflectindo bem o poder da magia, tão em voga em Roma, no século I. Medeia, invoca, no texto as almas do mortos, as divindades infernais , o Caos e a morada de Hades.

Através da utilização de um unguento que Jasão deveria usar no seu corpo e escudo, ele torna-se invulnerável ao fogo e ao ferro, conseguindo assim lavrar o campo e enfrentar os touros que deitavam fogo pelas narinas e agricultar as terras onde semearia os dentes de um dragão.

Ao que nos contam algumas narrativas deste mito, Hera, protectora de Jasão, havia interferido junto de Afrodite para que convencesse Eros a fazer com que Medeia se apaixonasse por Jasão e a colocar-se a seu lado, casando-se ele com ela como reconhecimento desse afecto.


Nesta cena trágica vemos Medeia de braços cruzados, trajando o vestido comprido dos atores trágicos. A mão esquerda segura o punho da mão direita que parece ter uma adaga. Entre as duas personagens, em plano intermédio, é visível uma criança (talvez um dos seus filhos).
A segunda personagem é um homem que aparece em plano recuado, trazendo um chicote numa mão e uma tocha noutra.




MEDEA e TRIPTOLEMUS 
Munique


Medeia acautela-o de que dos dentes de dragão nasceria uma seara de soldados que o tentariam matar, encontrando uma solução que ajudasse a dispersar esses mesmos soldados: lançar uma pedra, de longe, para o meio do exército. Como Jasão conseguiu executar com êxito as tarefas, regressou para reclamar o velo de ouro a Eetes.



Não posso deixar de citar a «Medeia» de Eurípides, nas palavras da Aia:
«A infortunada, a ultrajada Medeia declara em altos brados os juramentos, apela para a união das mãos, o mais forte dos penhores; toma os deuses como testemunhas do reconhecimento que recebe de Jasão. Deprimida, sem se alimentar, abandona o corpo às suas dores; consome dias inteiros em pranto desde que conheceu a perfídia do marido; já não alça a vista nem desprende do chão o olhar; parece uma rocha ou uma onda do mar, quando ouve a consolação dos amigos. Todavia, às vezes desvia a cara deslumbrante de alvura e, sozinha, chora o pai amado, a pátria, o palácio que renegou e deixou para seguir o homem que a mantém hoje desprezada.
Sabe, essa infeliz, para seu próprio infortúnio, o que se ganha em renunciar ao solo natal.
(…)
Receio que intente qualquer vingança inesperada. É uma alma violenta, não suporta as afrontas».
Medeia, Eurípides. Editorial Inquérito.





Painel do Mosaico das Musas, Villa Romana de Torre de Palma, MNA)

Fotografia: Foto DDF/DGPC Aqui
«Que desça a serpente que deitada se assemelha a um rio caudaloso, cujos anéis sentem as duas feras (...) Respondendo ao meu chamamento, possa vir ao meu encontro a Píton, que ousou atacar os deuses gémeos; que possa voltar a Hidra e todas as serpentes pela mão de Hércules, mas que cresciam de novo à medida em que iam sendo mortas. Abandonando os Colcos, acode também tu, serpente sempre vigilante, cujo primeiro sono se deveu aos meus encantamentos».

«Depois que evocou toda a espécie de serpentes, ela acrescenta-lhes os venenos das ervas funestas; todas aquelas que a inacessível Érice gera nos seus rochedos

(...) todas as plantas que crescem com flores mortíferas ou todos os sucos funestos gerados nas raízes sinuosas e que podem servir de injúria, tudo isto ela segura com a mão»
 
Medeia, Séneca, Tradução, Introdução e notas: Ricardo Duarte. Edições Sá da Costa, 2010. Acto Quarto.

"Ergue para os teus filhos, Jasão, a pira funerária e prepara-lhes o túmulo.
Por mim sepultados, a tua mulher e o teu sogro receberam já o que é devido
À morte; este teu filho foi ao encontro do seu destino; a este outro darei, diante
Dos teus olhos, morte idêntica"

Séneca, Medeia,  trad. R. Duarte, Lisboa, Sá da Costa, 2010.

Hécate, a mãe de Circe, tem múltiplas representações na Antiguidade, a deusa da magia e dos caminhos, das encruzilhadas e da noite, dos espectros e dos fantasmas, da juventude, da lua, do Céu, da Terra, do Mar e do Mundo Inferior, também protectora das crianças e  curandeira de jovens e mulheres. 

Embora Hécate não seja uma deusa originariamente grega e a sua origem exacta não seja conhecida, sendo-lhe atribuída uma origem pré-helénica,  à Ásia Menor, acaba por ser considerada uma das grandes deusas (junto a Deméter e Perséfone) que preside os Mistérios de Elêusis. Assume, de alguma forma, o papel que Cibele desempenhava na Frígia, como protectora da cidade.  (JOHNSTON, 1999, p. 206).

É uma Divindade tríplice, ou seja, possui três aspectos: anciã; deusa mãe e ao mesmo tempo virgem. É frequentemente representada com três cabeças, ou três corpos.
A sua tríplice divindade manifesta-se através do domínio do céu, do mar e da terra (e também do infra-mundo).

Uma das importantes referências sobre a divindade deve-se a Hesíodo na sua Teogonia, sendo retomado séculos mais tarde nas Metamorfoses de Ovídio (Metamorfoses, Livro VI, 140, Livros Cotovia, 2007).

Mas também Séneca, na sua Medeia nos remete aos poderes de «Hécate triforme, que ofereces um fulgor cúmplice aos mistérios silenciosos» Medeia, Séneca, Tradução, Introdução e notas: Ricardo Duarte. Edições Sá da Costa, 2010.

Os poderes que lhe eram atribuídos foram-se alterando, ao longo dos tempos, e Hécate passou a ser reconhecida pela feitiçaria, magia e encantamentos, necromancia, bruxaria e pelo seu profundo conhecimento de ervas e plantas venenosas.

Associada à  Lua e à escuridão da noite.  fazendo-se acompanhar de espíritos e fantasmas, Hécate, também denominada Deusa dos Encantamentos. patrulhava os caminhos com os cães de que era a guardiã, recolhendo as almas dos mortos e surpreendendo os viajantes.

Não deixa, contudo, de ser associada à violência, porque Hécate ...........



Perséfone, Hermes e Hécatec. -440

Cratera-sino de figuras vermelhas

Pintor de Perséfone. 

Aqui

Também a bela Vénus não era isenta a ciúmes violentos e vingativos. Assim no-la descreve Apuleio, nascido cerca do ano 125 d. C.

"Quando pela manhã aparecia a donzela, era invocado o nome de Vénus ausente com vítimas sacrificiais e sagrados festins. E sempre que a menina se passeava pelas ruas, o povo acorria de todos os lados para adorá-la com grinaldas e pétalas de flores. Esta desmesurada transposição das honras celestiais para o culto de uma jovem mortal incendiou profundamente o ânimo da verdadeira Vénus. Sem conseguir conter a indignação, abanou a cabeça, soltou um profundo brado e pôs-se a cogitar consigo:
Ora então eu, a antiga mãe da natureza, a origem primeira dos elementos, a alma nutriz do universo inteiro - Vénus - sou agora obrigada a partilhar com uma rapariga mortal as honras devidas à majestade divina?! E o meu nome, que detém um nicho celestial, há-de ser profanado nas impurezas terrenas!
(...) Mas esta aqui, seja ela quem for, não se irá gloriar durante muito tempo de haver usurpado as minhas honrarias. Já farei com que se arrependa até da própria formusura à qual não tinha direito!
E logo trata de chamar o filho, um rapaz alado e bastante indiscreto, cujos maus hábitos ilustram o desprezo pela moralidade pública. Munido de tochas ardentes e de setas, percorre durante a noite as casas alheias, corrompe a relação entre todos os esposos, comete impunemente os maiores escândalos. Em suma, não faz bem nenhum. E embora ele fosse já, por sua natural falta de pudor, bastante desavergonhado, a mãe tratou de o acicatar ainda mais com palavras, de o conduzir até à dita cidade e de lhe pôr diante dos olhos Psique - pois era esse precisamente o nome da tal jovem»
APULEIO, Asno de Ouro. (Conto de Amor e Psique). Introdução, tradução do Latim e notas Delfim Leão. Biblioteca Editores Independentes.
Pode ser uma imagem de escultura e interiores


As narrativas mitológicas as Mulheres (como nos homens aliás) são, portanto, na Antiguidade Clássica, espelho de um universo marcado pela violência, tema a que regressarei num próximo trabalho, mais dedicado à violência exercida sobre as divindades femininas.

 



BIBLIOGRAFIA SUMÁRIA

BIBLIOGRAFIA SUMÁRIA

 

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